As redes sociais em Cuba foram tomadas pela hashtag #Todos depois que, em 15 de janeiro, o governo cubano anunciou a libertação de 553 pessoas como resultado de suas negociações com o Vaticano e os Estados Unidos. A palavra em alta se tornou um apelo pela liberdade de todos os presos políticos da ilha.
Juntando-se a esse chamado, em 21 de janeiro, uma aliança de 10 veículos independentes cubanos lançou a plataforma #Todos, um projeto de jornalismo de dados dedicado a monitorar a libertação de presos.
“A ideia era poder verificar através dos dados se, de fato, o governo libertaria essas 553 pessoas e em que condições”, disse José Nieves, diretor do El Toque e um dos veículos participantes, à LatAm Journalism Review (LJR).
Em um país onde os meios de comunicação privados são proibidos e a informação é rigorosamente controlada, realizar esse tipo de projeto de jornalismo de dados é especialmente difícil. A aliança de veículos dependia em grande parte dos registros de organizações da sociedade civil para realizar o trabalho.
Laritza Diversent, advogada e diretora executiva de uma das organizações Cubalex, explicou à LJR que manter um registro completo é difícil porque não há dados oficiais e nem todas as pessoas presas contam com o apoio de familiares ou de outras pessoas que tornem públicas suas denúncias.
Ainda assim, os meios de comunicação registraram a libertação de 192 pessoas até agora. Esse número era parte dos 1.391 presos políticos em Cuba, uma cifra que, segundo organizações da sociedade civil, é subnotificada.
“Quero ressaltar que tudo foi feito em cinco dias e, embora seja muito simples, foi concluído com muita dignidade e boa qualidade”, disse Nieves.
Os meios de comunicação participantes são: 14ymedio, Alas Tensas, Árbol Invertido, CiberCuba, El Estornudo, El Toque, Havana Times, La Hora de Cuba, Periodismo de Barrio y Rialta.
A plataforma mostra os rostos dos prisioneiros libertados, junto com a data da libertação e outros dados pessoais.
Também apresenta gráficos explicando as descobertas dos meios de comunicação após analisar um banco de dados criado para o projeto.
“A propaganda estatal começou a usar o termo libertação, mas com os dados conseguimos confirmar que as pessoas não saem [como pessoas] livres da prisão porque saem em liberdade condicional ou em licença por motivos médicos”, disse Nieves.
Outra descoberta é que a maioria dos presos foi detida nos protestos antigovernamentais de 2021. Também conhecidas como as manifestações de 11 de julho porque foi o dia em que, depois de décadas, milhares de cubanos foram às ruas exigir mudanças em suas condições de vida e protestar contra o autoritarismo do governo cubano.
Além disso, muitos dos que foram libertados cumpriram mais da metade da pena e há um uso frequente de crimes como desacato, desobediência, sabotagem e sedição para processar oponentes.
O site também tem um formulário para que os cidadãos possam ajudar a identificar pessoas libertadas que não aparecem nos registros.
As principais fontes para a criação desta plataforma foram os registros sobre presos políticos das organizações da sociedade civil Cubalex, Prisoners Defenders, Justicia 11J e o Observatorio Cubano de Derechos Humanos.
Algumas das organizações forneceram os dados para os veículos da aliança em formato CSV. Em outros casos, os veículos obtiveram as informações por meio de processos de scraping (uma técnica de extração de dados) de páginas da web, disse Abraham Calas, programador do El Toque, à LJR.
No entanto, o sistema de coleta de dados era diferente em cada organização da sociedade civil.
“A consolidação representou o primeiro desafio. Tivemos que agrupar todas essas tabelas, remover duplicatas e tentar unificar todas essas informações”, disse Calas.
Os jornalistas participantes do projeto limparam os dados manualmente e tiveram que confirmar cada um dos nomes, verificar idades e checar se os crimes correspondiam aos presos políticos.
Por isso, a verificação da base de prisioneiros foi feita em dois níveis. Primeiro, cada organização da sociedade civil determinou internamente se a pessoa foi detida por suas ideias políticas ou no contexto de uma manifestação. Em segundo lugar, os veículos fizeram uma verificação das informações.
“Houve um caso de duas pessoas que tinham nomes praticamente idênticos e descobriu-se que eram irmãs gêmeas. Não era um nome repetido, mas os nomes delas tinham apenas uma letra de diferença", disse Nieves. “Por causa desse tipo de situação, verificamos duas vezes as informações que tínhamos.”
O banco de dados final de 1.391 presos políticos contém nomes, idades, locais de detenção, tipos de crimes, sentenças, tempo cumprido e tempo restante a cumprir. Esta base não está disponível na plataforma por motivos de segurança, disse Calas.
Depois, através da apuração dos jornalistas, foi sendo confirmado quem dessa base de dados estava sendo libertado.
Desde que Donald Trump assumiu a presidência dos Estados Unidos pela segunda vez, em 20 de janeiro, as libertações foram interrompidas sem explicação do governo cubano. Organizações de direitos humanos em Cuba atribuem isso à decisão do presidente de incluir novamente a ilha na lista de patrocinadores do terrorismo.
Esta não é a primeira vez que a mídia independente cubana se une para apoiar um projeto. Em outras ocasiões, alguns desses meios de comunicação se uniram em declarações públicas para denunciar a repressão ou a falta de direitos civis em Cuba. Mas, em geral, não é algo comum.
"As colaborações entre meios independentes cubanos ainda são raras e representariam um sinal de maturidade da esfera pública que compartilhamos", disse Jesús Adonis Martínez, editor dos veículos El Estornudo e Rialta, à LJR.
Não houve financiamento externo para o projeto; cada meio de comunicação e organização contribuiu com seu tempo, recursos e conhecimento para levar a plataforma adiante.
A colaboração entre os veículos e organizações da sociedade civil também foi fundamental para dar vida ao #Todos.
“Essa colaboração nos beneficia de muitas maneiras. A mídia tem um alcance muito maior do que algumas organizações da sociedade civil”, disse Diversent. “Além disso, dessa forma podemos documentar e manter a sociedade cubana informada porque sabemos que o Estado manipula informações e também desinforma.”