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Como se preparar para cobrir a migração da América Latina no segundo governo de Trump?

Contrabalançar as narrativas de ódio, ouvir a comunidade migrante, proporcionar informações úteis e monitorar políticas migratórias são algumas práticas que jornalistas que informam sobre e para comunidades de migrantes na América Latina recomendam adotar para oferecer uma melhor cobertura de imigração diante da segunda presidência de Donald Trump nos Estados Unidos.

O novo governo na Casa Branca representará múltiplos desafios em termos de comunicação, devido ao clima de medo, confusão e desinformação que se gerou após o presidente eleito anunciar seus planos de controle da imigração.

A imprensa deve estar alerta e preparada para evitar contribuir com esse clima, disseram jornalistas de migração consultados pela LatAm Journalism Review (LJR).

Aprender com os erros

Em termos de cobertura da imigração, durante o primeiro governo de Trump, muitos meios de comunicação erraram ao optar por contar as narrativas dos políticos em vez das dos próprios migrantes, disse Patricia Mercado, fundadora e diretora da Conexión Migrante, um veículo mexicano nativo digital dedicado a informar imigrantes latino-americanos nos Estados Unidos ou em direção ao país. E isso causou muitos danos, acrescentou.

Para este segundo governo Trump, os jornalistas devem trabalhar em conjunto para transformar as narrativas impostas pelos políticos, que muitas vezes geram ódio, medo e divisão, em narrativas mais completas, recomendou Mercado.

Periodistas del sitio mexicano Conexión Migrante.

O Conexión Migrante iniciou 2025 com um projeto para transformar conteúdos em vídeo, com o objetivo de educar os leitores sobre processos e procedimentos. (Foto: Reprodução Conexión Migrante)

"É verdade, Donald Trump nos dá ótimas manchetes. Cada declaração sua é brutal e chama a atenção, e as pessoas a consultam. É uma tentação muito grande", disse Mercado à LJR. "Mas a reflexão sobre o que mais posso fazer deve sempre ficar em segundo plano. Quer dizer, sim, vou publicar isso, mas como posso explicar às pessoas o que aquilo que ele disse realmente significa?"

Cindy Espina, jornalista independente guatemalteca especializada em migração e membro do coletivo Border Narratives from Feminisms, afirmou que existe um consenso entre os jornalistas especializados em migração de que é necessário contrapor as narrativas negativas sobre a migração com narrativas centradas nos direitos humanos ou com ângulos que destaquem os aspectos positivos da migração.

Essas novas narrativas, acrescentou, devem evitar fazer com que os migrantes sejam vistos como "os outros" e mostrar empatia para com eles.

"Os imigrantes também estão criando e contribuindo para as comunidades e acho que é valioso contar isso em meio aos discursos que o presidente e as autoridades vão fazer diariamente contra a população migrante", disse Espina à LJR. "Preencher mais nossas publicações com essas histórias, penso eu, é uma via pouco explorada pela qual podemos contrapor esses discursos anti-direitos de quem migra".

Mercado concorda que as novas narrativas sobre a migração devem semear a reflexão na sociedade sobre como os imigrantes podem ser integrados nos países de destino e como assimilar melhor suas contribuições.

"Como explicamos às pessoas que a imigração não é ruim, que a imigração traz progresso, traz desenvolvimento, traz diversidade?", disse Mercado. "Não contamos essa história. Sempre contamos uma história de tragédia, de crise. Estamos contando apenas metade da história".

As "narrativas de esperança" e a diversidade de vozes são a principal estratégia do veículo guatemalteco Prensa Comunitaria para neutralizar as narrativas de medo, desinformação e ódio que existem em relação à comunidade migrante. O meio tem ampla cobertura sobre a emigração das comunidades indígenas do país centro-americano.

"Quanto maior for a diversidade de vozes e perspectivas para fazer este tipo de jornalismo, mais poderemos nos aproximar da verdade histórica e do que as pessoas estão sentindo, vivendo e propondo", disse à LJR Quimy de León, fundador e diretor do veículo. "Essa é também uma das alternativas à desinformação, aos discursos polarizadores que procuram criar uma verdade única e dominante".

Como exemplo dessas "narrativas de esperança", De León mencionou as reportagens que a Prensa Comunitaria produziu nas últimas semanas sobre como os migrantes guatemaltecos nos Estados Unidos estão se organizando diante de possíveis medidas do novo governo, ou a cobertura de outros meios de comunicação sobre a contribuição da comunidade migrante nos incêndios em Los Angeles.

Nessas novas narrativas, o uso correto da linguagem desempenha um papel fundamental, disse Espina. Essa linguagem também deve estar alinhada com a abordagem dos direitos humanos e deve evitar o uso de analogias, termos alarmistas e frases que revitimizem, acrescentou.

"Estamos falando de pessoas com direitos, muitas das quais foram vítimas nos seus países de origem, em trânsito e também no país de destino", disse Espina. "Devemos ter cuidado para que nossas palavras e a forma como denunciamos não vitimizem novamente as pessoas."

Os jornalistas também devem questionar a utilização do termo "crise de imigração", uma vez que se considera que este contribui para o aprofundamento dos discursos anti-imigrantes por parte dos políticos, disse Espina.

"A crise é realmente uma crise migratória ou é uma crise criada para resultar numa crise humanitária nas fronteiras?", questionou Espina. "Devemos nos questionar toda vez que vamos escrever essa palavra. O que realmente está acontecendo? São crises humanitárias nas fronteiras devido a decisões políticas e administrativas dos governos."

Informação contra o medo

Dado o clima de medo e confusão que prevalece atualmente entre a comunidade migrante, a informação de qualidade deve ser a principal ferramenta, disse Mercado. Isso não só ajudará a combater as narrativas de ódio, mas também ajudará os migrantes a tomar melhores decisões.

"Precisamos explicar os fenômenos. A xenofobia que existe nas comunidades aqui no México, nos Estados Unidos e em todo lugar é porque as pessoas não têm informação. E não é culpa delas", disse Mercado. "É um momento de reflexão e de dizer 'como vou contar as histórias?', porque isso obviamente afeta a sociedade".

A Conexión Migrante iniciou um projeto este mês para transpor para vídeo alguns dos conteúdos mais procurados do site, disse Mercado. O objetivo, disse ela, é fortalecer o canal do veículo no YouTube para capacitar os leitores sobre processos e procedimentos.

Diante de ameaças de ações radicais por parte de Trump, como deportações em massa, o veículo digital Estoy en la Frontera, pertencente ao jornal La Opinión, com sede na fronteira entre a Colômbia e a Venezuela, prepara-se para oferecer informações úteis aos migrantes desses países que possam ser afetados.

Keila Vilchez, editora do veículo, disse que enquanto La Opinión cobriria os temas noticiosos de possíveis mudanças nas políticas de imigração, Estoy en la Frontera se concentraria em fornecer aos migrantes informações na forma de roteiros de serviço e canais de atendimento às suas necessidades.

Periodistas del sitio colombiano Estoy en la Frontera, del periódico La Opinión, durante una cobertura. Foto: Cortesía Estoy en la Frontera

O Estoy en la Frontera se concentrará em fornecer informações aos migrantes colombianos e venezuelanos deportados, na forma de rotas de serviço e canais para atender às suas necessidades. (Foto: Cortesia do Diário La Opinión)

"É preferível que as pessoas realmente saibam o que devem fazer", disse Vilchez à LJR. "Temos que ver quais exatamente serão essas políticas implementadas para ver como iremos direcionar nosso conteúdo. Estoy en la na Fronteira sempre buscou conteúdos que ajudassem as pessoas".

Por exemplo, disse Vilchez, no caso de deportações de venezuelanos ou colombianos, a prioridade seria investigar onde chegariam esses voos, já que isso normalmente depende da relação dos Estados Unidos com os países de origem dos deportados, bem como fornecer informações sobre como os migrantes venezuelanos podem regularizar sua situação uma vez na Colômbia.

Além disso, acrescentou, procurarão informar sobre o processo legal que existe por trás de uma deportação e as instâncias às quais um migrante em processo de deportação pode recorrer.

"O foco será dar a eles as ferramentas de regularização, porque qualquer processo de migração em qualquer país do mundo começa com um processo de regularização satisfatório", disse Vilchez. "Temos trabalhado nossa cobertura nesse sentido, sempre tentando promover uma migração segura, onde as pessoas não corram riscos".

Conteúdos sobre temas como os direitos dos migrantes, as instituições a que podem recorrer, as linhas de emergência disponíveis ou o que fazer se um oficial de imigração bater à sua porta também serão muito úteis no atual clima de medo, acrescentou Espina.

"Às vezes subestimamos muito a prestação deste tipo de informação porque não se trata de temas complexos, como o que disse um determinado político, ou uma análise", disse Espina. "As pessoas enfrentam medo, e penso que ao dar a elas essas ferramentas, esses recursos de informação, podemos contribuir um pouco para acalmar essas emoções e medos que sentem".

Diante da onda de possíveis políticas e medidas sobre migração que poderiam ser apresentadas na região, Espina recomendou que os meios de comunicação monitorem e criem bancos de dados para ter controle de toda a informação e evitar confundir as pessoas.

"Muitas coisas virão agora, então fazer o monitoramento em uma planilha Excel ou qualquer outra ferramenta será muito útil", disse ela. "Por exemplo, sobre os países que reportam deportações, para ver quanto estão aumentando, que tipo de população estão deportando e tudo mais, para reportar bem ou para detectar alguma anomalia e começar a investigar e acompanhar isso".

Ouvir as pessoas, uma prioridade

Um dos principais aprendizados que o primeiro governo Trump deixou para a equipe da Conexión Migrante foi aprender a ouvir a comunidade migrante, disse Mercado. Desde sua fundação em 2016, o veículo tem o desafio de construir uma relação de confiança com uma comunidade migrante vulnerável, que não confia em ninguém e tem medo. 

E para isso, saber ouvir tem sido fundamental.

"Não devemos esquecer que os migrantes não são apenas números, nem países, mas são pessoas e que devemos ter a capacidade de ouvi-los. Não de entrevistá-los, de ouvi-los", disse Mercado. "Os meios de comunicação e os jornalistas deveriam estar mais atentos à desinformação que existe em torno da comunidade, porque são uma comunidade que, por se encontrar numa situação vulnerável, cai muito facilmente na desinformação";

A principal forma pela qual a Conexión Migrante escuta seu público é através do Centro de Assistência ao Migrante, uma central de atendimento para fornecer informações e apoio à comunidade migrante. Com isso, o veículo atendeu mais de 100 mil pessoas em oito anos, disse Mercado.

"Para nós é fundamental ouvir o público para saber o que ele precisa e aí foi encontrada a fórmula perfeita", disse Mercado. "Estamos estudando, criando novas informações e conversando muito com as pessoas para saber quais são suas necessidades, porque vão acontecer coisas que temos que ter a capacidade de explicar".

Cover of El Universal newspaper, from Mexico.

Veículos de mídia que cobrem migração apontam um clima de medo e confusão entre a comunidade migrante à luz das declarações do presidente Donald Trump. (Foto: Captura de tela do El Universal)

A equipe da Prensa Comunitaria também assume a tarefa de ouvir seu público, que é composto principalmente por membros das diferentes diásporas guatemaltecas nos Estados Unidos. 

Até agora, a desinformação e a propagação do medo são os problemas mais relatados, disse De León.

"Confirmamos que há muito medo entre a diáspora e a comunidade migrante, mesmo entre aqueles que têm documentos, devido ao discurso que tem sido divulgado nas redes sociais e outros canais pelo Presidente Trump. Eles sentem que existe o risco de deportação, seja você legal ou não", disse o jornalista.

América Central, Venezuela e El Darién, outras questões a monitorar

Diante do segundo governo de Trump, o olhar dos jornalistas de imigração não deveria estar apenas na fronteira dos Estados Unidos e do México. Existem outras regiões e países onde poderão ser registradas mudanças nos próximos meses, afirmaram os jornalistas consultados.

Um desses países é a Venezuela, onde uma pesquisa recente revelou que quase três milhões de pessoas pretendem emigrar este ano, após o início do terceiro mandato de Nicolás Maduro.

"A Venezuela me preocupa muito porque pode ser um fator que transformará novamente a migração", disse Mercado. "Temos que monitorar o que a Colômbia vai fazer, o que o Peru vai fazer, o que a Espanha vai fazer, quais são os países que mais recebem venezuelanos".

A redação do Esto en la Fronteira planeja implementar a vigilância dos primeiros 90 dias tanto do segundo governo Trump como do terceiro de Maduro para acompanhar as necessidades de informação que os migrantes possam ter.

"Vamos ficar de olho no que acontece", disse Vilchez. "Porque [La Opinión] é um jornal fronteiriço e está em Cúcuta, por onde passam cerca de 80 por cento das pessoas que ficam na Colômbia ou que simplesmente passam para ir a outros países, para o jornal sempre foram uma prioridade estes problemas".

A América Central é outra região geográfica a ter em conta. Há temores na Guatemala de que possa reviver a categoria de "terceiro país seguro" que Trump e o ex-presidente Jimmy Morales concordaram em 2019, e que o presidente Biden revogou dois anos depois. Esta medida permitiu que migrantes hondurenhos e salvadorenhos em busca de asilo nos Estados Unidos fossem enviados à Guatemala para apresentarem seus pedidos.

"Especula-se que tenha havido pressão do governo dos Estados Unidos para que o governo do presidente [Bernardo] Arévalo aceite ou retome esta figura do 'terceiro país seguro', para que a Guatemala possa ser como o escudo de imigração dos Estados Unidos para deportar migrantes da América Central", disse à LJR Francisco Simón, editor de território da Prensa Comunitaria.

No Panamá existem preocupações semelhantes, depois que no ano passado o governo do presidente José Raúl Mulino assinou um acordo de entendimento sobre cooperação em questões de imigração com os Estados Unidos. Desde que assumiu o cargo em 1º de julho de 2024, Mulino enfatizou sua intenção de fechar as fronteiras do país aos migrantes que atravessam a região conhecida como Darién Gap a caminho da América do Norte.

"O atual presidente do Panamá está muito alinhado à linha anti-imigração de Donald Trump. Nesse sentido, o Panamá poderia aplicar políticas de externalização na fronteira dos Estados Unidos como aconteceu no México", disse Espina. "A maior atenção em termos de monitoramento deve ser dada ao Panamá e Darién, porque podem ocorrer novas dinâmicas que podem causar outros tipos de violência contra os migrantes".

O monitoramento dos efeitos e dos danos colaterais das possíveis novas políticas de imigração dos países também deve ser uma prioridade para os jornalistas, disse Espina.

Além disso, os jornalistas devem estar atentos ao que vai acontecer com as políticas migratórias existentes, como é o caso do CBP One, o aplicativo que os Estados Unidos lançaram em janeiro de 2023 para que imigrantes no México possam agendar uma consulta em um ponto de fronteira e solicitar uma permissão humanitária. Essa ferramenta está entre os programas que Trump eliminou assim que chegar à Casa Branca.

Traduzido por André Duchiade
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