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Jornalistas latino-americanos no exílio compartilham estratégias de sustentabilidade em videocast

Para o jornalista cubano José Nieves, fundador do meio nativo digital El Toque, como tornar seu meio sustentável é uma das preocupações que o mantém acordado. Ele não só enfrenta os desafios de qualquer empreendimento jornalístico, mas também o faz a partir do exílio.

O exílio de jornalistas se tornou uma ameaça à liberdade de imprensa no mundo. A América Latina não tem sido alheia a isso: nos últimos anos, pelo menos 300 jornalistas fugiram de Nicarágua, Equador e Guatemala, de acordo com registros de organizações de liberdade de imprensa. No exílio, jornalistas enfrentam ameaças, falta de proteção e, claro, precariedade econômica. Continuar seu trabalho se torna uma das maiores preocupações, e a ajuda que recebem geralmente não é suficiente.

Hombre de mediana edad, cabello color negro vestido de saco negro con camisa color coral mirando a la cámara

O jornalista cubano José Nieves.(Arquivo pessoal)

Nieves sabe que não é fácil conseguir isso, e por isso suas duas fellowships recentes nos Estados Unidos – uma das quais termina no próximo abril – se concentraram em gerar produtos que ofereçam informações sobre estratégias de sustentabilidade para meios de comunicação da América Latina que trabalham no exílio.

Como parte de seu projeto final como fellow no Executive Program in News Innovation and Leadership da Escola de Pós-Graduação em Jornalismo Craig Newmark, em Nova York, ele criou o “Hablando en Plata”. Trata-se de um videocast de cinco episódios, no qual Nieves e colegas de Cuba, El Salvador, Nicarágua e Venezuela discutem sobre o que funcionou e o que não funcionou em termos de sustentabilidade.

“Os aprendizados dessas estratégias de sustentabilidade que implementamos em meios no exílio latino-americano não apenas vão além da região latino-americana, mas se aplicam a qualquer meio”, disse Nieves ao LatAm Journalism Review (LJR), que atualmente é um Knight Fellow do Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ, na sigla em inglês).

Seus colegas discutem estratégias para alcançar a sustentabilidade, incluindo campanhas de membros, agências de conteúdo, lojas virtuais, realização de eventos, além dos desafios que enfrentam, como planos de sucessão, crise de publicidade, barreiras por parte de plataformas, entre outros.

Para o primeiro episódio, Nieves conversou com a diretora de negócios de El Toque, Beatriz Valdés, para falar sobre a experiência de seu próprio meio.

“Eu achava que o mais honesto era começar sendo transparente, sendo explícito sobre como nós em El Toque fazemos isso”, disse Nieves na entrevista ao LJR.

Entre vários temas, Valdés e Nieves explicaram o que eles consideram que pode ajudar na sustentabilidade: “diversificação, diversificação e diversificação”.

“Não há uma receita para a sustentabilidade. Não existe um modelo único, e isso é o que mais aprendi nos últimos anos. O modelo é a soma de alternativas”, disse Nieves.

Quando se depende de uma única fonte para obter recursos, o meio fica em uma posição de maior vulnerabilidade. Por exemplo, depender completamente de subsídios (grants) de grandes doadores – sejam plataformas tecnológicas ou organizações filantrópicas, publicidade ou modelos de adesão.

“Você pode ter 10 organizações que lhe dão subsídios e [pensar] que isso já é o suficiente. Mas, ainda assim, seu modelo de sustentabilidade está baseado apenas em subsídios, e aí você tem uma fraqueza”, disse Nieves.

Poster de un podcast llamado Hablando en Plata se ve el signo de dinero y un micrófono en primer plano

A guerra na Ucrânia foi uma grande lição para os meios da região, segundo Nieves. Naquele momento, países e organizações europeias direcionaram seus recursos para o país em guerra, abandonando projetos na América Latina.

De fato, a falta de diversificação ou a dependência de dinheiro de determinados doadores foram identificadas em estudos recentes como um problema para meios digitais nativos. A SembraMedia descobriu que, durante 2023, um grande volume de meios digitais nativos na América Latina fechou, entre outras razões, devido à queda no financiamento. Além disso, um estudo revelou como as organizações jornalísticas podem se tornar dependentes de programas de plataformas tecnológicas, como a Google News Initiative.

Embora Nieves tenha dito que o videocast não é um estudo acadêmico, ele conseguiu identificar entre 9 e 10 modelos de negócios usados por meios latino-americanos no exílio.

Com base neles, ele espera criar um guia interativo para meios e seus líderes.

“Encontrei, em princípio, uma disposição total para ser transparente, para falar sobre as formas como fizeram isso e, além disso, reconhecer os desafios e barreiras e reconhecer o que não funcionou bem”, disse Nieves. “A conversa tem valor porque não é um exercício de relações públicas, mas uma reflexão honesta sobre os modelos e os desafios para sustentar nossos meios de comunicação.”

Cinthina Membreño, jornalista nicaraguense coordenadora da Rede de Meios no Exílio (NEMO, na sigla em inglês), foi uma das participantes do videocast. Membreño foi jornalista da revista Confidencial, cuja sede foi invadida pelo governo do presidente Daniel Ortega em dezembro de 2018 e nunca foi devolvida aos seus proprietários. Ela trabalhou no exílio para a revista e, há dois anos, junto com colegas de outros países, promoveu a criação da NEMO.

Para ela, as conversas de "Hablando en Plata" têm grande valor para aqueles jornalistas forçados ao exílio e que buscam continuar sua profissão.

“A informação que o setor de meios no exílio está compartilhando é essencial para a sobrevivência do jornalismo independente em geral, mas especificamente para os meios que não podem operar em seus países de origem”, disse ela ao LJR.

El Toque e NEMO têm colaborado mutuamente através de workshops liderados por Nieves para meios no exílio, com o objetivo de criar meios “mais resilientes em contextos verdadeiramente hostis para o jornalismo independente”.

Sustentabilidade é um conceito global

Além deste guia, Nieves quer continuar avançando em seu podcast e, por isso, está planejando pelo menos mais 10 episódios para explorar outras áreas da sustentabilidade.

Captura de pantalla de video conversación entre un hombre y una mujer.

José Nieves e Cinthia Membreño durante um episódio do videocast. (Captura de tela)

Nieves explicou que segue o conceito adotado pela organização Lion Publishers, na qual o componente de saúde financeira (obter dinheiro) é apenas uma parte da sustentabilidade. Para a organização, trata-se de uma interseção entre saúde financeira, impacto jornalístico e resiliência operacional ou organizacional.

“Sinto que precisamos falar mais, além do dinheiro, sobre a resiliência operacional e sobre os cuidados e políticas que precisam existir nos meios no exílio para que nossas equipes sobrevivam e continuem crescendo”, disse Nieves.

Para Nieves, aspectos como o manejo de feriados, férias, licenças, seguro de saúde, planos de sucessão, entre outros, também devem ser discutidos como parte da sustentabilidade, pois, caso contrário, a equipe pode acabar esgotada.

“Essa foi uma descoberta colateral a partir das conversas, mas é importante”, disse.

Esse é um dos temas em que o trabalho da NEMO também se concentra. Membreño explicou no videocast a importância de obter mais recursos para garantir a saúde mental dos jornalistas no exílio.

“Não podemos perder de vista que a sobrevivência e sustentabilidade dos meios de comunicação também estão ligadas ao cuidado psicológico dos seres humanos que compõem uma equipe”, disse Membreño na entrevista ao LJR.

Os primeiros cinco episódios estão disponíveis em YouTube (tanto em vídeo como em áudio), Spotify, Amazon MusicAudible.

Traduzido por Carolina de Assis
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