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Um em cada cinco brasileiros vive em ‘desertos de notícias’, sem jornais, sites de notícias e emissoras de TV e rádio

Um em cada cinco brasileiros vive em municípios que não possuem jornais e sites de notícias locais ou emissoras de TV e rádio. O “deserto de notícias” corresponde a pouco mais da metade dos municípios brasileiros, onde vivem 40 milhões de pessoas que não estão servidas por cobertura jornalística local.

Este é o cenário mapeado ao longo do último ano pelo Atlas da Notícia, projeto lançado em agosto de 2017pelo Projor (Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo) em parceria com a agência de jornalismo de dados Volt Data Lab, e que conta com financiamento do Facebook. Para o próximo ano, o projeto prevê criar uma rede de pesquisadores para aprofundar o escopo do levantamento, além de uma série de reportagens que vai explorar os desafios do jornalismo local nas cinco regiões brasileiras.

Foram mapeados 11.820 veículos, entre jornais impressos, sites de notícias, emissoras de rádio e emissoras de TV, presentes em 2.691 municípios. A média é de 4,4 veículos em cada cidade que conta com estes meios de comunicação. Outros 2.879 municípios não têm nenhum veículo jornalístico ou emissora de radiodifusão.

O Atlas contou com a colaboração do público, que foi convidado por meio de uma campanha de crowdsourcing a enviar nomes de veículos que conheciam em cidades de pequeno e médio porte pelo país. Também realizou consultas a entidades do setor, como a Associação Nacional de Jornais (ANJ), e reuniu dados da Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República, solicitados via Lei de Acesso à Informação (LAI).

O levantamento da Secom trazia informações consolidadas pelos governos Lula (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2016) sobre os jornais impressos e sites de notícias regionais e locais e “serviu como uma espécie de censo”, disse Angela Pimenta, presidente do Projor, ao Centro Knight.

Os dados sobre emissoras de radiodifusão foram levantados junto ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), que regula o setor no Brasil, já que as licenças de radiodifusão são uma concessão pública.

Segundo o Atlas, o Brasil tem 3.367 jornais impressos e 1.985 sites de notícias – somados, são 5.352 veículos espalhados por 1.125 municípios, onde vivem 65% da população brasileira. As emissoras de radiodifusão cobrem um terreno maior: são 6.480 (3.753 de rádio e 2.727 de televisão) em 2.520 municípios, cobrindo 75% da população.

O levantamento cruzou as informações sobre a presença de veículos de mídia com dados do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil e constatou que os municípios com presença de jornais e sites de notícias têm Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) médio de 0,727, enquanto os municípios com presença de emissoras de rádio e TV têm IDHM médio de 0,683. O IDHM mede a qualidade de vida nos municípios com base em dados sobre expectativa de vida, alfabetização e renda da população. O IDHM médio dos municípios brasileiros é de 0,659.

Para Sérgio Spagnuolo, editor do Volt Data Lab, a ideia com a comparação foi entender como o jornalismo local afeta a qualidade de vida da população, mas ela deve ser analisada desde uma perspectiva de correlação, não causalidade.

“Não é porque a cidade tem mais jornal que ela é mais rica ou mais educada, e não é porque a cidade é mais rica e mais educada que ela tem jornal. Não provamos isso. Mostramos que as cidades mais ricas e mais educadas têm mais jornal, mas não sabemos ainda por que isso acontece. Esperamos que eventualmente nossa pesquisa subsidie alguém a buscar essa resposta”, disse ao Centro Knight.

Ele apontou que os “desertos de notícias”, que não contam com jornais impressos ou online e emissoras de radiodifusão, abarcam principalmente cidades pequenas – a média é de 13 mil habitantes por município sem cobertura local.

Ainda que cidades próximas tenham jornal ou emissora de rádio e que a população tenha acesso à internet, “essas pessoas não estão sendo atendidas”, disse Spagnuolo. Um jornal de uma cidade não vai olhar para o que acontece na Câmara Municipal vizinha ou para o buraco na rua em outra cidade, observou. “Isso é problemático para a democracia em geral. Como as pessoas vão se informar nesses lugares? A cada cidade de 8, 10 mil pessoas, chega-se ao volume de 40 milhões de pessoas que não têm acesso a notícias da própria cidade”, afirmou.

Reportagens transmídia para entender o jornalismo local

A ideia é que o Atlas da Notícia se torne um projeto consolidado e de caráter anual, atualizado periodicamente, disse Angela Pimenta. “Antes tínhamos uma fotografia; a partir de agora, vamos ter um filme anual. Vamos saber quem fechou, quem abriu, quem era impresso e virou só digital”, afirmou, acrescentando que a iniciativa captou o interesse de economistas, cientistas políticos, jornalistas e entidades jornalísticas dentro e fora do Brasil.

A próxima fase do Atlas da Notícia prevê uma nova campanha de crowdsourcing e a formação de uma rede de cinco pesquisadores, um em cada região brasileira, que ficará responsável por captar e autenticar dados sobre os veículos jornalísticos nas regiões. Segundo Spagnuolo, esses pesquisadores vão abordar atores locais em busca de informações adicionais sobre cada veículo, como circulação e tipo de cobertura.

O projeto também prepara a realização de reportagens transmídia sobre a situação do jornalismo local em cinco cidades brasileiras, uma em cada região. A repórter Elvira Lobato, que tem mais de três décadas de cobertura da radiodifusão no Brasil e é autora do livro “Antenas da floresta”, sobre as TVs locais na Amazônia, e a videomaker Ana Terra Athayde serão as responsáveis pelas reportagens.

A primeira cidade a ser visitada, em agosto, será Mariana, em Minas Gerais, na região Sudeste. O município foi marcado pelo rompimento de uma barragem da mineradora Samarco, controlada pela brasileira Vale S.A. e pela anglo-australiana BHP Billiton, em 5 novembro de 2015. A tragédia deixou 19 mortos e provocou um desastre socioambiental sem precedentes na história do Brasil.

Depois do desastre, “a imprensa nacional foi lá e fez seu escrutínio, mas só a imprensa local dá conta da cobertura local”, disse Pimenta. “Queremos saber o que está acontecendo na cobertura das questões cotidianas: a atuação da Câmara Municipal, o que aconteceu com as pessoas que perderam casa, a questão do emprego.”

A segunda cidade a receber a equipe do Atlas será Arapiraca, em Alagoas, na região Nordeste, e as três seguintes ainda estão sendo escolhidas pelo projeto a partir dos dados coletados.

“Queremos entender quais são os desafios, os dilemas que esses jornalistas enfrentam. E queremos buscar casos de inovação que estejam acontecendo não necessariamente no eixo RJ-SP-Brasília, onde estão as maiores redações do Brasil”, disse a presidente do Projor. A partir disso, a entidade pretende estabelecer medidas de apoio e fomento ao jornalismo local.

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