O governo do Paraguai ofereceu aos proprietários de mais de 200 estações de rádio do interior do país a verba de publicidade estatal em troca da difusão de notícias que sejam favoráveis ao governo, publicaram diversos meios do país.
Na reunião com os sócios da União de Radiodifusores do Paraguai (URP), o vice-presidente da República, Juan Afara, disse: “Queremos que vocês designem as pessoas com as quais a cada quinze dias, ou a cada mês, vamos nos encontrar para ver quais são as tarefas pendentes, [...] e onde temos que apertar mais para que a informação chegue até as pessoas; a informação clara”, publicó ABC Color.
Segundo a transcrição do áudio da reunião que a rádio Ñanduti entregou ao ABC Color, Afara também disse aos empresários de rádio que esse “vínculo político” e “comercial” com o governo se dará por meio da Secretaria de Informação e Comunicação (Sicom), cujo ministro é Fabricio Caligaris, e da Comissão Nacional de Telecomunicações (Conatel), presidida por Teresa Palacios. Os dois funcionários também estiveram presentes na reunião.
Além disso, o vice-presidente destacou que Sicom e Conatel terão 90 dias “para fazer isto funcionar bem”, publicou ABC Color.
Caligaris disse posteriormente, segundo informou o ABC Color, que vão repartir 20 bilhões de guaraníes (cerca de US$ 3.500 milhões de dólares) em publicidade estatal para as rádios.
A presidente da Conatel, organismo que se encarga da distribuição do espectro electromagnético, disse ao ABC Color que a reunião com Afara tratou apenas da problemática do funcionamento de rádios piratas no país.
Também titular da URP, Javier Correa, declarou ao Última Hora que na reunião se discutiu com os funcionários do governo a existência de rádios piratas no país, em busca de uma solução. Descartou que tenham sido colocadas condições para a publicidade estatal.
“Eu não sou colorado e nem sou afiliado (ao partido oficial), eu fui como parte da União; e a reclamação deles é que a gente também veja e dê espaço ao que se faz de bom (no governo), porque nem tudo é ruim. Isso é o que eles pediram”, disse Correa.
Pedro Alliana, parlamentar e presidente do partido governista Asociación Nacional Republicana (ANR) - Partido Colorado que participou também da reunião, pediu às rádios do interior do país que sejam “a voz da liderança, do Partido e do governo”, publicou o ABC Color.
Sobre o assunto, o advogado uruguaio Edison Lanza, Relator Especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), disse ao site Última Hora estar muito preocupado com a proposta do governo para as rádios paraguaias, porque poderia afetar seriamente a liberdade de expressão no país.
“A minha intenção é recordar os padrões da matéria. A CIDH há alguns anos regulamentou esse tema que merece atenção porque muitos recursos foram usados para castigar inimigos que o Governo considera oposição; o Governo tem que ser neutro na circulação da informação”, declarou Lanza ao Última Hora.
Lanza também explicou que usar a publicidade estatal como prêmio ou castigo pode condicionar a liberdade de um meio de comunicação e exercer pressão sobre ele.
O reconhecido e homenageado jornalista paraguaio Humberto Rubín (81), diretor e fundador da Radio Ñanduti, criticou o governo por querer se aproveitar das precariedades de funcionamento das rádios no interior do país, publicou La Unión.
“Hoje falei com um deles (dono de rádio) e ele achou fantástica a oportunidade de receber uns guaraníes (dinheiro)”, disse Rubín.
De acordo com La Unión, o jornalista veterano comparou o atual presidente Horacio Cartes com o ditador paraguaio Alfredo Stroessner, ao lembrar que durante a ditadura stronista (1954-1989) as emissoras de rádio estavam submetidas ao governo.
Elas transmitiam o programa do governo “La voz del coloradísimo”, um espaço onde se fazia propaganda política e se atacava opositores, segundo Última Hora.
O senador Enrique Bacchetta também disse à Radio 1000 que é lamentável que o governo esteja “extorquindo” as rádios do interior do país, com o objetivo de “difundir as ‘boas notícias’” da gestão do presidente Cartes. Bacchetta destacou que o Paraguai está vivendo um “retrocesso democrático”.
Marito Abdo, senador eleito e dissidente da ANR – Partido Colorado, disse na sua conta no Facebook que há mais de um ano “estamos denunciando a compra de jornais, canais de TV e o último anúncio de querer controlar a programação de rádios independentes por parte do governo Cartes”.
Abdo anunciou que vão esgotar as instâncias nacionais e que vão até a CIDH para denunciar a intenção do governo de querer controlar as rádios independentes.
Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.