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Paywall na América Latina: reportagem especial do Centro Knight sobre assinaturas digitais nos jornais da região

Na América Latina, alguns dos principais jornais tradicionais de Argentina, Brasil, Colômbia e México – sendo este último o pioneiro na região – têm decidido adotar como modelo de negócio o paywall na busca por maior sustentabilidade financeira, frente à dominação quase total do mercado de publicidade digital por parte de plataformas como Facebook e Google.

Rodrigo Bonilla, diretor para as Américas da Associação Mundial de Jornais e Editores de Notícias (WAN-IFRA), disse ao Centro Knight que este ano muitos jornais da América Latina estão chegando à constatação que o dinheiro procedente da publicidade digital online não é suficiente.

“Os avisos de publicidade programática – que se anunciam em tempo real e mediante algoritmos – os banners e displays publicitários não têm sido suficientes para que os jornais possam atrair mais anunciantes. Por isso, está voltando com força a ideia de que o dinheiro online têm que vir dos leitores", disse.

Em geral, com a constante diminuição da renda por publicidade impressa, a renda por publicidade online ainda não é suficiente para financiar a atividade dos jornais, menos ainda para os meios latino-americanos. Sobretudo devido aos altos custos fixos que vêm com a impressão e distribuição das versões impressas.

Segundo Álvaro Triana, diretor do Innovation Media Consulting, as plataformas digitais de Facebook e Google monopolizaram mais de 70% do mercado mundial da publicidade digital.

“Na América Latina, apenas 12% do total da renda das empresas de mídia vem de fontes digitais, segundo o relatório recente 'Media Flow of Funds 2017', da consultoria Arthur D. Little, que estima um crescimento de 4% para chegar a 16% de participação em 2020, o qual segue sendo muito baixo comparado a outras regiões do mundo", disse Triana, segundo publicou o site Perú Retail em junho deste ano.

“Sempre esteve sobre a mesa a opção da paywall para as empresas jornalísticas latino-americanas. Há jornais que começaram muito cedo, como é o caso do Reforma, no México (2003). Seguiram-se a ele vários jornais brasileiros, [como Folha de S. Paulo em 2012]. (…) Os jornais argentinos que se lançaram este ano, como Clarín e La Nación, o fizeram de maneira coordenada com o comitê digital da Adepa (Associação de Entidades Jornalísticas Argentinas, na sigla em espanhol)", disse Bonilla. “Os principais jornais em outros mercados (da região) consideram o paywall mas ainda não se animam ", ressaltou.

A ideia é que tenham mais exemplos, de maneira progressiva, e que empreendam essas iniciativas em conjunto, explicou Bonilla. Da mesma forma, ele disse que é importante que no mercado digital os meios não se enxerguem como competidores entre si, porque a verdadeira competição está em Facebook e Google.

No caso do Grupo Reforma, que têm jornais em três das cidades mais importantes do México – El Norte em Monterrey, Mural em Guadalajara, e Reforma na Cidade do México – o paywall foi adotado em 2003, três anos depois da criação do site web do grupo. Desde então, 100% do conteúdo está disponível apenas para assinantes do jornal impresso.

Ainda que atualmente uma parte do conteúdo esteja disponível para os leitores em geral, o grupo de mídia segue oferecendo muito pouco conteúdo gratuito, se diferenciando de seus contemporâneos na região.

A razão principal pela qual a empresa continua a operar nesse modelo de negócio é porque "o jornalismo que fazemos é oportuno, verdadeiro, confiável, serve como fonte para tomadas de decisões dos nossos leitores, quer dizer, nossa informação tem um custo", disse Jorge Jiménez Fonseca, editor de conteúdos digitais do jornal Reforma, ao Centro Knight.

Uma das principais vantagens comerciais do paywall para o Reforma tem sido a segmentação do seu mercado. Os assinantes do Reforma, que são cerca de 100 mil, têm entre 25 e 35 anos de idade e economicamente possuem maior poder aquisitivo que o consumidor médio.

Para o Grupo Reforma, ter um paywall implica em ter um tráfego muito menor que o de sites competidores diretos, como os jornais El Universal, Milenio, Excelsior, principalmente.

“Mas a nível comercial, temos uma base de leitores que, ao serem assinantes do Reforma, estão muito mais diferenciados e pertencem a um estrato social definido. Quer dizer que para nossos anunciantes podemos planejar e gerar campanhas dirigidas a um tipo de leitor muito específico, e não a leitores em geral. (…) Isso é mais atrativo para marcas de luxo como Rolex, Mercedes Benz, etc.”, disse Jiménez.

No entanto, nos últimos anos eles vêm analisando e testando diversas estratégias para captar mais assinantes, como diferenciar o pagamento da assinatura em cotas mensais e abrir 5% de seu conteúdo diário ao público em geral. Este 5% disponível seriam notícias de esporte, informação local e internacional do dia, mas com valor agregado, como quando publicaram o ranking dos massacres mais letais nos Estados Unidos a partir do ocorrido em Las Vegas.

De acordo com Jiménez, desde 2015, o Reforma também abriu o acesso a todo o conteúdo de vídeo produzido pela empresa.

“Com isso, buscamos que comece a haver um engajamento, que se comece a ver a qualidade da informação e dos conteúdos do grupo, para que eventualmente você assine", disse Jiménez. Todo o conteúdo do Reforma nas redes sociais também tem livre acesso.

Além disso, existem estratégias conjunturais "com fins úteis para a sociedade", pelas quais decidem abrir o paywall por um período de tempo limitado, contou Jiménez. Recentemente, isso ocorreu entre os dias 19 e 30 de setembro, quando o Reforma colocou 100% de seu conteúdo com acesso livre, após o terremoto que assolou a Cidade do México no dia 19 de setembro deste ano.

América do Sul: paywall em jornais tradicionais

Quanto aos jornais do Brasil, para Ricardo Pedreira, diretor da Associação Nacional de Jornais (ANJ), o modelo de assinaturas digital é um caminho sem retorno. Isso não é apenas devido aos problemas do velho modelo de negócio de jornalismo baseado na renda de publicidade, mas também pela forte recessão econômica que o país vem enfrentando nos últimos anos, explicou Pedreira ao Centro Knight.

"Os grandes jornais brasileiros, todos eles, estão em um processo de transição para que a renda das assinaturas digitais seja a maioria de sua receita. É muito evidente que o caminho é esse", disse Pedreira.

Segundo o Instituto Verificador de Comunicação (IVC), a participação de assinaturas online dos cinco maiores jornais do Brasil, que são Folha de S. Paulo, O Globo, Super Noticia, O Estado de S.Paulo e Zero Hora, tem crescido de forma consistente.

"Até a primeira semana de agosto de 2017, as assinaturas digitais representavam 42% do total de assinantes dos meios citados. No ano passado, essa porcentagem foi de 39%, ou seja, há um aumento na participação de assinaturas on-line na cobrança de jornais ", disse o diretor da ANJ.

Como uma das estratégias econômicas dos jornais brasileiros, Pedreira mencionou a concentração da distribuição do jornal impresso em grandes regiões metropolitanas, e a busca de assinaturas digitais no interior dos estados, nas zonas afastadas.

Por exemplo, disse Pedreira, o jornal Zero Hora, que é um dos maiores do sul do país, está concentrando a distribuição de seu impresso na grande região metropolitana de Porto Alegre (no Rio Grande do Sul), dando prioridade à busca de assinaturas digitais no interior do estado. Para ele, "tem todo um trabalho de marketing nesse sentido; assim, economizam na distribuição", disse.

Na Argentina, em abril e agosto de 2017, dois dos maiores jornais argentinos, Clarín e La Nación, respectivamente, decidiram estabelecer um paywall para o acesso a seu conteúdo, deixando o acesso livre apenas a um número limitado de artigos ao leitor não-assinante.

El Clarín publicou no início de novembro que, pouco mais de seis meses depois de instalar o paywall, o jornal já tem mais de 50 mil assinantes digitais no mercado argentino. O meio também informou ter chegado a um recorde de audiência no formato móvel, superando os 196 mil usuários únicos no mês de outubro, o que representa um aumento de 20% no consumo de notícias do Clarín em relação ao mês anterior.

O jornal argentino La Nación decidiu migrar em agosto deste ano, mais que a um modelo de paywall, "a uma estratégia de assinatura digital baseada em duas iniciativas de muito êxito, no qual o La Nación é pioneiro na região", disse Ernesto Martelli, gerente de estratégia digital do La Nación, ao Centro Knight.

Sobre as iniciativas, Martelli se refere ao desenvolvimento de conteúdos digitais do La Nación (fundado em 1870), por ser o primeiro jornal argentino a contar com uma versão web, em 1995, e ao desenvolvimento do Club La Nación, que é uma comunidade virtual criada há 10 anos que agora conta com mais de 800 mil sócios que formam parte de um sistema de benefícios e experiências exclusivas.

Atualmente, os leitores do La Nación têm acesso a apenas 10 notícias mensais sem necessidade de se inscreverem. Os que se inscrevem gratuitamente como usuários do site podem acessar 30 artigos por mês. E os que assinal ao site têm acesso ilimitado ao conteúdo do jornal.

Além disso, o paywall é visto pelo La Nación como uma grande oportunidade devido à qualidade diferencial que possuem todos os conteúdos de suas plataformas e que, segundo Martelli, são reconhecidas pelos volumes de audiência que atraem e os prêmios internacionais obtidos até hoje.

“Em termos de audiência, não tivemos quedas significativas. O foco estratégico estará posto na conversão dos assinantes, com novos indicadores de gestão de conteúdos que vão reorientar parte dos esforços de produção até a criação de um valor agregado diferencial maior. O desenvolvimento de audiências digitais segue fazendo parte das iniciativas e acreditamos estar sólidos nessa área", explicou Martelli. Ele adicionou que, durante o primeiro mês de lançamento do paywall, o jornal teve uma audiência recorde, muito superior em termos relativos a meios que têm ou não o paywall.

Em setembro deste ano, La Nación e The New York Times lançaram uma assinatura digital conjunta, dando a todos os assinantes acesso ao conteúdo digital de ambos os meios por um preço de pacote especial.

“Acreditamos que a tendência dos usuários é começar a pagar pelos conteúdos que valoriza. Nesse sentido, o New York Times não apenas é uma marca prestigiosa e com valores jornalísticos afins ao La Nación, como também tem desenvolvido um interessante modelo de assinaturas de êxito", disse Martelli. “Acreditamos que simplificar uma assinatura conjunta pode ser atrativo para um segmento exigente da audiência", adicionou.

Outro país sul-americano que, de acordo com Bonilla do WAN-IFRA, entrará no modelo do paywall é a Colômbia, com o jornal​ El Tiempo. "Eles vão experimentar nos próximos meses, definindo quantas matérias terão acesso e o preço", disse Bonilla. E acrescentou que até agora nos jornais do Equador, Bolívia e Peru não há planos para recorrer ao paywall.

Para o Chile, o paywall não parece ser uma prioridade. Parece que no Chile, a mídia ainda está bastante orientada para o impresso. "As marcas de Copesa e El Mercurio são marcas muito estabelecidas, o El Mercurio tem uma estratégia muito particular que é manter seu conteúdo no papel de um lado e, no lado digital, tem (como marca) a Emol, que é mais um agregador de conteúdos que um site de notícias do El Mercurio. É um caso muito particular", disse Bonilla.

Na América Central, de acordo com Bonilla, alguns meios de comunicação guatemaltecos estão avaliando a adoção do paywall, mas ainda não há nada concreto.

Trabalho conjunto visando ao paywall

De acordo com Bonilla, no Brasil, o reflexo de ter que pagar por notícias online tem sido estabelecido muito rapidamente pela existência de portais de provedores de internet que cobravam por acesso. Por exemplo, nos anos 90 o principal provedor de internet do país, Universo Online (UOL), que faz parte do grupo empresarial do jornal Folha de S. Paulo , começou a oferecer conteúdo Folha exclusivamente para seus usuários. Além disso, a UOL "desenvolveu sua própria tecnologia de paywall e compartilhou com todos os seus concorrentes da ANJ", explicou.

De acordo com o livro Ciberjornalismo na Ibero-América, do pesquisador e jornalista espanhol Ramón Salaverría, a cobrança pelo acesso ao conteúdo jornalístico combinada com o serviço de acesso à Internetfoi utilizada como estratégia no Brasil, assim como poder ler gratuitamente um certo número de notícias por mês. De acordo com o relatório do Instituto Reuters, "os consumidores brasileiros são os mais acostumados a pagar pelo conteúdo digital. (...) Em 2012 (quando a Folha de S. Paulo instalou o seu paywall), as assinaturas digitais em sites de jornais cresceram 128% em relação ao ano anterior", afirmou o estudo.

No caso argentino, Bonilla também observou que o interessante é ver essas iniciativas juntas, como Clarín e La Nación, que trabalharam em coordenação com a Adepa para lançar seus paywalls este ano.

"É importante ver casos como o argentino ou o brasileiro, onde toda a imprensa escrita está coordenada para enfrentar esta questão de forma colaborativa, e em cooperação porque, em última análise, os concorrentes são outros, não são eles mesmos", disse Bonilla. Ele também advertiu sobre a existência de sites de agregadores digitais que produzem conteúdo, colando notas dos principais meios de comunicação, cobrando por isso, fazendo com que os últimos percam grandes quantidades de tráfego.

Brasil: alternativas de receita publicitária pós-paywall

Enquanto os jornais brasileiros optaram por tornar a receita de assinatura digital uma das principais fontes de receita, eles também estão fazendo progressos na adaptação da publicidade ao formato digital, disse Pedreira da ANJ.

No Brasil, as receitas publicitárias dos jornais aumentaram com a iniciativa conjunta Digital Premium (criada em meados de 2014), disse Pedreira. Esta iniciativa é o produto da união de 65 jornais brasileiros que publicam simultaneamente as quintas-feiras em seus sites os mesmos anúncios contratados com formato premium e conteúdo exclusivo.

De acordo com a página do Digital Premium, anteriormente, entrar em contato com os principais jornais do país para comprar publicidade demorava cerca de três dias e cada jornal apresentava diferentes formatos publicitários. Isso fazia necessária a negociação individual com cada jornal e elevava consideravelmente o preço da realização da mesma campanha para a rede.

"É uma maneira conjunta e simultânea de comercializar publicidade. É um exemplo dos avanços que estão ocorrendo em plataformas digitais também na área de publicidade ", disse Pedreira, como uma estratégia de jornais para atrair publicidade digital para seus sites de notícias. "Isso se tornou um grande evento", disse ele.

Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.

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