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Jornalistas esportivos do Brasil aprendem a faturar com a publicização dos seus times de futebol

Durante quase duas décadas, Alex Sandro dos Santos viveu de acordo com uma regra tácita do jornalismo esportivo brasileiro.

Ele analisava jogos, entrevistava jogadores e comentava escalações, mas nunca revelou uma questão central à sua paixão pelo futebol: de que lado ele estava? Ele nunca havia se deixado ver em público com a camisa de um clube, nunca havia declarado lealdade a um ou outro time.

Isso mudou em março de 2020.

Ao aparecer num popular programa de debate sobre futebol no estado do Rio Grande do Sul, Alex — mais conhecido pelo seu apelido, Bagé — vestiu a camisa azul, preta e branca do famoso clube Grêmio.

“A partir de agora”, disse ele aos telespectadores, “temos uma relação transparente”.

O seu então chefe o alertou. “Esta é uma decisão que não pode ser revertida”, lembrou Bagé. Mas a ação atraiu mais de 90 mil visualizações no YouTube e o colocou em um novo caminho.

Cinco anos depois, a aposta de Bagé transformou a sua carreira. Ele conquistou 170 mil seguidores no Instagram e 250 mil em seu canal homônimo no YouTube. Hoje têm uma rede de 15 pessoas que colaboram com ele na transmissão de jogos ao vivo, moderação de comentários e redes sociais e no marketing de uma marca que esbarra nas fronteiras entre fã e jornalista, disse ele.

“Revelar o time para o qual você torce costumava ser tabu, mas hoje não é mais”, disse ele à LatAm Journalism Review (LJR). “Havia apenas alguns que faziam isso, mas esse novo cenário das redes sociais dá a liberdade para fazer isso”.

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Alex Sandro dos Santos, aka Bagé, is an identified journalist and supports Gremio. (Foto: Cortesía Bagé)

Muitos jornalistas brasileiros – principalmente os que cobrem futebol – estão abraçando o seus times como uma forma de se adaptarem a um modelo de negócio em evolução que envolve jornalismo, engajamento, empreendedorismo e patrocínio de empresas de jogos de azar. Eles ficaram conhecidos como “Jornalistas Esportivos Identificados”, ou JEI, pelas iniciais do título em português, porque se identificam publicamente com o clube que torcem.

Os resultados, pelo menos no Rio Grande do Sul, têm sido um sucesso. Uma reportagem recente de um graduando em jornalismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) afirmou que os maiores JEI’s do estado tinham quase tantos seguidores nas redes sociais quanto os dois principais times do estado, com quase um milhão de seguidores.

Com a necessidade sem fim de conteúdos e de se estar sempre em frente às câmeras, estava cada vez mais difícil para os jornalistas manter mistério sobre os clubes que torcem, uma paixão que, para a maioria, vem antes da própria carreira profissional.

Paulo Vinícius Coelho, também conhecido como PVC, cobre esportes há mais de três décadas. Os seus colegas e o público sabem para quem ele torce, a Sociedade Esportiva Palmeiras, mas ele se considera um jornalista não-identificado e disse que só revela o seu time quando isso é essencial para uma discussão.

“Sempre evitei aquele velho truque de fingir torcer por um clube pequeno ou de outro país para esconder o fato de que você é apaixonado por um clube daqui”, disse ele à LJR.

Ele está ciente das mudanças radicais do mercado e lançou-se no Instagram para capitalizar o potencial das redes sociais, disse ele. Mas ele adverte: “O que acaba acontecendo é que a sua paixão se transforma em renda, mas alguns ainda dizem que é apenas paixão”.

Até mesmo empresas de mídia tradicionais, como a TV Globo, criaram espaços identificados para que jornalistas expressassem sua paixão separadamente da redação geral. Quetelin Rodrigues, 36, começou como jornalista neutra, mas optou por revelar seu clube, o Grêmio.

Atualmente, ela escreve um blog identificado sobre o Grêmio para o Globo Esporte, canal de esportes da TV Globo, e participa de vários programas de comentários com jornalistas tradicionais e identificados. “Eu nunca teria imaginado que me identificaria com o meu clube. Achei que seria neutra para sempre”, disse ela à LJR.

Outros jovens repórteres também abraçaram esse caminho, mas não sem questionar o que significa praticar jornalismo de um viés clubístico.

Leonardo Garcia Gimenez, 25, repórter do veículo identificado Central da Toca, que cobre o Cruzeiro Esporte Clube no estado de Minas Gerais, no sudeste do país, distingue entre jornalistas identificados e influenciadores. Ele disse que JEI’s buscam informar, enquanto influenciadores buscam torcer e dar uma opinião, mesmo que não estejam bem informados.

“Nós definitivamente torcemos pelo nosso time, mas acima de tudo, fazemos a cobertura jornalística”, disse Garcia Gimenez à LJR. “Os influenciadores, por outro lado, não têm essa preocupação. Eles apenas torcem, estejam bem informados ou não. Mas, de certa forma, o próprio público-alvo reconhece a diferença”.

Ainda assim, mesmo para jornalistas identificados que se diferenciam dos influenciadores, a busca pelo engajamento continua sendo uma questão complicada.

“Como a renda desses JEI’s depende justamente do engajamento e do que é convertido em conteúdo, é difícil não tentar seguir um caminho que garanta esse sucesso”, disse Josué Seixas, freelancer brasileiro especializado em esportes para veículos como The Guardian e Daily Mail, à LJR.

Seixas observa que jornalistas com um histórico estabelecido na mídia tradicional podem manter um perfil mais sóbrio, mas alerta que aqueles que estão começando precisam adotar uma abordagem “diferente” para conquistar o público. “Isso significa que, se não for com informação ou acesso, terá de ser com algum tipo de performance”, disse ele.

Essa é uma das principais críticas feitas por Carlos Guimarães, 46, editor de esportes da Rede Bandeirantes e professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). Jornalista esportivo há quase 30 anos, ele disse que vê o jornalismo identificado principalmente como espetáculo e performance.

“Se o seu time estiver em uma partida importante e esse jornalista esportivo identificado conseguir uma notícia exclusiva que possa prejudicar o clube de alguma forma, ele pode escolher não publicá-la”, disse ele à LJR.

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Quetelin Rodrigues, a journalist working for O Globo, supports Gremio. (Foto: Cortesía Rodrigues)

Estados mais polarizados, como Rio Grande do Sul e Minas Gerais, tendem a ter um público mais dividido no que diz respeito ao futebol e têm maiores problemas com a forma como os jornalistas identificados conduzem entrevistas com jogadores e funcionários do clube que amam. No ano passado, um treinador brasileiro de um clube do Rio Grande do Sul reclamou abertamente sobre esses novos tipos de jornalistas, chamando-os de extremamente desrespeitosos em suas perguntas durante uma coletiva de imprensa.

Outro desafio para o jornalismo identificado é o papel predominante das empresas de apostas, algumas das quais patrocinam tanto os clubes como os meios de comunicação que os cobrem.

Renato Barros, 34, trabalha para o podcast Timbucast, cobrindo o Clube Náutico Capibaribe, no estado nordestino de Pernambuco. A empresa de apostas Esportes da Sorte patrocina tanto a equipe do Náutico como o podcast, que não têm relação oficial com o clube. Mas o patrocinador não tenta exercer qualquer influência sobre o conteúdo do podcast, disse Ribeiro.

“Nunca fomos sujeitos a qualquer tipo de restrição, qualquer tipo de pedido para não falar sobre um assunto”, disse Ribeiro à LJR. “Muito pelo contrário, temos muita liberdade para falar sobre tudo de forma descontraída.”

No entanto, é difícil traçar um quadro claro do panorama desse tópico das casas de aposta em evolução do jornalismo desportivo, disse Samira de Castro, presidente da Federação Nacional de Jornalistas (FENAJ). É essencial que os meios de comunicação sejam claros com o público quando uma notícia é patrocinada ou tem ligações comerciais, disse ela à LJR.

“Isso requer um olhar crítico sobre a sua relação com a imprensa”, disse ela. “Precisamos garantir que a cobertura jornalística seja orientada pela transparência, sem confundir informação com publicidade.”

Hoje, todos os 20 clubes de primeira divisão do Brasil são, em algum nível, patrocinados por empresas de apostas. Enquanto isso, os veículos tradicionais enfrentam queda nas receitas, ao passo que os veículos identificados estão crescendo.

De acordo com a FENAJ, o emprego na mídia atingiu o pico em 2023, com mais de 60.000 postos de trabalho, e em 2023 havia caído 18%, devido à recessão econômica, à pandemia, aos avanços tecnológicos e à evolução dos modelos de negócios.

Ao mesmo tempo, o país assiste a um aumento vertiginoso do número de apostas, e questões como o vício estão se tornando um problema nacional.

À medida que as casas de apostas fortalecem sua presença no futebol brasileiro, o jornalismo esportivo também passa por mudanças. Repórteres enfrentam não apenas modelos de receita em transformação, mas também um escrutínio crescente sobre como os torcedores percebem seu trabalho.

"O jornalismo identificado coloca o jornalista no papel de reportar fatos, mas claramente torcendo pelo clube que está a reportar. Isso pode levar a complicações”, disse o editor de esportes Guimarães, acrescentando que o ideal seria ter uma certa distância das coisas que se cobre. “Quando se está muito próximo, compromete-se com questões que minam a credibilidade.”

PVC, que escreveu 11 livros sobre jornalismo esportivo, disse que a área precisa de um novo código de ética. “O jornalista pode estar usando uma camisa de time ou terno e gravata, mas a informação precisa é inegociável”, disse ele. “E esse é um ponto que está a ser perdido de vista. As pessoas começaram a entender que esse tipo de jornalismo identificado ajuda a aumentar a confusão, e estão pensando que é impossível ter isenção da informação.”

Para Rodrigues, mesmo que às vezes ela só queira chorar depois de um jogo ruim do seu time, a perspectiva atual é positiva. “Eu experimentei os dois lados como jornalista, mas hoje vivo no melhor mundo, certo? Estou na minha profissão, fazendo o que amo fazer e falando abertamente sobre o time que amo. É claro que há um lado bom e um lado ruim nisso, mas o lado bom é essa liberdade.”

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