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Todos os poderes do Estado estão em guerra contra o jornalismo no Peru, alertam defensores da imprensa

Rosana Cueva, diretora de dois dos maiores canais de televisão do Peru - América TV e Canal N -, diz que se acostumou a receber diversas formas de intimidação por seu trabalho, o que, embora considere irritante, aceita como parte da profissão.

No entanto, quando a Procuradoria Especializada em Crimes contra o Crime Organizado de Lima anunciou, em janeiro de 2025, que ela estava oficialmente investigada por "tráfico de dados pessoais" e "organização criminosa", sua percepção mudou. A gravidade dos crimes pelos quais ela está sendo investigada poderia avançar a tal ponto que sua casa poderia ser invadida, suas comunicações privadas poderiam ser acessadas e, claro, ela poderia ser presa.

O caso é apenas um exemplo do que as organizações que defendem a liberdade de imprensa identificam como ataques e perseguições do Estado contra a imprensa do país. Esses ataques se materializam em ações judiciais, leis restritivas e ataques verbais de políticos, inclusive da própria Presidente.

No caso de Cueva, ela e dois outros jornalistas – Eduardo Quispe [ex-repórter da América TV] e Humberto 'Beto' Ortiz [jornalista freelancer] – são investigados após Zamir Villaverde, um empresário com antecedentes criminais e colaborador próximo do ex-presidente Pedro Castillo, processá-los em novembro de 2024 por presumida organização criminosa.

Quando os veículos de comunicação dos jornalistas se recusaram a remover artigos que investigavam os laços políticos e os antecedentes de Villaverde, este entrou com uma ação alegando que os jornalistas pagaram a um colaborador efetivo da Procuradoria-Geral da República em sua investigação contra o ex-presidente Pedro Castillo. Villaverde os acusou de pagar por exclusividades, algo que os três profissionais de imprensa negam.

"O surpreendente foi que a promotoria o ouviu e abriu uma investigação", disse Cueva.

Ataques em todas as frentes

Defensores da imprensa dizem que os jornalistas não são atacados apenas em tribunal.

Zuliana Lainez, presidente da Associação Nacional de Jornalistas (ANP), disse à LatAm Journalism Review (LJR) que os poderes Executivo, Judiciário e Legislativo do país têm jornalistas na sua mira.

"Dissemos literalmente e documentamos que o jornalismo neste momento no Peru está sitiado porque é atacado por todos os poderes do Estado", disse Lainez.

Algo com que concorda o Conselho de Imprensa Peruano (CPP, na sigla em espanhol). Como contou à LJR Rodrigo Salazar Zimmermann, diretor executivo do CPP, o Ministério Público e o Judiciário são a "principal frente de agressão" à imprensa. O Ministério Público abre investigações contra jornalistas e autoriza diligências que o CPP considera que não deveriam ter sido aprovadas. O Judiciário, por outro lado, aceita denúncias "absolutamente malucas" e não avança na investigação de crimes contra jornalistas, inclusive os cometidos há mais de 30 anos, disse Salazar.

Exemplo disso, dise Salazar Zimmermann, é que não houve avanços na investigação do assassinato do jornalista Gastón Medina ocorrido em 20 de janeiro de 2025.

Enquanto isso, o atual Congresso avalia propostas de lei que afetam a imprensa a cada 60 diaa.

Uma delas, por exemplo, foi aprovada pelo Congresso em 12 de março e promulgada pela Presidente em 14 de abril. A Lei nº 32.301, conhecida como 'anti-ONG', recebeu a rejeição de organizações que defendem a liberdade de imprensa e jornalistas no país e no mundo devido aos efeitos nocivos à profissão.

Segundo esta lei, a Agência Peruana de Cooperação Internacional (APCI) pode censurar e bloquear investigações jornalísticas financiadas pela cooperação internacional, segundo jornalistas. Isso também afeta os veículos de mídia que recebem este tipo de apoio financeiro.

Além disso, em 13 de março, o Congresso aprovou em primeira votação mais uma lei que aumenta penas para o crime de difamação e calúnia e que poderia levar um jornalista a cumprir penas de até cinco anos de prisão. Ainda está na pauta do Congresso para uma segunda votação.

Soma-se a isso os constantes ataques verbais do Poder Executivo, que acusa constantemente a mídia e os jornalistas de "golpistas", "marmeleros" (quem recebe dinheiro em troca de publicações) e até "terroristas de imagem".

"Com a dificuldade de usar a palavra terrorista em um país como o nosso", disse Lainez.

No dia 3 de março, a Presidente Dina Boluarte acusou a "má imprensa" e a Procuradoria-Geral da República de conluio para dar um "golpe branco".

Além deste discurso agressivo, Salazar Zimmermann disse que durante os protestos contra Boluarte entre dezembro de 2022 e janeiro de 2023, mais de 100 jornalistas foram espancados, perseguidos e ameaçados pela polícia durante a cobertura dos protestos. Segundo Salazar Zimmermann, não há investigações abertas sobre estes ataques.

"Então temos todo um Estado contra a imprensa que, para usar a palavra de Dina Boluarte, eu diria que o Estado peruano deu um golpe de estado branco contra a imprensa no Peru", disse Salazar Zimmermann.

A LJR solicitou comentários sobre essas denúncias às assessorias de imprensa da Presidência, do Poder Executivo, do Poder Legislativo e da Procuradoria-Geral da República, mas não obteve resposta de nenhuma entidade.

Uma "grave" deterioração das liberdades

A deterioração da liberdade de imprensa no Peru também foi notada por diferentes organizações a nível internacional.

O mais recente Índice Chapultepec da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), que estuda anualmente a situação da liberdade de imprensa no continente, "confirmou um sério retrocesso nas liberdades de imprensa e de expressão no Peru", disse à LJR Carlos Lauría, diretor executivo da SIP. O país despencou da 12ª para a 16ª colocação entre 22 países e atingiu a categoria "alta restrição".

Esse não foi o único índice a apontar isso. No Índice Mundial de Liberdade de Imprensa realizado anualmente pela Repórteres Sem Fronteiras (RSF), o Peru teve uma queda livre: do 77º lugar em 2022 passou para o 110º em 2023. E em 2024 já estava no 125º lugar entre 180 países.

A SIP realizou uma visita de três dias ao país em março passado, onde pôde verificar no terreno as informações que receberam sobre a situação da imprensa no país, disse Lauría. A associação saiu tranquila pela resposta que recebeu do Estado e pela abertura que teve para receber as suas preocupações, como quando a Presidente do Poder Judiciário, Janet Tello Gilardi, assinou as duas declarações da SIP (Chapultepec e Salta II) em demonstração de compromisso com a liberdade de imprensa e expressão.

No entanto, Lauría disse que os representantes da SIP acharam "muito decepcionante" que no dia seguinte depois de saírem, a nova "lei da mordaça" que criminaliza a difamação foi aprovada.

"Como fato positivo, vimos que a sociedade civil, as organizações que defendem os jornalistas, estão na primeira linha de defesa", disse Lauría. "É importante dar visibilidade a este problema, porque é evidente que não afeta apenas um setor da população, a profissão jornalística, mas afeta toda a sociedade".

Lauría apelou à comunidade internacional para que se concentre no Peru, especialmente devido às eleições que o país terá no próximo ano.

"É importante dar visibilidade a isso, uma vez que o agravamento da situação política e institucional [no Peru] teve um impacto muito, muito prejudicial sobre a liberdade de expressão", disse Lauría.

Traduzido por André Duchiade
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