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Ataques hackers no Equador, spyware no México e censura na Venezuela integram lista crescente de ameaças digitais a jornalistas

Em fevereiro do ano passado, o site de notícias independente Indómita publicou uma investigação revelando que mais de um terço das pessoas que morreram violentamente no Equador eram crianças com menos de 5 anos de idade. A manchete dizia: "As crianças não são vítimas colaterais, são vítimas diretas da violência no Equador".

Na manhã seguinte, o site da Indómita sofreu um ataque hacker, e os jornalistas do veículo de comunicação com sede em Guayaquil foram forçados a adotar novas medidas para proteger sua segurança digital.

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Capa da versão em inglês do relatório da Derechos Digitales "Na mira: Segurança e principais ameaças digitais na América Latina." (Foto: Captura de tela)

Jornalistas de outras partes da América Latina também foram alvos de ataques digitais. No México, uma base de dados de repórteres que participaram das coletivas de imprensa do ex-presidente Andrés Manuel López Obrador circulou em um fórum de vazamentos. E na Venezuela, quase 49 veículos de comunicação, incluindo El Político, Impacto e La Gran Aldea, permanecem bloqueados pelos provedores de internet do país.

Estes incidentes fazem parte de um padrão mais amplo de ataques contra a imprensa na região. Entre 2023 e 2024, mais de 400 ataques, incluindo invasões hackers, censura, espionagem e campanhas de desinformação, foram documentados no relatório "Na mira: Segurança e principais ameaças digitais na América Latina".

O estudo, liderado pela organização Derechos Digitales em colaboração com o Observatório Latino-Americano de Ameaças Digitais (Olad), alerta para o uso crescente de estratégias digitais para intimidar, silenciar e dificultar o trabalho jornalístico na região.

Este é o primeiro relatório conjunto do Olad, uma aliança de organizações que trabalham na defesa dos direitos humanos online. Entre suas conclusões,o estudo revela como governos, atores criminosos e grupos organizados transformaram o ecossistema digital em um terreno hostil para o jornalismo, o ativismo e a sociedade civil.

"Ter uma compreensão das ameaças digitais que existem na região é importante para poder reagir e agir", disse Rafael Bonifaz, líder do Programa Latino-Americano de Segurança Digital e Resiliência em Direitos Digitais e editor do relatório, à LatAm Journalism Review (LJR).

"É importante fazer essa pausa, analisar o que aconteceu e ter uma compreensão mais profunda do que está acontecendo conosco. Normalmente temos um escândalo por semana, nos horrorizamos e na semana seguinte há outro escândalo, esquecemos o anterior e é assim que seguimos".

O Olad é formado pela Fundação InternetBolivia.org da Bolívia, Escola de Ativismo, Instituto Nupef e MariaLab do Brasil, Fundação Colnodo e Karisma da Colômbia, Escritório de Tecnologias Comunitárias e Comunicação Feminista LaLibre.net do Equador, Social TIC e Sursiendo do México, Conexão Segura da Venezuela e Código Sul, Fundação de Direitos e Acesso Digitais de âmbito regional.

O relatório está disponível em espanhol, inglês e português.

Desinformação e interceptações telefônicas

Segundo o relatório, a desinformação é um fenômeno que se repete em toda a região e representa um dos maiores desafios do ecossistema digital.

O relatório destaca casos de desinformação em comunidades rurais na Bolívia, Peru e El Salvador. Em particular, concentra-se no caso da Bolívia, onde três cidades indígenas (Villa Tunari, Cochabamba; Yacapaní e Montero, Santa Cruz), centros de partidos políticos que mantêm tensões contínuas, registraram censura e violência devido à desinformação disseminada nas redes sociais.

O documento também destaca propostas legislativas na Colômbia e no Brasil que buscam a remuneração pelos conteúdos jornalísticos por parte das plataformas onde são compartilhados, assim como regular o uso indiscriminado de inteligência artificial, que facilita a criação de informações falsas.

As interceptações telefônicas, por sua vez, são um padrão que se repete na América Latina. O relatório menciona dois casos emblemáticos que, embora não tenham acontecido no período analisado, tiveram desdobramentos. Em primeiro lugar, a interceptação ilegal pelo software Pegasus do telefone da jornalista mexicana Carmen Aristegui. No início de 2024, um juiz federal declarou inocente a única pessoa acusada de espionagem.

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Em fevereiro de 2024, o site do Indómita foi hackeado, e os jornalistas do veículo baseado em Guayaquil foram forçados a adotar novas medidas para proteger sua segurança digital. (Foto: Publicação do Indómita no X)

Em segundo lugar, a batalha judicial contra a NSO, fabricante do programa de espionagem Pegasus, movida por jornalistas de El Faro, em El Salvador, que tiveram suas comunicações interceptadas. Em meados de 2024, as gigantes Microsoft e Google apresentaram cartas de apoio ao El Faro perante um tribunal da Califórnia.

"As maiores ameaças digitais ao jornalismo na América Latina são, por um lado, a desinformação e a censura. Por outro lado, o ataque direto aos jornalistas para intimidá-los e fazê-los parar de trabalhar ou prejudicar suas investigações", disse Bonifaz.

Juan Manuel Casanueva, diretor executivo da Social TIC no México, uma das organizações colaboradoras do relatório, concorda com isso. Para ele, uma das maiores ameaças digitais ao jornalismo hoje são "ecossistemas com agentes relevantes de desinformação como Elon Musk no X ou outros representantes governamentais e grupos ideológicos".

O relatório conclui que os principais atores responsáveis pelas ameaças são os governos, os grupos anti-direitos que ameaçam a liberdade de expressão online, os atores criminosos presentes no ciberespaço e indivíduos que manifestam expressões de sexismo e racismo.

No entanto, há comparações e padrões que os criadores do relatório não conseguiram estabelecer devido à natureza dos dados de cada organização colaboradora. Por exemplo, apenas três das organizações gerenciam linhas diretas e oferecem apoio e resposta em casos de violência digital de gênero. Portanto, há uma subnotificação de casos nessa área.

Proteja-se e não subestime os ataques

Entre dezembro de 2023 e março de 2024, a Indómita Media recebeu mais de 300 infecções por malware em seu site. Os ataques os deixaram, em uma ocasião, 15 dias fora do ar.

"Agora os jornalistas no Equador estão cada vez mais expostos a ataques que vão desde os mais simples, como autocensura e bloqueio de informações, até casos mais graves, como ameaças digitais", disse Thalíe Ponce, diretora e fundadora da Indómita Media, à LJR.

A LaLibre.net, organização colaboradora do relatório, forneceu à Indómita Media um novo servidor e uma infraestrutura tecnológica mais robusta e acessível. Isso também proporciona ao veículo uma comunicação mais fluida com os especialistas em caso de novos ataques.

"Um aprendizado importante que tivemos foi não subestimar esse tipo de ataque", disse Ponce. "Também é importante ter comunicação constante com organizações da sociedade civil. Eles enfrentam há mais tempo situações que talvez o jornalismo, pelo menos no Equador, não tenha enfrentado tão diretamente até anos recentes".

Traduzido por André Duchiade
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