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O que fazer ao ser demitido de um jornal? Este repórter de Brasília criou uma startup e emprega mais de 20 jornalistas

Esta história é parte de uma série sobre Jornalismo de Inovação na América Latina e Caribe (*)​


Quando foi demitido da Folha de S. Paulo em 2014, o repórter e colunista político Fernando Rodrigues não interrompeu a sua cobertura dos bastidores do poder em Brasília. Continuou escrevendo para seu blog, que mantinha há 14 anos, e participando de um programa de rádio. Pouco depois, lançou sua própria empresa, uma startup inovadora que vem crescendo, dando lucro e contratando jornalistas.

Apesar de ser um dos líderes do mercado brasileiro, a Folha de S. Paulo, como outros jornais em todo o mundo, sentiu as consequências da queda nas receitas publicitárias e na circulação. O sucesso na venda de assinaturas e publicidade digital não compensa a perda de receita na edição impressa, o que tem levado o jornal a cortes de pessoal, como o que atingiu Fernando Rodrigues, uma de suas estrelas na cobertura política.

Depois de deixar o jornal, Rodrigues lançou uma newsletter paga dirigida a clientes corporativos interessados em seguir de perto a cobertura do poder em Brasília, o Drive Premium.

"Logo que lancei meu site no UOL, em 2000, notei que faltava uma organização mais objetiva da cobertura jornalística do poder e da política na capital federal. Passei a fazer um post semanal chamado 'O Drive Político da Semana'. Havia um público muito fiel", afirmou Rodrigues, em entrevista ao Centro Knight. "Quando saí da Folha, passei a pensar em como robustecer minha atividade online, e foi um pulo para transformar o 'Drive Político da Semana' numa newsletter, o Drive".

Recentemente, Rodrigues rompeu seus laços com o maior portal de internet do Brasil, o UOL, onde mantinha seu blog, e com a emissora de rádio onde fazia participações diárias. Passou a dedicar-se inteiramente a sua empresa, que já emprega mais de 20 jornalistas.

Quem assina o Drive recebe três edições diárias de notícias de bastidores da política, análises e projeções sobre temas como votações no Congresso e julgamentos no STF. A proposta é semelhante à newsletter Playbook do site Politico, uma das principais referências no jornalismo político dos EUA.

Rodrigues não revela o número de assinantes da newsletter, mas afirma que é suficiente para cobrir todos os custos do negócio. "Temos um espaço próprio, uma equipe que não é tão modesta, todos os nossos jornalistas receberam equipamentos novos e integrados - temos uma preocupação muito grande com tecnologia e produtividade do repórter. Tudo isso bancado pelas assinaturas."

O êxito da operação permite a Rodrigues manter uma redação com mais de 20 profissionais sob sua batuta e driblar um dos principais obstáculos de novos empreendimentos noticiosos: a sustentabilidade financeira. Com uma equipe afinada e as receitas do Drive, o jornalista decidiu deixar o blog que mantinha no portal UOL para lançar, em novembro de 2016, o Poder360.

"Considero a minha participação no UOL, que ficou em constante evolução, o Poder360 de hoje. Ou seja, estou com uma atividade online contínua de cobertura jornalística em Brasília há 17 anos. Trata-se do site de política mais antigo em funcionamento no país", conta Rodrigues.

Deixar de pertencer a um portal de audiência já consolidada pode ser visto por muitos como uma manobra arriscada. A aposta de Rodrigues, contudo, é que "fornecer um serviço de informação e análise de maneira honesta, com a mais alta qualidade e integridade" - como expõe na política editorial do Poder360 - vai sempre render audiência.

"Não devemos entrar numa 'corrida armamentista por cliques'. O nosso negócio é jornalismo de qualidade. Se cumprirmos a nossa missão, a nossa produção terá apelo para milhões de brasileiros ávidos por uma cobertura independente, séria, extensiva e didática sobre poder e política", afirmou, concordando que a audiência do novo site não atinge os mesmos níveis da observada no UOL. "Mas é a velha história: se você construir um bom produto, os leitores virão".

Em menos de dois meses no ar, o Poder360 já emplacou matérias de repercussão nacional, como a entrevista do ministro da Ciência, Gilberto Kassab, que revelou planos de limitar os dados da banda larga fixa no país.

Com a operação financiada pelos clientes premium do Drive, que pagam para ter notícias e análises exclusivas com antecedência, o Poder360 busca se estabelecer, a exemplo do Político em Washington, como o principal veículo jornalístico na cobertura do poder no país.

"Sempre me impressiono com o Politico, que funciona com aproximadamente 300 pessoas. E o Axios, que começou já com quase 50 pessoas. Isso tudo nos Estados Unidos, um país onde a presença do Estado é menos importante do que no Brasil para a vida dos cidadãos", afirma Rodrigues. "Não temos até hoje nenhum veículo jornalístico de expressão nacional, fazendo a cobertura do poder, com sede em Brasília. É uma situação única entre países desse porte.”

Rodrigues atribui o êxito dos seus produtos ao diferencial de cobertura feito por sua equipe, que atua de forma intensa para reportar sobre as principais esferas da República e todas as personagens e instituições com atividades de interesse público.

"O Brasil tem 28 ministérios, 513 deputados, 81 senadores, Suprema Corte, outros tribunais superiores, uma dezena de agências reguladoras e mais de 20 mil funcionários públicos comissionados em Brasília. Não tem como fazer a cobertura jornalística disso tudo sem estar na cidade de maneira intensa", explica. "O Drive dá muitos furos e se orgulha disso. É impressionante como estamos à frente da mídia tradicional –e os nossos leitores valorizam isso".

Enquanto boa parcela da indústria de mídia anda em círculos para definir um modelo de negócio capaz de bancar sua produção de conteúdo na internet, Rodrigues não esboça insegurança na sua visão de como seguir aprimorando o Drive e sustentando o Poder360. Ele não cogita implementar um paywall ou qualquer outro tipo de cobrança por acesso, mas seguir investindo em jornalismo de ponta para atrair o patrocínio de marcas que queiram se associar a um produto de excelência.

Segundo o jornalista, não há conflito de interesse em ser financiado por clientes corporativos. "Minha equipe não tem nenhuma relação com o departamento comercial, que aliás fica em São Paulo. Os repórteres trabalham apurando e sabem o que é relevante, temos uma política editorial muito clara".

Tirar vantagem de um público mais qualificado e que preze por bom conteúdo e notícias exclusivas tem se provado um caminho viável. “Não quero dizer que eu não estou preocupado com a audiência, mas se trata de ter muito claro que no nosso modelo, que começou já se pagando com o Drive, temos tempo e condições de construir um veículo que vai ter apelo para um determinado público que não necessariamente é a massa completa de consumidores de notícia”, afirma Rodrigues.

Apesar do sucesso de seu empreendimento, o jornalista é categórico ao apontar os desafios de construir um novo negócio e ressalta que o Brasil não é um país amigável para isso. Para quem deseja seguir por esse caminho, dá apenas um conselho: montar uma equipe de pessoas energéticas e apaixonadas pelo jornalismo, que acreditem que seu papel é vital para o bom funcionamento da sociedade.

"O bom jornalismo não morre nunca. O leitor brasileiro nunca se interessou tanto por assuntos relacionados ao poder e à política. Para o Poder360 e para o Drive, está valendo a pena empreender", conclui.

Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.

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