A importância dos meios criados e coordenados por mulheres é um dos pontos em comum entre os países estudados em El Hormiguero II (O Formigueiro II), uma pesquisa sobre meios nativos digitais na América Latina realizada pela Fundação Gabo com o apoio da Google News Initiative.
Este papel mais ativo de mulheres líderes nos meios de comunicação “não tem a ver apenas com a criação de novos meios, mas especialmente com seus enfoques, suas formas de trabalho, sua sensibilidade frente a certos temas e a adesão às lutas das mulheres em seus respectivos países”, destaca o estudo, que foi lançado no dia 5 de junho em um evento online.
Para a segunda parte desta pesquisa, realizada durante 2023 e os primeiros meses de 2024, foram escolhidos meios nativos digitais de Costa Rica, Honduras, Panamá, Paraguai e Uruguai. A pesquisa antecessora El Hormiguero I foi desenvolvida em 2022 e incluiu o estudo de 12 países da América Latina.
“Os Hormigueros I e II contribuíram significativamente para a compreensão da qualidade jornalística em meios nativos digitais da América Latina. Além disso, permitiram criar uma importante base de dados que contém 1.757 meios nativos digitais em 17 países da América Latina. Esta é provavelmente uma das bases de dados mais relevantes deste tipo na região”, disse Karen de la Hoz, subdiretora da pesquisa Hormiguero II, à LatAm Journalism Review (LJR).
Além da liderança de mulheres, De la Hoz também destacou como principais descobertas desta segunda edição “o compromisso com a democracia” assim como “a perseguição a equipes jornalísticas na América Latina”, que conferem características especiais aos veículos.
“As particularidades de cada país, suas realidades políticas, econômicas, sociais e culturais, a composição de seus problemas e possibilidades, repercutem diretamente na natureza de seus meios nativos digitais. Em outras palavras: os meios se assemelham sensivelmente ao país onde estão”, destaca o relatório.
Este tema pôde ser observado no caso da Costa Rica, um país “que acolheu numerosos meios nativos digitais, por exemplo, nicaraguenses de onde foram expulsos ou perseguidos”, segundo explicou Germán Rey, diretor da pesquisa e membro do Conselho Diretor da Fundação Gabo, durante o evento de lançamento.
Os temas de justiça social são parte do compromisso que esses meios assumem, contando histórias sobre pessoas que sofrem discriminação, homofobia e violência “optando por defender suas causas”, informa o relatório.
As agendas midiáticas também aprofundam temas como meio ambiente, mudanças climáticas, uso e impacto da tecnologia, direitos humanos e direitos territoriais, entre outros.
“O jornalismo dos meios nativos digitais se aproxima de determinadas causas e soluções, já não em grande escala, mas sim em tamanhos mais próximos da vida cotidiana das pessoas e dos objetivos mais viáveis das comunidades. Já não há nenhuma pressa em salvar o mundo, mas sim em alcançar objetivos concretos e viáveis”, segundo a pesquisa.
Para esta segunda edição, os pesquisadores receberam informações da Associação de Jornalismo Digital do Brasil (Ajor, em português) que, na época, estava realizando a cartografia de meios nativos digitais do Brasil, explicou Rey.
A Ajor, com base nas necessidades informativas da Fundação Gabo, elaborou o seu próprio relatório sobre o Brasil.
Outra das particularidades e dos “aportes mais interessantes” de El Hormiguero II, segundo De la Hoz, é o estudo de meios nativos digitais latinos nos Estados Unidos.
“O relatório inclui 10 estudos de caso que demonstram como a escuta ativa é uma característica chave para meios focados em comunidades discriminadas ou sub-representadas. Esses casos oferecem exemplos concretos e inspiradores de como esses meios interagem com suas audiências”, disse De la Hoz.
Para Rey, a inclusão desses meios nos Estados Unidos ampliou a cartografia feita pela Fundação e “hoje podemos dizer que temos uma visão documentada e certificada sobre os meios nativos digitais nas Américas”.
Durante o lançamento, Rey detalhou algumas características que os meios da primeira e da segunda edição da pesquisa compartilham.
Uma delas, e a primeira a ser destacada, é a “capacidade de expansão e vitalidade” que esses meios têm. Segundo ele, a maioria foi fundada nos últimos 10 anos, mas nos últimos cinco houve “um dinamismo particular”.
Rey também destacou o tipo de relações que esses meios estabelecem com as comunidades mais próximas, “comunidades nas quais surgiram e às quais, de alguma forma, pertencem”.
“Este é um ponto central e é um ponto central do estudo que fizemos nos Estados Unidos: a relação dos meios digitais nos Estados Unidos é particularmente firme na sua ligação com as comunidades migrantes”, disse Rey durante o lançamento. “Esse encontro entre as comunidades das diásporas que vão para os Estados Unidos e as comunidades de origem é um fenômeno extremamente interessante que determina a vida, a orientação, as agendas desses meios nativos digitais latinos”.
Essas relações também são observadas nos meios na América Latina. De acordo com Rey, os meios nativos digitais estudados em El Hormiguero dão grande importância à participação das comunidades para decidir temas e coberturas.
Por isso mesmo, esses meios, segundo Rey, estão sempre buscando novas agendas temáticas, nas quais procuram dar lugar aos “inomináveis”, àquelas pessoas e temas invisíveis que não costumam aparecer em outros meios.
E, para fazer isso, esses meios compartilham o propósito de buscar maneiras diferentes de narrar, disse Rey.
Outra característica destacada por Rey tem a ver com o “compromisso com o jornalismo de qualidade”. Isso pode ser visto, disse ele, no fato de que, em várias ocasiões, os trabalhos e meios vencedores em concursos como o Prêmio Gabo são parte desses meios nativos digitais.
Outros temas mencionados por Rey foram os desafios compartilhados em termos de sustentabilidade, o uso de tecnologias para seu funcionamento e a abertura à colaboração.
“El Hormiguero está em andamento, as formigas estão espalhadas por todo o continente, um novo jornalismo também começa a aparecer nesses formigueiros e nessas formigas que este estudo detectou”, disse Rey.
Durante o lançamento, também houve a oportunidade de ouvir dois dos meios estudados para a segunda parte da pesquisa. De la Hoz conversou com Paola Jaramillo, diretora do Enlace Latino nos Estados Unidos, e Dunia Orellana, diretora do Reportar sin Miedo de Honduras, que aprofundaram um pouco mais sobre essas relações com as audiências, desafios de sustentabilidade e uso da tecnologia em suas redações.
Jaramillo, cujo meio está localizado na Carolina do Norte (Estados Unidos), explicou a importância da proximidade com as comunidades, entender quais são os temas que têm maior importância para elas e também que ajudá-las a tomar decisões. “Informação de serviço público”, garantiu.
Algo que foi corroborado por Orellana, cujo meio também é voltado para minorias como “mulheres e pessoas dissidentes sexuais”. Como jornalista que já fez parte de meios tradicionais, ela viu os preconceitos que existem nessas coberturas e, junto com Lourdes Ramírez, decidiu focar-se nessa comunidade. “Dissemos 'bem, vamos focar na população LGTBI. Já que se vamos transgredir um sistema, vamos fazer direito'”, afirmou durante o lançamento.
O desafio dos recursos econômicos é comum em todas as esferas. Jaramillo garantiu que, apesar de estar em um país onde poderia parecer mais fácil conseguir recursos, a verdade é que é difícil ter acesso a fundos sendo um meio latino. Ela disse que, enquanto um meio em inglês pode se candidatar a cinco subsídios e conseguir até US $1 milhão, eles precisam se candidatar a 15 para conseguir US$ 400 mil.
“Ainda não há um equilíbrio no acesso a recursos e fundos para meios de notícias liderados por latinos ou por latinas ou que produzem informações para um nicho, para um grupo muito particular diferente do inglês”, disse.
Nem todas as estratégias de financiamento funcionam em todos os lugares, explicou Orellana.
“Os modelos de financiamento que às vezes nos são impostos, nos dizem 'cobrem assinaturas'. Não é real para as populações que às vezes vivem com menos de um dólar por dia”, disse. “Então temos que reinventar e buscar formas. E como fizemos isso? Através de projetos. Nossos principais financiadores e financiadoras são mulheres que acreditam no nosso trabalho e mulheres dissidentes não apenas sexuais, mas que têm outras perspectivas, que cruzam outras perspectivas”.
A pesquisa El Hormiguero II teve quatro partes principais, segundo explicou Rey. Uma base de dados, um questionário para caracterizar os meios, conversas com meios e uma análise de casos.
Para esta segunda parte, foram escolhidos 17 meios latino-americanos e 10 nos Estados Unidos.
“Os escolhemos para que representassem a diversidade, a vitalidade, as diferentes orientações que esses meios nativos digitais possuem”, acrescentou Rey.
Tanto a primeira quanto a segunda parte da pesquisa estão disponíveis para download gratuito no site da Fundação Gabo.
Sobre a possibilidade de uma terceira parte da pesquisa, a Fundação Gabo disse à LJR que “estamos explorando maneiras de continuar o estudo, não apenas para incluir novos países, mas para atualizar as informações sobre os já observados e explorar outras variáveis que influenciam o comportamento do ecossistema dos nativos digitais, e que têm a ver com acesso à informação, liberdade de expressão, sustentabilidade, entre outros temas”.