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Liberdade de expressão na internet é desafio para próxima década, dizem relatores de OEA, ONU e outras organizações

A criação de um ambiente que permita o exercício da liberdade de expressão, a criação e a manutenção de uma internet livre e inclusiva e o controle privado da comunicação digital são os principais desafios para a liberdade de expressão na próxima década, segundo apontam relatores de organizações internacionais especialistas no tema.

Uma declaração conjunta divulgada no dia 10 de julho foi elaborada pelos relatores especiais para a liberdade de expressão da Organização dos Estados Americanos (OEA), da Organização das Nações Unidas (ONU), da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) e da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (CADHP), com o apoio das organizações civis internacionais Artigo 19 e Centre for Law and Democracy (CLD).

Este é o vigésimo ano seguido que as relatorias para a liberdade de expressão das quatro organizações elaboram uma declaração conjunta sobre o tema. O objetivo das declarações anuais tem sido “interpretar garantias de direitos humanos para a liberdade de expressão, oferecendo assim orientação a governos, organizações da sociedade civil, profissionais da lei, jornalistas e meios de comunicação, acadêmicos e o setor empresarial”, afirma o documento.

“Entendemos que a liberdade de expressão enfrenta três chaves de problemas: um ambiente hostil e intolerante para quem como jornalistas, ativistas ou opositores informam ou se expressam sobre assuntos de interesse público; as pressões dos Estados para regular ou censurar a circulação de informação adversa na internet; e o crescente papel das empresas dominantes na internet, que estão tomando decisões pouco transparentes e muitas vezes automáticas sobre conteúdos que podem estar protegidos pela liberdade de expressão”, disse ao Centro Knight Edison Lanza, relator especial para a liberdade de expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão da OEA, e um dos signatários da declaração conjunta de 2019.

“Acreditamos que estes desafios refletem os temas sobre os quais os Estados, a sociedade civil e os organismos internacionais deverão trabalhar nos próximos anos”, acrescentou.

O primeiro desafio apontado na declaração, “Criação de um ambiente que permita o exercício da liberdade de expressão”, trata de medidas que Estados devem tomar nesse sentido, conforme explicou Barbora Bukovská, diretora sênior para Legislação e Políticas Públicas da Artigo 19, ao Centro Knight. “[Este item] destaca que, para evitar restringir a liberdade de expressão, Estados devem adotar uma série de medidas que permitam que a liberdade de expressão prospere. Questões como o pluralismo e a diversidade dos meios são essenciais para proteger e promover a liberdade de expressão em um panorama de mídia cada vez mais globalizado, digitalizado e convergente em todo o mundo”, disse ela.

Este item recomenda, por exemplo, que os Estados “tomem ações imediatas e significativas para proteger a segurança de jornalistas e outros que são atacados por exercer seu direito à liberdade de expressão e para acabar com a impunidade de tais ataques” e “lidem com os imensos desafios econômicos enfrentados por jornalistas e veículos de mídia independentes, inclusive apoiando meios locais e criando regulamentação para mitigar os impactos negativos causados pelo domínio de empresas de publicidade online”.

O segundo item da declaração conjunta, “Criação e manutenção de uma internet livre, aberta e inclusiva”, trata de desafios relacionados ao ambiente virtual, tanto do ponto de vista de sua infraestrutura como dos atores relevantes neste espaço, como empresas de telecomunicação.

Os relatores recomendam que os Estados e outros atores, entre outras medidas, “reconheçam o direito ao acesso e ao uso da internet como um direito humano e como condição essencial para o exercício do direito à liberdade de expressão” e “se abstenham de impor rupturas ou suspensões das redes de telecomunicações ou de internet”.

“Não é surpreendente que os relatores tenham priorizado questões digitais, pois a internet e a telefonia móvel têm sido as tecnologias de comunicação mais disruptivas de nossa era”, comentou Bukovská. “A tecnologia não apenas possibilita a liberdade de expressão com amplitude jamais imaginada antes, mas também permite restringir a expressão em uma escala sem precedentes - tanto por Estados como pelo setor privado.”

De fato, o terceiro item da declaração, “Controle privado como ameaça à liberdade de expressão”, sugere medidas para “proteger contra a dominação privada sem prestação de contas do ambiente para a liberdade de expressão”.

Entre elas estão o estabelecimento de regulamentação que “aborde as maneiras em que os modelos de negócio dependentes de anúncios publicitários de algumas empresas de tecnologia digital criam um ambiente que pode também ser usado para a disseminação viral de, inter alia, mentiras, desinformação e expressão de ódio”, assim como o desenvolvimento de “mecanismos de supervisão, transparência e prestação de contas, independentes e formados por múltiplas partes interessadas, que abordem as regras privadas de conteúdo que possam ser inconsistentes com os direitos humanos internacionais e interferir no direito dos indivíduos de desfrutar da liberdade de expressão”.

“Muito do conteúdo online global se encontra regulamentado pelos padrões de comunidade de meia dúzia de empresas da internet, cujos processos carecem de transparência e não estão submetidas aos pesos e contrapesos da governança tradicional”, comentou Bukovská.

Desafios na América Latina

Embora a declaração conjunta aborde desafios globais e ofereça orientação para políticas públicas e medidas de entes privados em todo o mundo, algumas dessas questões são especialmente pertinentes para a América Latina.

Toby Mendel, diretor executivo do Centre for Law and Democracy, apontou o primeiro item da declaração como o mais relevante para países latino-americanos. “Diversidade de mídia sempre foi um desafio específico na região, e mais ainda hoje, com as ameaças econômicas enfrentadas pelos meios. Certamente, em muitos países, a segurança também é uma questão grave”, disse ele ao Centro Knight.

Bukovská, da Artigo 19, também destacou a questão da segurança ao apontar a violência contra jornalistas e defensores de direitos humanos e a impunidade em que essa violência permanece na região.

“Consideravelmente, o México continua sendo um dos países com os maiores números de jornalistas assassinados e no Brasil os ataques contra jornalistas, combinados com uma deterioração no ambiente para a liberdade de expressão, têm aumentado”, disse ela.

Bukovská também destacou as restrições impostas por alguns governos latino-americanos ao engajamento e a protestos cívicos, inclusive com o uso de força excessiva contra manifestantes e imposição de limites para a comunicação online e digital entre cidadãos, e censura online por meio de ataques e vigilância contra “jornalistas mulheres e de minorias sociais (LGBTI e minorias étnicas), defensores de direitos humanos e outros”.

Edison Lanza, por sua vez, afirmou que os três temas abordados na declaração conjunta estão presentes nas preocupações da Relatoria Especial da CIDH sobre a liberdade de expressão na América Latina. Além da violência contra jornalistas e defensores de direitos humanos, ele observou que em alguns países “persistem leis penais que restringem a liberdade de expressão”. Lanza também apontou a brecha digital e o acesso pleno à internet como desafios na região, assim como “países em que há censura, bloqueios, retirada e triagem de conteúdo; os casos de Venezuela e Cuba são os mais notórios”, afirmou.

Além destes, Lanza destacou que as recomendações da declaração sobre empresas de internet e a circulação de informação em plataformas online, em seu terceiro item, também são pertinentes à região.

“Na América Latina, o debate público transita cada vez mais por meio de plataformas, e estas tomam decisões de eliminar contas devido a denúncias ou retirar conteúdo segundo seus termos e condições, assim como [importam] também as decisões que o Poder Judicial toma sobre questões que têm a ver com conteúdos na internet.”

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