Tai Nalon tinha 28 anos de idade quando fundou com dois colegas o Aos Fatos. Naquele momento, em 2015, poucas pessoas levaram a sério sua ideia de fundar e liderar uma organização de checagem de fatos.
Dez anos atrás, o jornalismo independente e de impacto liderado por mulheres não era comum no Brasil. E poucas pessoas acreditaram em sua iniciativa, disse Nalon.
“É difícil, é desafiador, as pessoas te silenciam e te descreditam”, disse ela à LatAm Journalism Review (LJR). “E vão continuar ouvindo apenas homens, se os espaços de poder continuarem sendo apenas ocupados por homens. Isso é real, mas já melhorou em vista do que era antes.”
Hoje, as mulheres são o grande motor do jornalismo digital no Brasil. De 164 meios nativos digitais ativos no país, mais de 80% têm pelo menos uma mulher em sua equipe de fundadores, e 44% foram fundados exclusivamente por mulheres, de acordo com um estudo do Projeto Oasis, realizado pela SembraMedia e pela Associação de Jornalismo Digital (Ajor).
Ainda assim, mulheres líderes de organizações jornalísticas no Brasil dizem que superaram suas inseguranças, o machismo e os modelos de liderança criados por homens para encontrar seus próprios estilos de gestão de equipes. Elas também enfatizam a importância de criar e manter espaços de trocas com outras mulheres líderes no jornalismo.
Maria Vitória Ramos, cofundadora e diretora executiva do Fiquem Sabendo, tinha 21 anos quando fundou com três colegas a agência especializada em dados públicos.
Ela disse que, a princípio, não se sentiu tão bem-vinda por outras mulheres que já ocupavam espaços de liderança. Isso mudou com o passar dos anos, e algumas mulheres “saíram do próprio caminho para me ajudar, me mentorar, me fazer acreditar em mim mesma”, disse ela durante um painel no 19o Congresso Internacional da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) sobre os desafios para mulheres líderes em meios jornalísticos.
Ramos disse que no começo sentia certo desconforto em se denominar cofundadora ou diretora de sua organização, e foi com o apoio de outras mulheres que ela conseguiu se apropriar do lugar que ocupa.
“No primeiro ano e meio da Fiquem Sabendo, eu não dizia que eu era cofundadora e diretora. Foram outras mulheres que me disseram: ‘você é diretora da sua organização e precisa se colocar dessa forma’. Eu não teria coragem de fazer isso sozinha. É muito importante nós nos emprestarmos essa confiança”, disse Ramos.
Juliana Mori, cofundadora e diretora editorial da InfoAmazonia, também teve que lidar com certa insegurança e com o questionamento alheio ao liderar equipes no começo de sua carreira.
“As mulheres são postas à prova muito mais do que os homens”, disse Mori à LJR. “Talvez por isso nós levemos as coisas muito mais a sério e nos preparemos muito mais, enquanto os homens podem ir com mais tranquilidade para suas funções, porque não lidam com essa dúvida antecipada sobre tudo que eles vão fazer.”
Mori cofundou o InfoAmazonia com o jornalista Gustavo Faleiros em 2012, e disse que foi em experiências anteriores, em outros espaços de trabalho, que sentiu sua liderança deslegitimada. Ela atribui isso não só ao machismo, mas também ao fato de que era muito jovem. Naquele contexto, disse ela, “isso me deixava nervosa e tirava meu chão”.
Hoje, mais experiente, ela disse não pensar muito nessa questão.
“Se eu ficar pensando que tem alguém que não está achando que eu estou sendo uma líder legítima ou que não acha que o que estou falando é razoável por eu ser mulher, acho que seria paralisante demais. Então acabo não olhando muito para isso”, disse Mori.
A experiência também lhe mostrou que ela não precisa se adaptar a um molde pré-estabelecido de liderança.
“O meu jeito é o mesmo, na vida e na liderança. Não sou uma pessoa que chega e impõe e diz que sabe tudo. Acho que vamos aprendendo como queremos ter essas relações, e as pessoas que ficam ao nosso lado são as que conseguem lidar com isso”, disse ela.
Mori recomendou às jovens líderes “respirar fundo, dar menos importância para o olhar alheio e acreditar na sua capacidade de estar ali”. Também aconselhou que não tentem “se impor de uma forma masculinizada”.
“As pessoas com quem você trabalha vão aprender a te respeitar do jeito que você é, com as suas características talvez muito menos autoritárias do que as masculinas com as quais elas estão acostumadas, a partir do momento em que o seu trabalho é bem feito, funciona e você cria uma relação de confiança e troca com a sua equipe”, disse Mori.
Durante o painel no congresso da Abraji, Elaine Silva, sócia diretora na Alma Preta Jornalismo, se apresentou listando os papeis que desempenha em sua carreira e em sua vida pessoal.
Além do Alma Preta, ela também atua como mentora financeira de organizações de jornalismo e faz parte do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial do governo federal.
“Para além de todas essas coisas, eu sou mãe. Meu filho me faz levantar todo dia e fazer todas as coisas que faço”, disse Silva.
Ela disse pontuar a importância da maternidade em sua vida para lembrar que pessoas em posições de liderança são humanas e não dão conta de tudo.
“Como trabalhar ignorando as questões emocionais e os trabalhos invisíveis que fazemos e dos quais não damos conta porque queremos ser profissionais de sucesso? Eu não quero ser uma profissional de sucesso. Eu quero ser a mãe do meu filho. Se eu for mãe dele, automaticamente vou influenciar outras mulheres, porque não vou deixar de ser eu”, disse Silva.
Para Bianca Pedrina, cofundadora e diretora executiva do Nós, mulheres da periferia, a grande dificuldade de mulheres em espaços de poder é encontrar sua própria maneira de ser líder, sem se sacrificar para se adaptar a formatos de liderança que não correspondem a quem elas são.
“Como nos respeitamos e cuidamos para não deixar de ser quem somos? Vemos muitas mulheres em cargos de liderança que estão com depressão, ansiosas, passando por burnout, e precisamos falar disso”, disse Pedrina durante o painel. “É importante ocupar esses espaços, mas precisamos entender que não é replicando modelos masculinos que vamos alcançar isso. Temos uma oportunidade muito rica de fazer de um jeito em que nos respeitemos e nos cuidemos mais.”
Natália Leal, diretora executiva da Lupa, disse que uma das coisas que queria que tivessem lhe contado é a importância de se fortalecer, tanto se cercando de pessoas em quem confia quanto fazendo terapia para se reconhecer e se sentir segura na liderança.
“Homens reivindicam lugares que eles não têm legitimidade para ocupar o tempo inteiro”, disse Leal durante o painel.
Ela salientou que mulheres, em geral, precisam se sentir muito seguras com o que estão fazendo para serem capazes de reivindicar os lugares que ocupam, e por isso incentivou que elas estudem e se dediquem a dominar os assuntos com os quais trabalham.
“Se você não se sente segura sobre algo e alguém discorda de você, você já vai se colocar em um lugar de insegurança muito ruim. É uma construção própria de estudar e ter o seu próprio lastro e saber das coisas. E quando você domina os assuntos, você aprende a delegar, porque aprende a identificar em outras pessoas o que você precisa para se sentir segura com o fato de que ela vai tomar decisões”, disse Leal.
Pedrina fundou o Nós, mulheres da periferia com outras cinco jornalistas em 2014.
“Aprendemos muito umas com as outras, porque somos muito complementares. Tentamos encontrar uma maneira de sempre chegar a um consenso, mas entendemos que isso nem sempre é possível e passamos cada uma a cuidar da sua área e a confiar que as outras fariam o mesmo. Lidar com a dor do crescimento é ter que tomar decisões, liderar pessoas e ter que distanciar um pouco o que é ser diretora do que é ser amiga”, disse Pedrina.
Nalon, do Aos Fatos, fez parte do conselho fundador da Ajor, entre 2021 e 2023, e disse que esse foi um espaço de muitas trocas entre mulheres líderes no jornalismo digital brasileiro. Elas discutiram a importância de fomentar novas lideranças e de como a presença das mulheres à frente das organizações era um diferencial da Ajor em relação a outras associações de entidades jornalísticas brasileiras, disse ela.
Além disso, segundo Nalon, existe um “projeto permanente” entre algumas diretoras de organizações jornalísticas de criar uma entidade representativa de mulheres gestoras no jornalismo. A ideia ainda não foi colocada em prática justamente pelo fato de que muitas dessas mulheres estão sobrecarregadas.
“Essa conversa sempre vem e não avança justamente porque somos mulheres e estamos sobrecarregadas nas nossas funções. Está na nossa mão fazer, como sempre, e falta apoio e uma estrutura um pouco mais robusta – nas nossas organizações, inclusive – para nos apoiar e nos livrar de certas funções e que nos deem a capacidade de criar novas lideranças, de dar mentorias, e tudo o mais. Acho que no jornalismo brasileiro isso ainda não existe de uma maneira estruturada, como deveria.”