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Queda no financiamento e instabilidade política impulsionam fechamento de meios digitais na América Latina, aponta estudo

Um número sem precedentes de meios de notícias digitais latino-americanos encerrou suas operações no último ano. Esse cenário seria uma consequência da queda no financiamento, da instabilidade política e da despriorização do conteúdo de notícias nas redes sociais, de acordo com um novo estudo.

Mais meios nativos digitais na América Latina deixaram de publicar no último ano do que em qualquer outro ano desde 2015, de acordo com o monitoramento realizado pela organização SembraMedia, que promove o desenvolvimento e a capacitação de meios digitais.

Essas são algumas das conclusões do relatório lançado ontem [30 de julho] pelo Projeto Oasis Global, sobre sustentabilidade, inovação e impacto de meios nativos digitais em América Latina, Europa, Estados Unidos e Canadá.

O primeiro estudo da SembraMedia sobre meios nativos digitais latino-americanos, “Ponto de Inflexão”, foi lançado em 2017 e era “maravilhosamente otimista”, disse Janine Warner, cofundadora da organização, à LatAm Journalism Review (LJR).

“Desta vez, devo dizer que foi um pouco difícil ver alguns dos desafios que apareceram, especialmente nos últimos dois anos”, disse Warner. “Vimos isso mais na América Latina do que nos EUA ou na Europa.”

Ainda assim, Warner disse que há muito com o que se entusiasmar. Meios nativos digitais seguem fazendo jornalismo de impacto e cobrindo temas negligenciados pela imprensa tradicional, destacou ela.

As organizações que continuam operando seguem tendo impacto e desempenhando um papel em suas comunidades, disse Ana Paula Valacco, diretora do Projeto Oasis, à LJR.

“Em meio a todos esses desafios, elas ainda estão fazendo um jornalismo valioso e inspirando outras pessoas”, disse ela.

 

Menos meios sendo fundados, mais meios fechando

O Projeto Oasis realizou entrevistas com líderes de organizações jornalísticas para elaborar perfis de mais de três mil meios nativos digitais ativos em 68 países. Na América Latina, o estudo identificou 1.032 meios em atividade em 21 países.

Brasil foi incluído pela primeira vez no monitoramento da SembraMedia, com um estudo realizado em parceria com a Associação de Jornalismo Digital (Ajor) que mapeou 164 meios ativos no país. A análise de tendências na região não inclui meios brasileiros.

Desde 2015, quando começou a se dedicar ao mapeamento de meios nativos digitais, a SembraMedia vinha observando um crescimento constante de novos meios na América Latina. Essa tendência se reverteu após a pandemia de Covid-19: houve queda de quase 60% no número de novos meios fundados na região entre 2021 e 2022, segundo a organização.

“Há menos pessoas dando esse passo para lançá-los agora e não acho que seja porque tenhamos atingido o ponto de saturação”, disse Warner. “Ainda não preenchemos todos os desertos de notícias. Não estamos cobrindo todas as comunidades que foram negligenciadas. Claramente, há mais trabalho a ser feito. Mas parece haver uma desaceleração no número de pessoas interessadas em fazer isso por causa dos riscos, da falta de financiamento e porque é muito difícil.”

Muitos dos líderes de meios ouvidos pela equipe da SembraMedia relataram que o financiamento de subsídios (grants) diminuiu, pois muitas organizações doadoras mudaram seu foco, se reorganizaram ou reduziram o apoio oferecido a meios na América Latina.

Subsídios são a principal fonte de receita para 50% dos meios latino-americanos mapeados no estudo. Em seguida estão publicidade (23%), apoio da audiência (19%), serviços de consultoria (3%) e serviços de conteúdo (3%), e 2% relataram outras fontes não especificadas.

Durante a pandemia, houve uma profusão de subsídios emergenciais que ajudaram muitos meios a sobreviver. No entanto, quando essa fonte secou, muitos meios “ficaram com uma ressaca financeira que os tornou ainda mais vulneráveis a novas ameaças, como os custos de segurança causados pelo crescente perigo do crime organizado e de governos autoritários”, afirma o relatório.

Nos últimos anos, vários meios latino-americanos também observaram uma queda no tráfego, o que prejudica aqueles que têm na publicidade uma fonte significativa de receita. Essa queda foi notada quando FacebookInstagram deixaram de priorizar notícias no feed e após mudanças no algoritmo do Google.

Outra ameaça a meios nativos digitais na região é a perseguição estatal em países como Nicarágua, Venezuela e Cuba, e a violência do crime organizado em México, Colômbia e Equador, cita o relatório.

O “alarmante aumento” de jornalistas no exílio também é um ponto de atenção do estudo. Na Nicarágua, 20 dos 21 meios nativos digitais identificados pela SembraMedia disseram que pelo menos uma pessoa de sua equipe se encontra no exílio. O 21o encerrou suas operações recentemente.

Para Warner, a comunidade internacional deveria estar alocando mais fundos no jornalismo digital latino-americano e acompanhando com mais rapidez as mudanças na região, especiamente a deterioração das condições para jornalistas, como ocorreu no Equador nos últimos anos.

“Há uma percepção de que a América Latina não está tão mal. Não há uma guerra ativa como na Ucrânia ou em Gaza”, disse ela. “Os problemas na América Latina são mais sutis. São mais conflitos internos, autoridades corruptas, traficantes de drogas e esse tipo de coisa. Portanto, se conseguirmos obter mais atenção dos doadores internacionais, especialmente em países da América Latina onde as coisas estão precárias, mas que podem melhorar ou piorar dependendo de como apoiamos os jornalistas, poderemos fazer uma diferença maior nesses lugares.”

Esclarecimento: Este artigo foi atualizado para esclarecer o número de meios de comunicação nativos digitais que fecharam na região.

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