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Trabalhadores da Télam se mobilizam enquanto governo argentino elabora plano para fechar agência estatal de notícias

Funcionários da agência estatal de notícias Télam e membros de sindicatos de trabalhadores da imprensa da Argentina estão acampados em frente à sede do meio público, em Buenos Aires, desde o dia 4 de março.

Eles não estão sozinhos.

No dia anterior, policiais entraram nos dois endereços da Télam em Buenos Aires enquanto jornalistas e outros funcionários trabalhavam. Os policiais instalaram barreiras e se posicionaram na frente dos edifícios para impedir a entrada dos trabalhadores da agência. Um email foi enviado para todos os funcionários da Télam informando-os de que estavam dispensados de trabalhar por sete dias, com gozo de salário. O site da agência, com todo seu arquivo de publicações, saiu do ar.

police officers in front of télam's office in buenos aires

Policiais diante da sede da Télam, em Buenos Aires, em 4 de março de 2024. (Foto: somostelam.com.ar)

“Estamos permanentemente em guarda para evitar ataques aos arquivos, aos materiais de trabalho, e também para conversar com todas as pessoas que estão por perto e demonstram solidariedade”, disse à LatAm Journalism Review (LJR) Tomás Eliaschev, delegado sindical da Télam, diretamente de um dos acampamentos.

“Estamos muito angustiados, porque 770 empregos estão em risco, assim como a liberdade de expressão e o federalismo, porque a Télam é o único meio nacional capaz de conectar todo o território”, afirmou. “Há muita angústia, mas também estamos com muita força, com muito apoio, com muita participação de companheiras e companheiros.”

No dia 10 de março, funcionários da Télam receberam outros dois emails assinados pelo interventor Diego Chaher, nomeado no começo de fevereiro pelo presidente argentino, Javier Milei, para “reorganizar” os meios públicos. Uma das mensagens dava conta de que o prazo de dispensa dos funcionários foi ampliado para mais sete dias, enquanto a outra informava sobre a implementação de um programa de demissão voluntária para os trabalhadores da Télam.

Apesar das medidas que suspenderam o funcionamento da agência, o governo ainda está elaborando um plano para fechar de fato a estatal, afirmou o porta-voz da Presidência, Manuel Adorni.

Enquanto isso, trabalhadores da Télam se organizam em uma campanha de defesa da agência, inclusive publicando um site alternativo para visibilizar a importância de seu trabalho.

Planos de privatização

A chegada da polícia à agência se deu dois dias depois que Milei, na abertura do ano legislativo no Congresso argentino, falou do cancelamento da publicidade estatal em meios de comunicação e do fechamento de agências estatais como medidas para “reduzir o tamanho do Estado ao mínimo indispensável e eliminar os privilégios dos políticos e de seus amigos”.

“Na mesma linha, vamos fechar a Agência Télam, que tem sido usada nas últimas décadas como uma agência de propaganda do kirchnerismo”, disse Milei.

Argentine president, Javier Milei, during his speech in Congress

O presidente argentino, Javier Milei, discursa no Congresso durante abertura do ano legislativo, em 1o de março de 2024. (Foto: Casa Rosada)

A agência Télam, fundada em 1945, é uma das empresas estatais – assim como outros meios públicos como a TV Pública e a Rádio Nacional – que Milei prometeu privatizar.

Como sociedade de Estado, a Télam só pode ser liquidada pelo Poder Executivo com autorização do Congresso, como estabelece a lei 20.705. Segundo o jornal La Nación, a intenção do governo é revogar essa lei, conforme consta no Decreto de Necessidade e Urgência (DNU) 70/23, que está em vigor mas segue em debate no Congresso argentino.

Uma das justificativas de Milei para fechar a Télam é a diminuição dos gastos públicos. O porta-voz presidencial afirmou que a estimativa do governo é de que a agência teria perdas de 20 bilhões de pesos argentinos (US$ 23,9 milhões) em 2024. Já uma reportagem do Chequeado afirma que em 2021, ano mais recente com dados disponíveis, a Télam teve um déficit operativo de 1,8 bilhão de pesos (US$ 2,1 milhões). Em 2023, o orçamento da Télam foi de 18 bilhões de pesos (US$ 21,5 milhões), apontou o Chequeado.

Não é a primeira vez que um governo argentino tenta fechar a agência estatal, que em 2024 completa 79 anos. A tentativa mais recente se deu durante a presidência de Mauricio Macri (2015-2019). Em 2018, o governo Macri demitiu 357 trabalhadores da Télam, o equivalente a 40% dos funcionários da agência naquele momento. A mobilização dos trabalhadores, que entraram em greve em protesto às demissões, e os processos judiciais que os funcionários dispensados moveram contra o Estado resultaram na reintegração dos demitidos.

“Somos Télam”

No dia 4 de março, horas depois da suspensão das atividades da Télam e da chegada da polícia à agência, funcionários da estatal e sindicatos de trabalhadores da imprensa argentina promoveram um “abraço simbólico” em defesa da Télam. Também instalaram acampamentos permanentes em frente aos dois escritórios da agência em Buenos Aires, que seguem cercados por barreiras e por policiais.

Reunidos na campanha “Somos Télam”, os trabalhadores da agência também criaram um site com o mesmo nome para seguir fazendo seu trabalho e defender a existência da estatal. Um dos artigos publicados no site traz dados da própria Télam que dão conta de que, em outubro de 2023, a agência tinha 803 clientes que pagavam para usar seu conteúdo em texto, fotos, infográficos, áudio e vídeo.

Naquele mês, segundo esses dados, a Télam produziu 12.844 matérias; 6.030 fotos; 761 boletins informativos; 72 infográficos; 152 áudios e 402 vídeos. Seus clientes baixaram 395 mil matérias de seu serviço de notícias a cabo e utilizaram 24.996 fotos. O site da agência, que oferece seu conteúdo jornalístico gratuitamente ao público, foi visitado por 8,7 milhões de pessoas.

A Télam é um dos poucos meios de comunicação argentinos com presença nas 23 províncias do país, não apenas em Buenos Aires, onde fica sua redação central. Por isso, consegue cobrir áreas que não são cobertas pelos grandes meios nacionais e que não têm meios jornalísticos locais. E tanto meios locais quanto nacionais contam com o conteúdo produzido pela Télam e o reproduzem ou partem dele para produzir suas próprias reportagens, como relatado em uma matéria do site Somos Télam.

Télam workers protest in front of the state news agency

Trabalhadores da Télam protestam diante da agência estatal. (Foto: somostelam.com.ar)

Eliaschev disse que os trabalhadores vão continuar realizando atos públicos em defesa da agência, e também estão trabalhando em um projeto de lei cujos detalhes ainda serão anunciados. A peça legislativa em desenvolvimento, segundo ele, “tem a ver com o controle parlamentar [da agência] e com a garantia de que a Télam não esteja sujeita aos desígnios do governo da vez”.

“Vamos atuar fortemente no Congresso para tirar proveito dessa situação infeliz para que a Télam melhore. Estamos encarando essa situação muito ruim como ‘bem, pelo menos isso nos dá a possibilidade de contar para todo o país porque é importante que existam meios públicos’”, disse Eliaschev. “A Argentina é um país muito grande e muito desigual que precisa de um meio estatal em que a notícia não seja uma mercadoria, ou em que a busca por audiência não seja a prioridade, mas sim o serviço social prestado pela agência para que todos os setores do país possam informar e ser informados.”

Viés ‘oficialista’

Martín Becerra, professor universitário e pesquisador especializado em políticas de comunicação, disse à LJR que a Télam, sob todos os governos argentinos desde sua fundação, “teve um tratamento favorável ao oficialismo”. Ele concorda que existe um viés editorial na agência estatal, mas discorda do fechamento ou da privatização da Télam, que são as propostas do governo Milei.

“A solução para o viés editorial não é o fechamento de um meio estatal, mas sua profissionalização e um projeto institucional que garanta que o meio estatal não esteja tão intimamente vinculado editorialmente ao governo da vez”, afirmou.

O fechamento da Télam “priva a maioria dos argentinos da mais sólida produção noticiosa federal do país”, disse ele.

A última grande agência de notícias que existia na Argentina, a Diarios y Noticias (DyN), que pertencia aos grupos Clarín e La Nación, fechou em 2017 após 35 anos de existência.

Becerra vê paralelos entre Milei e o presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, que de fato fechou a agência de notícias estatal Notimex, que chegava a seu 55o ano. Para o professor argentino, os dois presidentes têm “um desprezo muito visceral (...) pela atividade jornalística, que eles consideram que pode ser feita por qualquer um”.

“Quando aqui na Argentina você ouve argumentos de pessoas do entorno de Milei a favor do fechamento da Télam, o que eles dizem é: ‘existe o Twitter’. Como se todos os argentinos estivessem no Twitter, o que é falso. Como se todos os argentinos tivessem dados em seus celulares para acessar o Twitter, o que também é falso”, disse Becerra. “Essa visão de mundo simplificada e errônea da prática da comunicação social na América Latina hoje também os leva a esse tipo de medida”.

printscreen of télam's website, which is offline as of march 2024

Site da Télam está fora do ar desde 4 de março de 2024. (Captura de tela)

O pesquisador defende que a Télam e todos os meios públicos tenham não apenas em sua direção institucional, mas especialmente em sua gestão cotidiana a participação de forças políticas e sociais diversas: desde as forças políticas representadas no Congresso até sindicatos de jornalistas, organizações de direitos humanos e universidades que oferecem cursos de comunicação e jornalismo.

Para Becerra, os meios públicos precisam garantir que o serviço que realizam seja suficientemente plural e representativo da diversidade da população para que a sociedade como um todo saia em sua defesa diante de medidas como as impostas à Télam por Milei.

Ele acredita que o presidente argentino agiu para encerrar as operações da Télam antes de fechar a Rádio Nacional ou a TV Nacional por conta da pouca visibilidade do trabalho da agência junto ao público.

“[Télam] é o elo menos visível de forma direta para a comunidade, porque, como é uma agência de notícias, os serviços da Télam são intermediados pelos meios de comunicação que são seus clientes. Então, você lê Infobae, Clarín, La Nación, Página 12, El Destape, qualquer meio digital na Argentina, ou ouve qualquer estação de rádio e televisão privada, e lá estão os serviços da Télam: as fotos, os infográficos, os vídeos e os textos que a Télam produz. No entanto, o público não vê que foi a Télam que fez isso”, disse ele.

Eliaschev disse que um dos objetivos da campanha dos trabalhadores da Télam é justamente informar a sociedade sobre a importância do trabalho da agência.

“Até o momento, temos um apoio maciço dos colegas [de outros meios de comunicação], porque são eles que trabalham com o material fornecido pela Télam. Mas talvez o público em geral, a sociedade em geral, não saiba do que se trata a Télam ou por que ela é importante, por que não é uma despesa, mas um investimento para que o país seja comunicado e para que haja informações de qualidade, verificáveis, com todo o rigor jornalístico em todas as partes do país e não centralizadas na cidade de Buenos Aires”, afirmou.

LJR entrou em contato com o governo argentino, mas não obteve retorno até o fechamento da reportagem.

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