Gustavo Gorriti acredita que os ataques que ele e o meio de jornalismo investigativo peruano IDL-Reporteros enfrentam atualmente são uma ameaça não só para ele, mas para o jornalismo em geral, e em maior escala para a democracia peruana.
Sua luta, ele explica, não é apenas por seu trabalho, mas para que no futuro outras gerações de jornalistas possam desempenhar esse papel.
"Uma das lições é que o jornalismo deve lutar para que a democracia sobreviva, para que ela exista. E ele não deve ter qualquer pudor em defendê-la abertamente. A história está cheia de exemplos do que significa ser negligente", disse Gorriti, fundador e diretor do IDL-Reporteros, à LatAm Journalism Review (LJR).
"E a segunda coisa é que o jornalismo investigativo nessas sociedades tem um custo. Quando você descobre as maldades dos poderosos que têm meios à sua disposição, eles vão responder, vão reagir, você vai receber desde ameaças até ataques. Portanto, uma parte integral do exercício do jornalismo investigativo deve ser planejar uma defesa eficaz da investigação e do jornalismo em si".
Atualmente, Gorriti tem uma investigação aberta pela Procuradoria Geral do Peru pelo suposto crime de suborno, conhecido como "suborno ativo". O caso também inclui dois promotores que investigaram o escândalo multinacional conhecido como Lava Jato. Segundo Gorriti explicou à LJR, a procuradoria acusa o jornalista de receber informações privilegiadas dos promotores em troca de “cobertura muito positiva".
Com base nessa suposição, a Procuradoria está pedindo o levantamento do sigilo das comunicações de Gorriti. É por essa solicitação que tanto o jornalista quanto o IDL-Reporteros e organizações internacionais e nacionais afirmaram que a investigação aberta pela Procuradoria é uma retaliação por suas investigações.
Como fizeram em outras investigações judiciais derivadas de suas reportagens, Gorriti e o IDL-Reporteros dizem que não revelarão suas fontes, apesar da investigação criminal, das campanhas de difamação e desinformação contra eles e dos ataques à sua redação.
Como reiterou à LJR, Gorriti disse que lutará até as últimas consequências e que não entregará nem suas comunicações nem suas fontes. Mesmo que isso signifique ir para a prisão, afirmou.
"Se eles querem nos forçar a fazer isso, não importa o preço, nós não vamos fazer. Digo isso sem condições, não importa o preço", disse Gorriti. "Agora, que vamos aceitar passivamente a punição que esses mafiosos decidirem impor, isso também não".
A LJR entrou em contato várias vezes com a procuradoria, mas ainda não havia recebido resposta até o momento desta publicação.
O IDL-Reporteros publicou pela primeira vez uma investigação sobre os contratos da construtora brasileira Odebrecht com o governo peruano em 2011. Na época, eles não podiam imaginar a magnitude do escândalo que isso viria a alcançar, não só naquele país, mas em toda a região.
Com a colaboração de outros meios de comunicação do país, conseguiram revelar um grande esquema que “envolveu todos os ex-presidentes desde o retorno da democracia ao Peru”, disse Romina Mella, chefe de redação do IDL, durante o último Colóquio Ibero-Americano de Jornalismo Digital organizado pelo Centro Knight.
No entanto, o IDL-Reporteros publicou muitas histórias de alto perfil em seus 14 anos de existência, que frequentemente afetaram pessoas em posições de poder.
De acordo com Zuliana Lainez, presidente da Associação Nacional de Jornalistas (ANP) do Peru, “o maior caso de corrupção do sistema judiciário nos últimos anos” do Peru foi revelado por Gorriti e IDL-Reporteros. A reportagem jornalística conhecida como “Os colarinhos brancos do porto” relatou como promotores e juízes estavam supostamente envolvidos em atos ilícitos que iam desde tráfico de influência, fraudes em exames de juízes e promotores até manipulação de sentenças. Como resultado das revelações, houve uma grande mobilização cidadã, explicou Lainez.
“E essa conta eles têm guardada para o jornalismo”, afirmou Lainez.
Segundo ela, os 20 anos em que a ANP monitora a liberdade de imprensa no Peru permitem afirmar que se trata de um “ataque sem precedentes” contra Gorriti e o IDL-Reporteros.
“Não é apenas a última disposição da Procuradoria, é toda uma campanha de assédio e estigmatização que eles têm sofrido há anos”, disse Lainez.
De acordo com seus registros, nos últimos cinco anos não houve um relatório anual da ANP que não mencionasse casos de ataques ou agressões contra o IDL-Reporteros ou Gustavo Gorriti.
Alguns desses ataques, talvez os mais conhecidos, têm a ver com os realizados por grupos de extrema direita como La Resistencia. De acordo com denúncias da equipe do IDL-Reporteros registradas por organizações como a ANP, membros de La Resistencia atacam constantemente a sede do meio, inclusive em algumas ocasiões foram à residência de Gorriti. Lá, fazem manifestações barulhentas, atacam as sedes com objetos e até arremessam excremento.
“Tudo com total impunidade”, disse Gorriti ao explicar como as autoridades fazem pouco para detê-los. De acordo com Gorriti, as autoridades explicaram que as ações deste grupo são protegidas pela liberdade de expressão.
Eles também enfrentam campanhas de desinformação nas quais Gorriti e o IDL-Reporteros são usualmente acusados de vários delitos, como ter ameaçado o procurador-geral do país, subornos, planejar as investigações que a Procuradoria realiza, entre outros.
“Isto de abrir a investigação [da Procuradoria] simplesmente termina o que foi uma das ofensivas de descrédito mais grandes, contra o jornalismo investigativo, mais grandes que eu já vi no mundo”, disse Gorriti. “Eu não vi uma campanha na qual tenham investido tantos recursos [como esta]”.
Gorriti, Mella e a equipe de IDL-Reporteros responderam aos ataques fazendo o que sabem fazer melhor: jornalismo.
Mella disse à LJR que eles têm usado os diferentes ataques contra eles – desde os físicos à sua sede até as campanhas de descrédito – para investigar o que está por trás deles. Assim, por exemplo, ela acrescentou que descobriram que, por trás do financiamento de grupos como La Resistencia recebem, estariam grupos conservadores e políticos envolvidos em diferentes investigações jornalísticas.
Da mesma forma, a investigação da IDL-Reporteros encontrou uma coordenação entre os ataques violentos de grupos de extrema direita e campanhas de desprestígio contra eles que se viralizam não só pelas redes sociais, mas também meios de comunicação.
“Em determinado momento, nos ocupamos em desmontar as campanhas de desinformação contra nós”, garantiu Mella. “E pudemos, no meio da própria cobertura sobre os ataques e a desinformação, estabelecer em certo momento as conexões e as coordenações que havia entre a difusão maciça através das campanhas de desinformação com esse tipo de ataque como assédio de rua. E como essas estão organizadas e articuladas com grupos políticos, empresários, atores que estão envolvidos em casos de corrupção sobre os quais IDL-Reporteros publicou nos últimos anos”.
As campanhas de desprestígio e toda a desinformação que nelas circula também são objeto de verificação por parte do IDL-Reporteros. E eles foram além: não apenas as desmentem, mas aproveitam para novamente divulgar suas investigações que deram origem aos ataques. Eles até usam suas verificações para explicar qual foi o processo jornalístico por trás das investigações.
Isso permitiu que seu público reconhecesse o exercício de transparência, mas também que voltasse a conhecer as investigações feitas naquele momento.
Assim o fizeram com a alegação de que Gorriti e dois promotores “cercaram” o ex-presidente Alan García para instigá-lo a cometer suicídio. García suicidou-se em sua residência quando as autoridades chegaram para detê-lo por sua suposta ligação com o caso Lava Jato. A Procuradoria o investigava por suposta lavagem de dinheiro e por receber subornos da Odebrecht. Mella explicou que, para desmentir a acusação contra Gorriti, o IDL-Reporteros explicou como foi realizada a investigação que envolveu García no caso Lava Jato.
Mella afirmou que nenhuma das investigações jornalísticas – seja as que desmentem campanhas ou buscam análise dos ataques – foram desmentidas.
Além de responder com jornalismo, explicou Mella, a equipe decidiu responder aos ataques com ações legais também.
Atualmente, eles têm várias ações de difamação pendentes. Duas ações penais foram ganhas por IDL-Reporteros contra a mesma pessoa, Juan Muñico González, um dos líderes de La Resistência.
Eles também apresentaram denúncias por assédio e organização criminosa, explicou Mella.
“Além disso, desdobramos esse tipo de ações porque consideramos em determinado momento que era vital fazê-lo como parte de nosso trabalho e como uma das linhas de defesa de nossas investigações”, disse Mella.
Uma coisa que Gorriti, Mella e a equipe de IDL-Reporteros têm claro é que continuarão lutando.
Gorriti, além desses ataques, também está lutando contra um linfoma que, no momento do diagnóstico, estava no estágio 4, ou seja, o último estágio. Depois de passar por uma quimioterapia “muito dura”, que o fez perder cabelo, grande parte de sua massa muscular e peso, Gorriti tem retornado gradualmente ao trabalho e às investigações. Especialmente, voltou para responder às acusações contra ele.
“Ganhei o tempo necessário. Teria adorado poder usar esse tempo ganho em coisas muito mais agradáveis do que estar lutando contra o perseguidor, mas uma pessoa, como eu disse em outra ocasião, não escolhe as guerras nas quais participa”, disse Gorriti.
Essa luta significou que, assim que teve forças para fazê-lo, começou a dar entrevistas e enfrentar suas acusações. Meios internacionais como The Washington Post, Associated Press, El País, Connectas, assim como meios nacionais, destacaram seu caso.
As matérias lembram histórias sobre Gorriti que muitos jornalistas latino-americanos já conhece.
Por exemplo, que esta não é sua primeira luta séria contra o poder no Peru. O jornalista, conhecido por suas investigações sobre o Sendero Luminoso e o regime de Alberto Fujimori, foi sequestrado em 1992 por homens vestidos de civil fortemente armados e só foi libertado após uma campanha internacional. Tanto Fujimori quanto o chefe de fato de inteligência, Vladimiro Montesinos, estão cumprindo penas por esse sequestro.
Também se sabe que ele enfrentou uma ordem de expulsão do Panamá em 1997, depois que ele e a unidade de investigação do jornal panamenho La Prensa publicaram artigos sobre suposta corrupção envolvendo o presidente e seu partido.
Ou como, mais recentemente, em 2018, o IDL-Reporteros resistiu às solicitações das autoridades judiciais e legislativas para revelar suas fontes após publicar sobre suposta corrupção no sistema judicial.
No entanto, esta luta é diferente. Se chegar a avançar até a última etapa, as consequências para o jornalismo seriam muito perigosas. Pelo menos é assim que tanto Gorriti quanto Lainez analisam.
"Isso seria terrível", disse Lainez. "Não digo apenas para ele [Gorriti] na dimensão individual. O sinal que estaria sendo dado com isso e o precedente que estaria sendo gerado seria um golpe letal ao jornalismo investigativo deste país".