Legisladores do país caribenho São Vicente e Granadinas aprovaram o Ato de Cibercrime de 2016, no dia 12 de agosto, que prevê até dois anos de prisão por difamação na internet.
O código penal do país já estabelece pena de até dois anos de detenção por difamação na imprensa escrita, em rádio e em televisão.
Segundo o CPJ, antes da aprovação da nova lei, a política de oposição Anesia Baptiste disse que a legislação já existente sobre crimes de difamação em São Vicente e Granadinas "caiu em desuso”. "A nossa preocupação é que o Ato de Cibercrime possa reacender as antigas leis", acrescentou ela.
O primeiro-ministro Ralph Gonsalves, que apresentou o projeto na Câmara em 31 de maio, disse que havia um “longo debate” sobre a legislação, de acordo com o site Jamaica Observer.
No entanto, a lei recebeu críticas de políticos da oposição e de organizações internacionais e regionais de defesa da liberdade de expressão.
“Vários dispositivos desta lei representam uma séria ameaça à liberdade de imprensa, ao livre fluxo de informações online e ao debate público", afirmaram, em uma declaração conjunta, ao menos 25 organizações de liberdade de expressão, incluindo Repórteres Sem Fronteiras (RSF), a Associação Caribenha de Trabalhadores de Mídia (ACM), o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) e o Instituto Internacional de Imprensa (IPI). O comunicado foi divulgado após a aprovação da lei.
As organizações apontaram que o país caribenho Granada aprovou uma lei similar em 2013, que foi alterada logo depois por receber críticas internacionais. As organizações também disseram que tanto Trinidad e Tobago quanto Guiana estão estudando legislações parecidas.
"As medidas tomadas hoje em São Vicente e Granadinas para reforçar as leis contra crimes de difamação e sufocar o debate e a dissidência online poderiam reverter uma tendência de legislações positivas no Caribe e servir como um exemplo negativo para os vizinhos regionais de São Vicente", disseram as organizações.
Elas pediram ao governo para rever a lei e abolir o crime de difamação.
Muitas destas organizações criticaram publicamente o Ato de Cibercrime no período anterior à sua aprovação em 12 de agosto.
Por exemplo, a RSF escreveu para Gonsalves sobre as suas preocupações em relação à lei e a cláusulas que considerou “extremamente prejudiciais para o livre fluxo de notícias e informações e para o debate público".
A diretora da RSF nos Estados Unidos, Delphine Halgand, alertou para uma parte da Seção 16, que prevê pena de prisão para "uma pessoa que usa, intencionalmente ou de forma imprudente, um sistema de computador para divulgar qualquer informação, declaração ou imagem; e expõe assuntos particulares de uma outra pessoa, sujeitando-a assim ao ridículo, desprezo, ódio ou constrangimento público."
Halgand estava preocupada com os critérios utilizados para determinar se "assuntos privados" de alguém foram expostos.
"Este dispositivo poderia muito facilmente constituir um obstáculo para a disseminação de informações de interesse público. Poderia, por exemplo, dar a qualquer figura pública comprovadamente corrupta um forte argumento para se recusar a ser responsabilizada", disse Halgand.
De acordo com o iWitness News, Gonsalves respondeu à organização que emendas foram feitas na cláusula. Ele disse que "o crime de difamação não é um entrave para jornalistas profissionais e independentes" e protegeria os cidadãos vítimas de difamação intencional, de acordo com o site de notícias.
Gonsalves disse depois que a cláusula 7 sobre "aquisição ilegal de dados" também foi alterada para defender o interesse público, de acordo com o site News 784.
"Assim, se alguém recebe informações de que um funcionário público, um político ou qualquer outro é corrupto, se essa pessoa recebe estes dados, se você os consegue, esta informação, quando você publicá-la, eles não podem te atacar, porque você vai ter o que é chamado de defesa do interesse público, que não existia antes, quando o projeto foi originalmente elaborado."
O portal de notícias informou que as proteções não são estendidas a informações sobre saúde ou segurança nacional.
A versão final da lei, incluindo a mencionada emenda da cláusula 7, ainda não está disponível no site do Parlamento.
Quando perguntada sobre os relatos de mudanças na cláusula, a diretora de comunicação para a RSF nos Estados Unidos, Margaux Ewen, disse: "Como eu não vi esta alteração, eu diria que, em geral, uma defesa de interesse público para os delatores é uma proteção bem-vinda e necessária”. “Os delatores têm revelado dados que informam o público e prestam um serviço. E são, ainda assim, processados na Justiça."
As organizações internacionais sem fins lucrativos e organizações multilaterais têm trabalhado para eliminar leis de difamação criminal na região ou se posicionado contra elas. Por exemplo, em várias ocasiões, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos afirmou que "o uso da lei penal para punir o discurso sobre assuntos de interesse público e sobre funcionários públicos é desproporcional e, portanto, viola o direito à liberdade de expressão."
Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.