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Veículos independentes da América Latina estão usando a criatividade para sobreviver

  • Por Erick Rianelli
  • 21 outubro, 2025

Em 2018, enquanto os brasileiros se preparavam para eleger um novo presidente, o repórter Maurício Ferro decidiu enfrentar, nas redes sociais, umas das primeiras ondas de desinformação do país.

Ferro lançou o Correio Sabiá, distribuindo notícias checadas pelo Whatsapp, mesma plataforma onde as informações falsas se espalhavam em grande escala.

Desde então, o Correio Sabiá cresceu e virou uma redação digital com site, newsletters e que oferece cursos. O Correio também expandiu seu modelo de negócios. A receita vem de assinaturas pagas — de R$ 9,90 a R$ 39,90 ao mês — de bolsas de estudos e, desde o ano passado, de um braço de consultoria em comunicação que atende clientes nas áreas de educação e finanças.

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Maurício Ferro lançou o Correio Sabiá, distribuindo notícias checadas pelo Whatsapp, mesma plataforma onde as informações falsas se espalhavam em grande escala. (Foto: Cortesia Maurício Ferro)

“Você, quando está prestando um serviço para uma outra empresa, pode cobrar muito mais do que você cobraria por uma assinatura de jornal, o que é um tíquete médio muito baixo,” disse o fundador Maurício Ferro à LatAm Journalism Review (LJR).

Lançar um veículo de comunicação requer uma boa ideia, financiamento confiável e trabalho duro. O maior desafio, segundo empreendedores ouvidos pela LJR, vem depois: encontrar receita constante para manter o projeto vivo. Para muitos empreendedores na América Latina, a resposta tem sido a diversificação dos negócios.

“Não é apenas uma estratégia financeira”, disse Naimid Cirelli, diretor de operações da SembraMedia, uma organização sem fins lucrativos que apoia a mídia digital na região. "É a garantia para independência editorial e um pilar para a viabilidade em longo prazo”, disse à LJR.

O Correio Sabiá já ganhou reconhecimento: em 2020, seu fundador foi apontado Líder Emergente de Mídia pelo Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ). Mas Ferro afirma que obstáculos cotidianos, como cartões de crédito cancelados, podem prejudicar a receita de assinaturas. Para estabilizar o fluxo de caixa, o veículo expandiu sua atuação para consultoria em conteúdo e comunicação. Recentemente, fechou contratos com clientes interessados em usar ferramentas de IA para otimizar a produção.

O caso do Correio Sabiá se encaixa em tendências identificadas pela SembraMedia, que mostram veículos jornalísticos lutando para sobreviver.

A SembraMedia mapeou mais de 3 mil veículos independentes em 68 países das Américas e da Europa. Entre 2023 e 2024, o projeto, conhecido como Global Project Oasis, identificou mais veículos fechando na América Latina do que nos nove anos anteriores.

Entre os motivos para tantos fechamentos estão as instabilidades econômica e política na região e a redução do apoio de organizações financiadoras. Em média, segundo o relatório Global Project Oasis, mais da metade dos veículos digitais independentes da região registrou receita anual de US$ 20 mil ou menos.

As empresas de mídia independentes estão cientes da crise — e tomam providências.

“O que identificamos no ano passado foi um aumento da consciência da necessidade de buscar modelos de negócio diversificados frente aos cenários de mudança", disse Cirelli.

Ainda assim, ele reconheceu que publicidade e bolsas seguem como as principais fontes de receita. Segundo Cirelli, empreendedores já encontraram mais de 30 formas de financiamento.

“Fontes alternativas são serviços, consultorias, treinamentos, desenvolvimento de produtos ou parcerias com outras organizações”, afirmou.

No Equador, a equipe do veículo independente GK percebeu que expandir o modelo de negócios era o melhor caminho. Fundado em Quito em 2011, o GK produz jornalismo voltado para direitos humanos com ênfase em gênero, meio ambiente e transparência. A equipe publica reportagens factuais e investigativas, e o veículo está entre os mais lidos do país, segundo a RSF (Repórteres Sem Fronteiras).

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Francesco Tabacci, presidential candidate in the 2025 Ecuadoran elections, interviewed by Martina Vera, host of the GK elections special program. (Foto: Cortesia GK)

Em 2021, o GK venceu o Prêmio Ortega y Gasset, do jornal El País, na categoria de melhor reportagem ou jornalismo investigativo. Foi a primeira vez que um veículo equatoriano recebeu esse prêmio.

O financiamento do GK vem de uma ampla gama de serviços, incluindo traduções, cursos e uma agência de comunicação estratégica, a GK Studio, que funciona desde 2015.

A cofundadora e diretora editorial da redação, Isabela Ponce, afirmou que a GK Studio já responde por 50% da receita do grupo. A redação e a agência funcionam de forma integrada.

“Eles são como irmãos, irmãs”, disse. “Compartilham a equipe — não toda, mas parte dela. Então, tudo o que vai para a GK Studio faz parte da GK como um todo, a GK Mídia.”

Ponce contou que em 2015 a equipe fez um exercício de pensar soluções para aumentar a receita. A ideia da agência surgiu desse esforço: “Fomos criativos, percebemos que tínhamos qualidade, uma narrativa de alta qualidade que outras marcas, empresas ou terceiros queriam que criássemos para eles”.

Um dos primeiros clientes da agência, em 2015, foi a Bosch, empresa alemã de tecnologia e engenharia.

“Eles nos disseram: queremos a qualidade de vocês, queremos que o conteúdo tenha essa aparência, conteúdo em texto e conteúdo multimídia. E foi assim que começamos”, disse.

Hoje, a GK Studio oferece campanhas de comunicação em “qualquer formato de que você precisar para contar sua história da melhor forma”, disse Ponce. Os preços variam de US$ 5 mil a US$ 50 mil, bem acima da assinatura mensal de US$ 12 do veículo. Para os empreendedores, não há uma só solução para sobreviver. Mas Ponce defende um caminho: “Diversificação é tudo.”

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