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Paraguai avança com projeto de lei que ameaça sufocar o jornalismo independente

Em 8 de julho, a senadora paraguaia Lizarella Valiente expressou preocupação com jornalistas e organizações de mídia de seu país que receberam financiamento do bilionário e mega-doador norte-americano George Soros.

Durante uma audiência no Senado, ela projetou imagens em uma tela destacando a jornalista veterana Mabel Rehnfeldt e seu perfil no Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês), apoiado por Soros.

“Sabemos muito bem a que ideologias Soros responde”, disse Valiente, membro do conservador Partido Colorado. “Ele financia grandes ONGs em todo o mundo pró-aborto, pró-LGBT, pró-isso, pró-aquilo, pró-outro. E é isso que queremos que os cidadãos saibam”.

Valiente estava falando a favor do projeto de lei que o Senado aprovou e enviou à Câmara dos Deputados “que estabelece o controle, a transparência e a prestação de contas das organizações sem fins lucrativos” no Paraguai.

De acordo com os senadores que apresentaram o projeto, essa lei busca regulamentar as organizações sem fins lucrativos que recebem fundos públicos e privados de origem nacional ou internacional. Essas organizações sem fins lucrativos devem ser incluídas em um único registro nacional, fornecer detalhes das atividades que realizam e apresentar relatórios detalhados sobre o uso dos fundos. Há penalidades para aqueles que não cumprirem a lei.

Mujer de mediana edad mirando a la cámara usando un saco verde en un fondo blanco

Periodista paraguaya Mabel Rehnfeldt. (Foto: Cortesía)

No entanto, observadores dizem que o controle excessivo sobre as organizações – incluindo o aumento dos encargos administrativos – tem como objetivo reprimir o trabalho da sociedade civil, inclusive o da mídia e dos jornalistas.

“Fiquei indignada, me senti violentada”, disse Rehnfeldt à LatAm Journalism Review (LJR) depois de assistir à sessão do Senado. “Mme tratam como uma criminosa enquanto perdoam políticos que estão realmente envolvidos em denúncias graves. Algo está muito errado no Paraguai. E eu suspeito que vão fazer de tudo para capturar a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão.”

Preocupação com a liberdade de expressão

Várias organizações se manifestaram sobre os efeitos negativos que o projeto de lei poderia ter sobre a liberdade de expressão no Paraguai.

As relatoras da ONU para a liberdade de expressão, reunião pacífica e defensores de direitos humanos enviaram uma carta ao presidente do Paraguai, Santiago Peña, destacando que o projeto de lei tira a independência das ONGs e estabelece penalidades financeiras severas que podem tornar insustentável o trabalho sem fins lucrativos.

Hugo Valiente, coordenador jurídico da seção paraguaia da Anistia Internacional, concorda que a profissão de jornalista seria um dos alvos dessa lei.

“É um projeto de lei que apresenta um cenário de risco muito alto devido à margem muito ampla de arbitrariedade que permite”, disse Hugo Valiente à LJR.

Ele argumentou que as restrições estabelecidas no projeto de lei são consideradas inconstitucionais e que sua linguagem ambígua cria obstáculos para que uma organização receba seu status legal e até mesmo estabelece maneiras de perdê-lo, caso já o tenha.

O controle sobre o financiamento talvez seja um dos mais preocupantes porque “coloca a independência da sociedade civil em risco total”, disse Valiente. Tanto a mídia independente quanto os jornalistas que obtêm grande parte de seus recursos solicitando subsídios ou participando de projetos transnacionais apoiados por organizações internacionais veem a lei como um obstáculo.

Isso afetaria jornalistas como Rehnfeldt, que, apesar de trabalhar para um meio de comunicação tradicional como o ABC Color, às vezes trabalha em projetos transnacionais com organizações como ICIJ e Connectas, e meios de comunicação independentes como El Surti ou El Otro País – com sede em Atyrá, a 60 quilômetros da capital Assunção.

De acordo com Andrés Colmán Gutiérrez, cofundador e diretor jornalístico de El Otro País, o impacto seria sobre os jornalistas, a mídia digital independente, mas também sobre projetos de desenvolvimento social com comunidades camponesas e indígenas, ou com setores da sociedade civil em geral.

“Tudo isso corre o risco de ser interrompido, controlado e reprimido. E esse é o perigo dessa lei”, disse Colmán à LJR.

“Os jornalistas terão uma categoria de controle extra que nem mesmo os políticos que estão permitindo a infiltração de traficantes de drogas têm”, disse Rehnfeldt, que acrescentou que essa lei tiraria dos jornalistas e da mídia a possibilidade de receber treinamento e ferramentas para seu trabalho.

“Acho que está chegando a noite da liberdade de expressão em geral e da liberdade de imprensa em particular”, disse ela.

Outra especificidade do projeto de lei que levanta preocupações tem a ver com as informações que as organizações devem fornecer ao Estado, que, segundo Valiente, são “desproporcionais”. De acordo com Valiente, o Paraguai tem legislação em vigor para que organizações de todos os tipos (inclusive organizações sem fins lucrativos) forneçam informações para coibir a lavagem de dinheiro. Mas essa lei as forçaria a entregar informações que vão além das questões tributárias e são consideradas sensíveis.

Também são motivo de preocupação as multas de até US$ 370 mil para organizações sem fins lucrativos, embora o projeto de lei não defina para quais tipos de delitos, deixando isso a critério do governo.

Um movimento internacional contra os direitos humanos

De acordo com Alejandro Valdez, cofundador do meio nativo digital El Surti, esse projeto de lei está enquadrado em um contexto político paraguaio liderado pelo Partido Colorado, conservador, nas mãos do ex-presidente Horacio Cartes, cujos membros controlam o Congresso e a presidência.

O ex-presidente Horacio Cartes, presidente do Partido Colorado, foi investigado por jornalistas em seu país e designado pelo Departamento de Estado dos EUA como uma pessoa “significativamente corrupta” em julho de 2022.

Hombre de traje negro habla por micrófono rodeado de otras personas que no se ven claramente.

Expresidente de Paraguay Horacio Cartes en una visita a Ecuador. (Foto: Luis Astudillo C. - Cancillería del Ecuador, CC BY-SA 2.0, via Wikimedia Commons)

Valdez explicou que no Paraguai – um país altamente católico com uma crescente comunidade evangélica – foi implantada uma narrativa segundo a qual há conspirações globais, como a Agenda 2030 da ONU, cujo objetivo é controlar as vidas e os costumes nacionais. Isso seria alcançado por meio do financiamento de ativistas e jornalistas. Essa voz vê a defesa dos direitos como uma ameaça aos “valores tradicionais”.

Senadores paraguaios, como Gustavo Leite, um dos promotores do projeto de lei, foram palestrantes em um congresso organizado pelo presidente ultraconservador da Hungria, Víktor Orbán.

A promulgação de tais projetos de lei e a retórica cada vez mais nacionalista se aceleraram à medida que surgiram mais sanções administrativas e financeiras dos EUA contra o ex-presidente Cartes. De fato, em 8 de agosto, o Paraguai pediu aos EUA que acelerassem a saída de seu embaixador.

“Estão transformando o problema de uma empresa privada em uma questão de interesse nacional, como se estivesse afetando o Paraguai como um país”, disse Jazmín Acuña, cofundadora e codiretora editorial do El Surti.

“Acho que seria a melhor demonstração de solidariedade hoje também colocar nossos olhos nesse pequeno pedaço da América do Sul”, acrescentou Acuña. “Expressões de solidariedade com o jornalismo também seriam muito, muito boas para nós, porque hoje é um dos poucos espaços que permanecem independentes dos poderes constituídos”.

Para Valdez, as ameaças aos meios de comunicação estão sendo vistas em toda a região, como já aconteceu na Nicarágua e na Venezuela, e representam novos desafios para o ecossistema de informações em geral.

“Esse caso é um capítulo no Paraguai, mas é um capítulo de uma história maior que está ocorrendo em paralelo e, em alguns casos, como vemos na Hungria, talvez de forma coordenada”, disse ele.

LJR solicitou declarações do senador Leite, mas não obteve resposta até o fechamento desta reportagem.

O projeto de lei está em tramitação na Câmara dos Deputados. Devido às esmagadoras maiorias do Partido Colorado, é provável que o presidente o aprove este ano. Embora os tribunais provavelmente fiquem do lado do partido governista, organizações independentes dizem que estão preparando ações judiciais para contestar sua constitucionalidade.

 

Traduzido por Carolina de Assis
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