Com o intuito de garantir um processo mais transparente, o portal peruano de jornalismo de dados Convoca decidiu realizar um projeto para informar em tempo real, a partir de seu próprio site, os resultados do segundo turno das eleições para presidente realizado em 5 de junho. A organização também criou uma campanha nas redes sociais onde as pessoas poderiam denunciar as irregularidades deste processo.
“Sabíamos que os resultados [do segundo turno eleitoral] seriam apertados; havia muito alarme nas redes sociais (...) por temor de fraude, vinculado ao fujimorismo”, explicou Milagros Salazar Herrera, jornalista peruana e diretora do Convoca, ao Centro Knight para o Jornalismo nas Américas.
É que o possível retorno de Fujimori ao poder, representado por Keiko Fujimori, causou preocupação entre alguns peruanos. Keiko é filha do ex-presidente Alberto Fujimori (1990-2000), que foi condenado por atos de corrupção e por crimes contra os direitos humanos, entre outras acusações. Ele também foi acusado de vencer as eleições de 2000 de forma fraudulenta, quando foi eleito presidente pela terceira vez.
Com estes precedentes, causou alarme a recente conjuntura eleitoral, que estava cheia de controvérsia após algumas denúncias de irregularidades. Por exemplo, um candidato com grande representatividade cidadã, como Julio Guzmán, foi expulso pelo Júri Nacional de Eleições (JNE), um mês antes da votação. No entanto, o partido Força Popular de Keiko continuou na corrida para a presidência, apesar de também ter várias queixas junto ao JNE envolvendo irregularidades durante sua campanha.
Por este motivo, para desenvolver este projeto, inspirado no site de notícias Praça Pública, que cobriu em tempo real as eleições da Guatemala em 2015, Convoca entrou em contato com o órgão estadual responsável pela contagem dos votos no Peru, o Escritório Nacional de Processos Eleitorais (ONPE).
O referido órgão concedeu-lhes acesso direto à sua unidade de informática, permitindo ao Convoca mostrar em seu próprio site todos os dados de votação em tempo real “com mais rapidez e de forma mais clara que a instituição”, Salazar enfatizou. A informação foi estruturada em um mapa do Peru, dividido em regiões, com a etiqueta #ConteoDecisivo.
Desta forma, disse Salazar Herrera, Convoca.pe tornou-se o primeiro meio digital peruano a transmitir informação eleitoral oficial em tempo real.
A tecnologia utilizada para esta plataforma, Salazar enfatizou, denomina-se Back-end PHP e Front-end Canvas.
Não só publicaram informações sobre a votação. De acordo com a diretora do Convoca, eles quiseram agregar valor à informação eleitoral, aprofundando com entrevistas com especialistas no assunto, abordando vários dados e indicadores pendentes de solução em cada região do país – como questões de saúde, qualidade do emprego, situação ambiental, entre outros – para o presidente que fosse eleito. Para isso utilizaram a etiqueta #Hablanlosexpertos.
Para o projeto, Convoca também criou a etiqueta #AlertaElectoral, o que permitiu que mais de 520 pessoas denunciassem, através de mais de 920 tweets, supostas irregularidades durante o dia da decisiva votação.
Através desta última tag, que se tornou tendência nas redes sociais uma hora depois de publicada, os cidadãos (principalmente no Peru) conseguiram denunciar, através do Twitter, supostas irregularidades cometidas por indivíduos identificados como supostos colaboradores e simpatizantes da Força Popular, o partido de Keiko Fujimori, durante o dia da votação do segundo turno. Algumas dessas queixas, provenientes de diferentes cidades do país, referiam-se a atrasos na instalação das mesas de votação, constatação de proselitismo político nos mesmos centros de votação, bem como resultados incorretos no sistema de votação eletrônica.
Elvis Rivera, um desenvolvedor que trabalhou neste projeto com Convoca, sistematizou todos os alertas dos cidadãos recebidos por meio das redes sociais em um banco de dados, destacando os mais recorrentes. Ele também verificou se as contas de onde provinham as informações pertenciam a usuários reais.
Algumas dessas denúncias dos cidadãos foram resolvidas com a ajuda da ONPE e de outros meios de comunicação nas regiões do interior do país com o Convoca. Por exemplo, em Arequipa, uma província no sul do Peru, uma mulher afirmou ter encontrado, em seu centro de votação, cédulas eleitorais marcadas com a opção da Força Popular. O jornal digital El Búho comunicou o caso ao Júri Eleitoral Especial de Arequipa, que se comprometeu a investigar os fatos.
Outro meio que também trabalhou em tempo real, mas desta vez durante os debates presidenciais, foi o portal de jornalismo de dados Ojo Público, que se apoiou no imediatismo para confirmar ou desmentir ao vivo as informações proporcionadas pelos candidatos nos debates, durante a emissão dos mesmos, utilizando principalmente as tags # OjoBiónico e #FactChecking. O portal classificou as respostas dos candidatos nas eleições presidenciais nas categorias: enganoso, discutível, falso, verdadeiro, insustentável.
Em 9 de junho, foi anunciado que Pedro Pablo Kuczynski, ex-ministro da Economia e Finanças e ex-presidente do Conselho de Ministros do ex-presidente peruano Alejandro Toledo (2001-2006), foi eleito presidente do Peru, vencendo por alguns décimos percentuais (0,124 por cento) em relação à adversária.
Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.