texas-moody

Juiz censura O Globo e Folha por publicarem conversa da primeira-dama com chantagista; entidades protestam

Atualização (15 de fevereiro): O desembargador Arnaldo Camanho de Assis, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, suspendeu a censura sobre reportagem da Folha de S. Paulo a respeito da chantagem feita por um hacker contra a primeira-dama do Brasil, Marcela Temer. A decisão veio de recurso interposto pela Folha.

Com este novo desdobramento, a reportagem original voltou ao site do jornal. Na decisão, o desembargador Assis escreveu que não cabe a um órgão estatal, como o Poder Judiciário, estabelecer de antemão "o que deva e o que não deva ser publicado na imprensa".

A liminar cancela a decisão do dia 10 de fevereiro do juiz Hilmar Castelo Branco Raposo Filho, da 21ª Vara Cívil de Brasília. O Globo, que também foi afetado, ainda vai recorrer da liminar.

No dia 14, o presidente Michel Temer afirmou em nota estar comprometido com a promoção da liberdade de imprensa e estar sempre alinhado com "movimentos das entidades representativas da imprensa brasileira na defesa desses princípios e valores".

Original (13 de fevereiro): A pedido da primeira-dama do Brasil, um juiz determinou que O Globo e Folha de S. Paulo retirassem do ar reportagens sobre a tentativa de extorsão que Marcela Temer sofreu de um hacker no ano passado. A ordem judicial foi considerada “censura inaceitável” pela Folha. Organizações de jornalistas e meios de comunicação fizeram coro à posição do jornal e protestaram contra a decisão do juiz.

As reportagens divulgavam o conteúdo de mensagens trocadas entre a primeira-dama e o hacker Silvonei de Jesus Souza, condenado a 5 anos e 10 meses de prisão em outubro de 2016. Ele tentou chantagear Marcela Temer com o conteúdo roubado do celular da mulher do presidente.

Souza exigia R$ 300 mil para não divulgar áudios e fotos encontrados no celular da primeira dama, informou o G1. “Pois bem como achei que esse vide-o (sic) joga o nome de vosso marido na lama, quando você disse q ele tem um marqueteiro q faz a parte baixo nível... pensei em ganhar algum com isso!”, lia-se em uma das mensagens, também divulgadas pela revista Carta Capital.

Em nota conjunta, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), a Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner) e a Associação Nacional de Jornais (ANJ) informaram que “o conteúdo das mensagens consta do inquérito policial anexado à ação penal de Souza, que não está mais sob segredo de Justiça”.

De fato, a Folha de S. Paulo publicou os números dos processos contra o hacker no Tribunal de Justiça de São Paulo, que permitem o acesso online ao conteúdo das mensagens a qualquer advogado ou pessoa cadastrada no site do tribunal.

Pouco tempo depois da publicação dos dois artigos sobre as mensagens, no último dia 10 de fevereiro, o juiz Hilmar Castelo Branco Raposo Filho, da 21ª Vara Cívil de Brasília concedeu liminar a favor da retirada das publicações. Segundo o despacho do magistrado, “a inviolabilidade da intimidade tem respaldo legal claro”.

Ambos os veículos retiraram as reportagens de seus sites neste dia 13 de fevereiro, após receberem a intimação. De acordo com O Globo, assessores do presidente Michel Temer entraram em contato com o jornal carioca na sexta-feira à noite para falar sobre o assunto e avisar da decisão judicial. No entanto, a reportagem já havia sido publicada no site do Globo, que aguardou a notificação oficial para retirá-la do ar. A Folha foi intimada às 9h05 do dia 13.

A primeira-dama pediu ainda multa de R$ 500 mil aos dois veículos por acesso no site e por edição vendida com as matérias censuradas. No entanto, o juiz estabeleceu uma penalidade de R$ 50 mil diária a ambos os jornais caso não cumprissem a decisão.

A Abert, a Aner e a ANJ consideraram a decisão judicial “um cerceamento à liberdade de imprensa e esperam que a sentença seja revista ou reformada imediatamente, garantindo aos veículos de comunicação o direito constitucional de levar à população informações de interesse público”.

No dia 11 de fevereiro, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) também repudiou a censura, reiterando que “é contra qualquer tipo de censura” e pedindo “a anulação da absurda decisão da 21ª Vara Cível de Brasília”. “Impedir repórteres de publicar reportagens é prejudicial não apenas ao direito à informação, como também ao papel do jornalista de fiscalizar o poder público”, comunicou a entidade em nota.

A Abraji lembrou uma decisão do Supremo Tribunal Federal de 2015, na qual a ministra Carmen Lúcia declarou "cala a boca já morreu, quem disse foi a Constituição”. “A censura foi banida pela Carta Magna de 1988 e pelo STF em sua decisão na ADPF 130, que derrubou a Lei de Imprensa. A liberdade de imprensa e a liberdade de expressão são fundamentais em qualquer democracia”, declarou a entidade.

A presidente da Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj), Maria José Braga, disse à Folha que a entidade “alerta para a postura que o Judiciário brasileiro tem assumido de cercear, por meio de decisões, o trabalho da imprensa". Segundo a Fenaj, o Judiciário impediu a publicação de reportagens no Brasil 16 vezes no ano passado.

O diretor jurídico do Grupo Folha, Orlando Molina, afirmou que a decisão é um atentado “brutal” à liberdade de imprensa. "Isso configura censura ao veículo de imprensa", disse à Folha.

O jornal recorreu nesta segunda-feira da decisão.  A advogada da Folha, Tais Gasparian, entrou com uma petição argumentando que a reportagem trata de uma questão importante e "não divulga fofoca ou busca atender à curiosidade geral acerca da vida dos poderosos. Os fatos divulgados não dizem respeito à intimidade da agravante, ao contrário do que sustenta a petição inicial, mas se referem a suspeita lançada ao Presidente da República”.

Como nas mensagens o hacker ameaça a reputação do presidente Michel Temer, a advogada argumentou que “A informação trazida à tona, e que motivou a publicação, é de que o conteúdo hackeado, segundo consta dos autos da ação penal, poderia potencialmente atingir o presidente da República  [...] Tratando-se de assunto público e relativo à Presidência da República, por qual razão não poderiam ter sido divulgadas as informações?”

Finalmente, o recurso coloca que a primeira-dama não tem direito à intimidade, uma vez que "não só porquanto ocupa posição pública de alta relevância que ocupa, como também porque, como já dito, todas as informações divulgadas foram extraídas de processos judiciais dotado de ampla publicidade".

O governo brasileiro negou que a medida judicial configure censura. Em um comunicado, o Planalto afirmou que a ação está amparada em normas como a Lei Carolina Dieckmann, que protegem o direito de privacidade de pessoas que tenham a intimidade violada em meios digitais.

Segundo O Globo, o presidente Michel Temer respondeu irritado aos jornalistas quando questionado sobre o assunto de censura. “Não houve isso, você sabe que não houve”, disse.

Vários políticos da oposição da Câmara e do Senado também criticaram a decisão, segundo a Folha. O deputado do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) Chico Alencar chamou atenção para o fato de Gustavo Rocha, subchefe de assuntos jurídicos da Casa Civil, ter protocolado a ação. "O fato de ele tomar a iniciativa é revelador de que se trata de um assunto político e não pessoal", disse à Folha.

secretário-executivo da Abraji, Guilherme Alpendre, também criticou o envolvimento de Rocha na ação em entrevista à rádio CBN.

“Quando você tem [envolvida] a primeira-dama, que além disso tem um advogado ligado a Advocacia Geral da União, temos um problema bastante grave. É o Estado federal, a União, entrando com uma ação que contraria um dos princípios da Constituição, que é a liberdade de expressão. Isso abre um antecedente bastante perigoso”, declarou.

Em nota, o governo brasileiro afirmou que o advogado Gustavo Rocha trabalhava como representante de Marcela Temer, e não em nome do Executivo. Segundo o Planalto, apesar do cargo na Casa Civil, Rocha “não está impedido de exercer” sua profissão.

Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.

Artigos Recentes