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Jornalistas negros da América Latina estão se conectando além das fronteiras para ampliar representatividade racial na mídia

Uma em cada quatro pessoas na América Latina se identifica como afrodescendente. No Brasil, embora mais da metade da população (56%, segundo o Censo 2022) se identifique como negra, a representatividade racial na mídia ainda tem muito a avançar. Em outros países, onde elas representam proporções menores da população, são frequentemente invisibilizadas no jornalismo e nos meios de comunicação.

“Você liga a televisão na Argentina e parece que está na Dinamarca”, disse a jornalista brasileira Denise Mota, colunista da Folha de S.Paulo e editora na Agência France Presse, à LatAm Journalism Review (LJR). Ela é uma das coordenadoras e fundadoras da Rede de Jornalistas Afro-Latinos, lançada em agosto para conectar e fortalecer jornalistas negros da América Latina.

A rede regional é impulsionada da Rede de Jornalistas Pretos pela Diversidade na Comunicação, fundada em 2018 pela jornalista brasileira Marcelle Chagas para ampliar a representatividade de jornalistas negros nos meios de comunicação brasileiros.

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Marcelle Chagas, fundadora da Rede de Jornalistas Pretos pela Diversidade na Comunicação e da Rede de Jornalistas Afro-Latinos. (Foto: Jurandir Santana)

Depois de realizar dois Encontros Internacionais de Jornalistas da Diáspora Africana, em 2021 e 2022, Chagas disse que entendeu a necessidade de conectar jornalistas da região, marcada pela colonização europeia e pela escravização de pessoas africanas, para a troca de experiências.

“Certos acontecimentos nos cruzam ao redor do mundo da mesma forma”, disse Chagas, também coordenadora da Rede de Jornalistas Afro-Latinos, à LJR. “Ao trocar experiências, conseguimos identificar o que pode ser interessante para o Brasil, e experiências nossas podem ser interessantes [para jornalistas em outros países] também.”

Ampliando o debate racial na região

Mota, que vive no Uruguai há 19 anos, disse que falta um debate mais amplo sobre a falta de diversidade na comunicação em outros países latino-americanos. No Brasil, esse tema tem ganhado força e motivado iniciativas para aumentar a diversidade racial no jornalismo.

“Em todos os países existem organizações [dedicadas a esse tema], mas elas não conseguiram incidir na comunicação como se conseguiu no Brasil”, disse Mota. “Percebemos que existe não só esse vazio de conseguir articular na América Latina esse debate de forma organizada, mas também que jornalistas afro em outros países estão muito sozinhos. Eles atuam de forma isolada ou em coletivos muito pequenos, enquanto no Brasil existem coletivos com mais de 200 pessoas, como a Rede de Jornalistas Pretos.”

O Brasil, pelo tamanho de sua população negra e por já ter feito avanços nesse tema, tem uma “responsabilidade objetiva” frente a seus vizinhos e pode contribuir compartilhando o trabalho concreto que tem sido desenvolvido no país, disse Mota.

As coordenadoras da rede disseram que o objetivo também é conectar iniciativas espalhadas pela região e superar barreiras culturais e linguísticas.

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Denise Mota, uma das fundadoras da Rede. (Foto: Arquivo pessoal)

“Existem projetos maravilhosos em vários países e estão todos desconectados”, disse Mota. “Os colegas do Peru não sabem o que estão fazendo os colegas do México; os colegas da Argentina a duras penas sabem um pouco do que está acontecendo no Uruguai. E o Brasil, como país que fala português no meio desse mar de fala hispânica, muitas vezes também fica de fora do debate.”

Uma das maneiras de fomentar essa conexão entre jornalistas afro-latinos e instalar o debate regional sobre a representatividade racial na mídia é uma parceria entre a rede e a seção América Futura, do jornal El País, dedicada ao desenvolvimento sustentável na América Latina. Chagas e Mota publicaram um artigo na seção anunciando o lançamento da rede em agosto, quando iniciaram a parceria.

Por meio de um formulário no site da rede, jornalistas afro-latinos podem enviar sua proposta de artigo ou reportagem para ser publicada na seção. As coordenadoras da rede farão a seleção das propostas enviadas e os jornalistas serão remunerados por seu trabalho.

“Não vamos publicar só porque o El País é uma linda vitrine”, disse Mota. “É uma colaboração como qualquer outra, tem uma remuneração de mercado, não é nada simbólico. É uma vitrine, sim, mas a ideia é abrir espaço para expandir vozes que estão trabalhando em suas comunidades e territórios.”

Conexões transnacionais

No momento, a Rede de Jornalistas Afro-Latinos tem 13 membros de Argentina, Brasil, Colômbia, Peru, Uruguai e Bahamas. Segundo as coordenadoras, a rede está aberta para qualquer jornalista afro-latino que queira participar.

A peruana Sofía Carrillo é uma das jornalistas membro da rede desde seu lançamento. Ela é apresentadora do programa Afroraíces, no ar há quase três anos na Rádio Nacional do Peru.

“Era como uma dívida que eu tinha em meu trabalho como comunicadora: ser capaz de gerar um espaço onde pudéssemos falar sobre afrodescendência”, disse Carrillo à LJR. “E não apenas a partir da visão tradicional de ‘contribuição cultural’, mas para falar sobre o que fazemos na ciência, sobre participação política, sobre a luta antirracista.”

Os ataques racistas são um dos temas que membros da Rede de Jornalistas Afro-Latinos têm discutido, disse ela, pois jornalistas negros não são atacados apenas pelo conteúdo que produzem, mas por sua identidade racial.

“Além das diferenças de opinião que aqueles que me atacam possam ter, especialmente no Twitter, há uma agressão racista que é extremamente dolorosa”, disse ela. “Precisamos realmente nos sentir acompanhados, pois temos falado sobre a solidão que pode significar ser um jornalista afrodescendente em nossos países.”

Carrillo também é conhecida no Peru por ser ativista pelos direitos humanos. Ela disse que considera que existe “uma responsabilidade pedagógica de ensinar” sobre o que significa reivindicar sua identidade racial enquanto comunicadora.

A woman with long locs and a warm smile stands with one hand in her pocket against a neutral background. She wears a black and white striped, one-shoulder blouse, black pants, and a bold red earring shaped like the African continent.

A jornalista peruana Sofía Carrillo. (Foto: Arquivo pessoal)

“Não estamos propondo uma redução da identidade apenas a isso, porque, no fim das contas, temos de reconhecer que há diferentes identidades e condições que nos cruzam”, disse Carrillo. “É um desafio muito grande fazer essas reflexões dentro da profissão jornalística e a partir de jornalistas afro-latinos e afro-caribenhos.”

Carrillo destacou a importância de visibilizar as vozes que não estão sendo ouvidas nos meios de comunicação, tanto de jornalistas quanto de fontes de informação, e de contar histórias positivas sobre a população afrodescendente na América Latina.

Outro membro da Rede de Jornalistas Afro-Latinos, a jornalista Deandrea Hamilton fundou seu próprio meio de comunicação para contar histórias das “pessoas que realmente constroem a nação”, disse ela à LJR. Baseada em Nassau, nas Bahamas, e em Providenciales, nas Ilhas Turcas e Caicos, Hamilton é fundadora e CEO da Magnetic Media, empresa de comunicação que tem um site de notícias e produz conteúdo para canais de televisão e emissoras de rádio no Caribe.

Hamilton disse que a barreira linguística entre o Caribe anglófono e a América Latina falante de espanhol ou português dificulta a integração entre jornalistas da região. No entanto, ela defendeu que os profissionais se dediquem a superar essa barreira não apenas para se fortalecerem, mas também para informar melhor suas audiências sobre as realidades dos países vizinhos.

Um exemplo, segundo Hamilton, é o fato de que ela ficou “chocada” ao descobrir que a maioria da população brasileira é negra.

“Quando vejo o Brasil na televisão, vejo mais pessoas de pele clara”, disse ela. “Precisamos apresentar a nossos compatriotas as histórias reais de nossos países, nossas linhagens e nossa conexão, porque estamos superconectados.”

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