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Projeto brasileiro MemeNews une jornalismo e humor em prol de transformação social

Há cerca de um mês, o projeto MemeNews envia uma vez ao dia, de segunda a sexta-feira, uma newsletter com pílulas de notícias sobre os poderes Legislativo, Judiciário e Executivo brasileiros. Mas mais do que ser um boletim informativo, MemeNews quer engajar seus leitores nas pautas que noticia usando uma das melhores invenções da internet: memes.

Um meme com crianças indígenas apontando para o leitor e a frase “É contra imigração? Então devolve tudo pra gente!” ilustra a notícia sobre um debate no Congresso sobre imigração venezuelana no Estado brasileiro de Roraima, com intenso fluxo de entrada de venezuelanos devido à crise no país. Uma nota sobre a atualização da lista de empresas que mantêm funcionários em situação análoga à escravidão, elaborada pelo Ministério do Trabalho vem acompanhada por um GIF de Kanye West balançando a cabeça, decepcionado.

Além das notas e dos memes, as newsletters trazem links para abordagens mais aprofundadas de cada tema, e também links que incentivam o engajamento, como o endereço de email de um ministro ou parlamentar ou links para um abaixo-assinado, uma consulta pública ou um canal de denúncia. . A nota sobre imigração venezuelana, por exemplo, trazia os emails de um deputado e da ministra Rosa Weber, do STF. A nota sobre trabalho escravo trazia um link para leitores fazerem denúncias junto ao Ministério do Trabalho.

A ideia é engajar leitoras e leitores em pautas relacionadas a direitos humanos e ambientais, disse Roberto Kaz, um dos editores, ao Centro Knight. Por isso, eles decidiram fazer uma newsletter que se adiante ao noticiário e traga a agenda dos três Poderes, em vez de repercutir o que já aconteceu. “Em vez de dar um link para uma matéria sobre uma votação no Supremo Tribunal Federal, vamos dar um link para a agenda do STF antes da votação. A ideia é informar que isso vai acontecer e criar um canal de engajamento”, disse o jornalista.

“A ideia é que seja uma mistura de noticiário, Congresso em Foco [site brasileiro de cobertura política], Meio [newsletter brasileira de notícias], Avaaz e humor. É uma grande feijoada de referências”, afirmou.

O projeto, apoiado pela Open Society Foundations, é realizado por uma equipe de cinco pessoas entre Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília. Tudo começou em junho de 2017, no festival Rise Up: Comedy for Change, paralelo ao festival anual de comédia do site norte-americano The Onion, em Chicago. Kaz e Afonso Cappellaro, que já tinham experiência com a sátira jornalística como redatores do site Piauí Herald, participaram do festival e se uniram a Juana Kweitel, da organização de direitos humanos Conectas, para criar o projeto em uma rodada de propostas à OSF, paralela ao festival, sobre humor e transformação social.

Segundo Kaz, toda manhã, de segunda a sexta, a ​repórter Adriana Veloso​ seleciona possíveis pautas para a newsletter e as envia ao resto da equipe. Ele e Juana Kweitel escolhem as três que entrarão na MemeNews do dia. A repórter escreve os textos, que são editados por Kaz, e a equipe - que também inclui Leonardo Medeiros, da Conectas - propõe caminhos de engajamento sobre cada tema abordado. “O meme é o último tijolinho do processo”, disse Cappellaro, responsável pelos memes da newsletter, ao Centro Knight.

“Sempre curti humor, e com a internet isso foi catapultado a um nível maior, porque a internet é maravilhosa, não dorme, e a zoeira nunca acaba”, disse Cappellaro, que além de redator do Piauí Herald é roteirista do programa Greg News, da HBO Brasil. “Sempre consumi muito meme, a repercussão sobre as coisas nessa área é muito rápida e traz o melhor da criatividade coletiva.”

Com as notícias do dia em mãos, Cappellaro busca memes em bases já conhecidas ou, eventualmente, cria os memes ele mesmo. A preferência, porém, é por utilizar peças que sejam criação coletiva da internet. “A grande sacada dos memes está justamente em fazer conexões. São quase analogias em formato de imagem estática ou GIF. Então vou atrás disso tentando casar com as pautas”, afirmou.

“O que a gente faz é chamar atenção para assuntos sérios por meio de um caminho mais acessível, através do riso”, disse Kaz, para quem o humor “pode fazer as pessoas lerem notícias que elas não leriam no dia a dia”. “Nossa esperança é que com um meme essa notícia fique mais interessante.”

O humor também “ajuda a arejar o pensamento das pessoas”, disse Cappellaro. “Assim como o riso abre teu pulmão, te tira de uma posição travada, fechada, e te conecta com as pessoas, o humor tem essa função também dentro das ideias. A partir do momento em que a pessoa ri de algo, ela abriu um cantinho ali e está olhando para aquilo de maneira diferente.”

E isso vale também para os temas centrais à MemeNews, disse o editor de memes da newsletter. “É necessário tirar a discussão política desse lugar sisudo e raivoso, desrespeitoso, que não constrói. Existe espaço para se falar sério, e a ideia é justamente fazer humor sem deixar de falar sério.”

A intenção é que esse riso se reverta em ação –que as leitoras e leitores decidam agir pelos canais de engajamento sugeridos pela MemeNews. Enquanto o clima nas redes sociais é de muita reclamação e pouca ação, disse Cappellaro, a newsletter mostra “que você pode fazer a engrenagem girar de uma maneira diferente” ao “apontar que tem gente trabalhando e fazendo coisas pra mudar a situação”.

“Quebrando o gelo com humor, com irreverência, com pensamento olhando para um lado diferente, a pessoa fala, ‘legal, vou apoiar’, ou ‘que sacanagem, vou escrever para esse senador’. O humor facilita o acesso à emoção”, acredita o editor.

A newsletter fechou a segunda semana de abril com 1.200 assinantes, disse Kaz. MemeNews tem também uma página no Facebook, onde compartilha algumas das notas e memes enviados por email.

Com financiamento de US$ 30 mil da OSF, o projeto está previsto para durar seis meses, disse Kaz. Ele espera que, após as eleições nacionais no Brasil, em outubro, eles consigam financiamento para ampliar e manter o projeto por mais tempo.

Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.

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