A renúncia do presidente da Guatemala, Otto Pérez Molina, e sua posterior prisão por suposta vinculação em uma rede de corrupção, não apenas foi considerada uma vitória para a democracia, mas para a nova imprensa que toma força no país.
As investigações jornalísticas que expuseram estes casos de corrupção geraram uma onda de indignação que levou os guatemaltecos a protestar por meses, e de alguma maneira reforçar o trabalho realizado pelaComissão Internacional contra a Impunidade na Guatemala (CICIG) e o Ministério Público.
Um dos meios que expôs estes casos de corrupção no interior do governo foi o elPeriódico. De acordo com seu fundador e diretor, José Rubén Zamora, há quatro anos o jornal vem expondo os “abusos” não apenas de Pérez Molina, mas também da então vice-presidente, Roxana Baldetti. O relatório anual 2014 da Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão de 2014 mostra as diferentes ações legais iniciadas pelos funcionários contra Zamora e o jornal depois da publicação de matérias jornalísticas.
Mas este não é o único caso. A revista ContraPoder mostrou o caso de uma rede de corrupção no interior de uma prisão que, de acordo com a subdiretora do meio, daría lugar à primeira investigação da CICIG e do MP contra funcionários do governo de Pérez Molina.
O impacto de meios nativos digitais como Nómada também demostraram o poder do jornalismo online. De acordo com seu diretor, Martín Rodríguez Pellecer, um dos artigos do meio teve tantas menções no Twitter que gerou uma estrevista de análise no canal internacional CNN En Español.
O Centro Knight para o Jornalismo nas Américas consultou um pequeno grupo de jornalistas da Guatemala para conhecer sua percepção do papel desempenhado pelos meios de comunicação no processo que levou à renúncia e detenção do ex-presidente Pérez Molina. Isso foi o que disseram:
Nos últimos quatro meses, diria que toda a imprensa – com exceção do monopólio da televisão e o duopólio de rádio que por norma sempre apoiam o governo – se voltou contra a corrupção e a impunidade, especificamente contra os abusos, os excessos, a voracidade de Otto Pérez Molina e Roxanna Baldetti.
Nos quatro anos anteriores, a imprensa em geral guardou um silêncio cúmplice, com notável exceção de elPeriódicoque, sozinho e à margem, combateu até o cansaço a corrupção e a impunidade do ex-Presidente Pérez, de Roxana Baldetti, seus Ministros e altos funcionários, assim como a estreita relação, sociedade e aliança entre o governo e as máfias e grupos criminosos, fundamentalmente do contrabando e do narcotráfico.
A resposta do governo de Pérez e Baldetti foi descomunal: um severo boicote baseado em ameaças aos anunciantes privados, que reduziu os ingressos em 55%, que levou o jornal a reduzir sua operação em 106 colegas e colaboradores, permanente perseguição fiscal, mais de 150 demandas penais contra José Rubén Zamora por altos funcionários, 14 ataques ao site, que entre outros danos destruíram arquivos de textos e fotos de 18 anos do jornal, espionagem constante, campanhas de descrédito e mentiras, ataques a jornalistas do diário, ameaças e assédio constante e o “roubo” de pessoas-chave e altamente profissionais, com ofertas de trabalho “irresistíveis”.
As investigações do jornal foram a base fundamental das investigações do CICIG e do Ministério Público.
Claudia Méndez Arriaza, subdiretora da revista ContraPoder
A imprensa teve um papel determinante. O jornal elPeriódico marcou a liderança em mostrar a riqueza desproporcional dos governantes. O resto dos meios seguiu essa agenda. E eram iniciativas próprias dos jornais.
Houve um fator que veio a mudar essas coberturas e de “simples” denúncias públicas que eram antes, se tornaram investigações judiciais. Neste campo sobressaem, por exemplo, duas investigações da Comissão Internacional contra a Impunidade (CICIG) e o Ministério Público (MP) cujas bases foram as seguintes:
Unindo a tradição jornalística de revelar esses abusos, essa corrupción, com a presença do CICIG e o ânimo injetado pelo MP para perseguir estes fatos, é possível entender por que os cidadãos reagiram de maneira diferente às revelações. Nunca se havia experimentado esse grau de desaprovação.
Martín Rodríguez Pellecer, diretor e fundador de Nómada
Me parece que tiveram um papel trascendental. Os meios tradicionais cederam seu lugar, em especial, a três novos meios. Canal Antigua, dirigido por Juan Luis Font; o digital Soy502.com, um buzzfeed dirigido por Dina Fernández; e Nómada.
Guatemala é o país de mais rápido crescimento na penetração de internet. 3,5 milhões de usuários em 9 milhões de adolescentes e adultos. E há cinco anos havia só 1 milhão de usuários.
Dou dois exemplos desta influência. Um é que desde Facebook foram convocadas as marchas de #RenunciaYa e #JusticiaYa. “Saímos do Facebook”, como no Brasil. E outro é que houve uma entrevista na CNN de [Manuel] Baldizón [candidato à presidência da República]. E em Nómada escrevemos um postcontando a quantidade de mentiras ditas na entrevista. Foram tantas menções à CNN e ao jornalista Fernando del Rincón feitas pelos leitores que ele me convidou ao programa para falar do meu artigo.
Sim, há uma nova geração de jornalistas e meios que fazemos watchdogging em níveis mais altos. Vários estão no mundo digital. Soy502, Nómada e Plaza Pública.
Nunca me senti tão lido, tão apreciado e tão querido em 15 anos como jornalista. Os leitores agora repondem às investigações.
Carlos Arrazola, editor de Plaza Pública
Os meios de comunicação em geral tiveram uma participação decisiva em favor da luta contra a corrupção e as investigações que a Promotoria e a CICIG realizaram a partir de 16 de abril, e que, até agora, resultaram na renúncia e no processo judicial da vice-presidente Roxana Baldetti e do presidente Otto Pérez Molina.
De acordo com a especialidade de cada meio -investigação, profundidade, atualidade- trouxeram informações importantes para entender as origens, causas e motivos da corrupção, o que foi fundamental para o movimiento social espontâneo surgido a partir da crise política.
Nas páginas de opinião, embora haja marcados interesses políticos e econômicos dos colunistas, o debate foi enriquecedor e propositivo.
A única grande exceção foi a cadeia Albavisión, propriedade do mexicano Ángel González (rádio Sonora, de ampla cobertura e influência nacional, assim como os quatro canais de televisão aberta), que, mesmo dando cobertura informativa ao processo, também manipularam muitas informações, seja tirando importância de alguns fatos, ou aumentando a de outros, com o objetivo de favorecer o governo, funcionários processados ou partidos políticos apontados como vinculados a organizações criminosas.
María Emilia Martin, diretora Centro GraciasVida Para los Medios de Comunicación
Acredito que os meios tiveram um grande papel em focar e relatar não só os fatos jurídicos, mas também as manifestações populares como fatos históricos que foram – cancelaram sua programação regular para trasmiti-las ao vivo, e não apenas desde a Cidade da Guatemala, mas desde todo o país.
O fato de terem ocorrido tentativas de bloqueio e ataques cibernéticos a sites de meios independentes é uma mostra do papel-chave e vital que eles tiveram na abertura democrática de Guatemala nos últimos meses.
Ileana Alamilla, diretora de Cerigua
Os meios, em geral, deram uma ampla cobertura em todo esse processo, tanto na imprensa escrita, rádio e televisão, com notícias, fotos, reportagens, análises, etc.
Creio que foi muito importante, incidem muito na opinião pública como bem se sabe. Hoje foi impressionante a cobertura de todo o dia, desde o amanhecer, e para amanhã se espera algo similar.
Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.