Quase trinta anos após o seu sequestro, o jornalista peruano Gustavo Gorriti é testemunha de uma sentença penal que qualificou de "correcta e contundente". No entanto, ele avaliou que, em um conflito longo e duro, todos acabam perdendo.
No final de novembro de 2021, o Tribunal Superior Nacional de Justiça Penal do Peru condenou o ex-director do Serviço Nacional de Inteligência (SIN), Vladimiro Montesinos, por ordenar o sequestro de Gorriti, um famoso jornalista investigativo, na madrugada de 6 de abril de 1992.
O julgamento pelo sequestro de Gorriti começou em março de 2016.
Um dos advogados de Gorriti, Carlos Rivera, disse à LatAm Journalism Review (LJR) que "demorou uma eternidade" para o Judiciário determinar se o caso deveria ser julgado em um tribunal anticorrupção ou de direitos humanos.
Finalmente, quando foi decidido que o julgamento deveria ser feito por um tribunal de direitos humanos, o Ministério Público pediu 25 anos de prisão para Montesinos e vários ex-membros de alto escalão das Forças Armadas que estariam implicados no sequestro, informou a Agência Andina naquele ano.
A sentença apenas acrescenta mais tempo às condenações anteriores contra Montesinos, também ex-assessor presidencial de Alberto Fujimori (1990-2000). Montesinos está na prisão há 20 anos e tem mais de 30 condenações por atos de corrupção e crimes contra a humanidade cometidos durante a década de 1990, incluindo a liderança do Grupo Colina, um esquadrão da morte.
"Após minha libertação, foram meses de extrema tensão - e muito perigo - com a ditadura [de Fujimori]", disse Gorriti em entrevista à LJR.
O sequestro de Gorriti ocorreu imediatamente após o autogolpe de 5 de abril de 1992, quando o então presidente Fujimori fechou o Congresso da República e ordenou que os militares e seus tanques patrulhassem as ruas. Além do Congresso, as Forças Armadas sitiaram também os prédios do Judiciário, o Tribunal Constitucional, entre outras instituições do Estado, bem como as sedes de diversos veículos de comunicação.
Como jornalista crítico do governo, Gorriti está convencido de que seu sequestro teve como objetivo seu desaparecimento. Momentos antes de seu sequestro, um grupo de homens vestidos com roupas civis e com armas militares invadiram sua casa e, após confiscarem seu computador e vários arquivos de seus trabalhos jornalísticos, o levaram para o porão do SIE (Serviço de Inteligência do Exército), deixando-o incomunicável por muitas horas.
“Fui capturado na madrugada de 6 de abril [1992]. Na madrugada do dia 7, fui transferido do SIE para a Diretoria de Polícia Antiterrorismo. Eles quiseram me soltar por volta do meio-dia, mas eu não concordei em sair até que eles devolvessem alguns dos documentos que haviam sido roubados de minha casa. Aí cheguei em casa por volta do meio da tarde”, disse Gorriti à LJR.
Quando aconteceu o autogolpe de Fujimori, Gorriti alertou o jornal espanhol El País, do qual era correspondente, que se não transmitisse sua reportagem sobre o golpe nas próximas horas, é porque tinha sido preso.
"Eu também tinha planos de contingência detalhados sobre o que fazer nessas circunstâncias", disse Gorriti. Sua esposa seguiu um dos planos de contingência que ele havia preparado, assim como sua filha mais velha em Nova York.
Esses planos de contingência também conseguiram que o El País se comunicasse com o chanceler da Espanha nas primeiras horas de seu sequestro, disse o jornalista.
“O chanceler espanhol enviou instruções ao seu embaixador no Peru, o notável Nabor García, que na manhã de 6 de abril já estava no gabinete do então Ministro da Defesa [do Peru], exigindo com grande energia minha libertação e descartando as desculpas esfarrapadas do ministro, de que não sabiam do meu paradeiro ”, disse Gorriti.
Também houve pressão para sua libertação por parte de um alto funcionário do governo dos Estados Unidos – com quem Gorriti havia marcado uma entrevista em 6 de abril– por meio da embaixada dos Estados Unidos.
“Junto com isso, a mobilização internacional e as vozes de protesto foram muitas vezes mais intensas do que Montesinos e os demais golpistas imaginavam. Isso levou o regime de Fujimori a, primeiro, reconhecer que havia me capturado, depois me transferir para uma delegacia (a Diretoria contra o Terrorismo) e, em seguida, fazer um esforço para me libertar o mais rápido possível ”, disse Gorriti.
No entanto, ao refletir sobre seu sequestro, Gorriti disse que, apesar da cadeia de eventos que aconteceram com ele, as consequências podem ter sido desastrosas. "Tive muita sorte", disse ele.
Em uma coletiva que Fujimori deu para a imprensa internacional logo após o autogolpe, Gorriti repreendeu o então presidente pelo seu sequestro, ao mesmo tempo em que lhe pediu que devolvesse seu computador. Durante a coletiva, Fujimori disse estar ciente da retenção de seus arquivos e computador.
No dia seguinte, disse Gorriti, devolveram seu computador em uma delegacia de polícia.
“Eles não apagaram os arquivos, mas conseguiram quebrar a senha de login. Felizmente, as informações mais importantes não estavam lá”, explicou.
Durante os anos 1980 e início dos anos 1990, o jornalista cobriu o conflito interno desencadeado pelas forças da organização terrorista Sendero Luminoso, de orientação maoísta, a resposta do Estado e dos paramilitares.
Anos mais tarde, Fujimori se tornou o primeiro ex-presidente a ser extraditado e julgado em seu próprio país por violações de direitos humanos, segundo a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH).
Em 2001, Fujimori renunciou por fax à Presidência do Peru, enviado do Japão, onde passou vários anos até a sua viagem ao Chile em 2005, quando tentou retornar ao Peru. Nessa época, já havia um mandado de prisão internacional contra ele pelos diversos e graves crimes que teria cometido durante a década de seu mandato.
O Chile acabou extraditando o ex-presidente em 2007, e um dos argumentos de extradição da justiça chilena foi o sequestro do empresário pesqueiro peruano Samuel Dyer e o de Gorriti, segundo um relatório da Corte IDH.
Depois de seu sequestro, disse Gorriti, ele se tornou um jornalista "inempregável". “Nem como correspondente” conseguiu trabalhar, disse. “Me ofereceram então de viajar para Washington D.C. como associado sênior da Carnegie Endowment. Fui com minha família, pensando que seria por poucos meses. Voltamos juntos ao Peru só nove anos depois, embora eu tenha entrado e saído várias vezes nesse meio tempo”.
Sobre os perigos que enfrenta a imprensa crítica e investigativa no Peru hoje, Gorriti disse que, embora tenhamos melhores meios e ferramentas de comunicação do que no passado, "as ameaças são muito mais complexas e maiores".
As tecnologias que existem hoje, como a internet e as redes sociais, que supostamente permitem a conquista do conhecimento e da liberdade, disse Gorriti, tornaram-se em grande parte ferramentas de engano e opressão.
“Como no passado, o inimigo também está entre nós, só que mais tóxico do que antes”, concluiu.