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Aulas de empreendedorismo chegam a currículos dos cursos de jornalismo na América Latina

Durante 10 semanas, estudantes de quatro províncias da Argentina aprenderam sobre ideação, pensamento de produto, sustentabilidade, modelo de negócios, design centrado no público, branding, pitch e gestão, entre outros temas, como parte da primeira edição do Laboratório Universitários de Meios (Labu), uma iniciativa da organização de apoio ao jornalismo digital SembraMedia.

Orientados por um grupo de mentores e seus próprios professores – que também receberam formação em ensino de jornalismo empreendedor – as equipes trabalharam de outubro a dezembro de 2024 no desenvolvimento de um produto mínimo viável (MVP). O projeto vencedor foi o de uma equipe da província de San Luis: um veículo de jornalismo investigativo chamado "Investigación en curso".

Students attend a class taught by Mexican journalist and professor Abraham Torres.

Estudantes assistem a uma aula ministrada por Abraham Torres, jornalista e embaixador da SembraMedia no México. Torres destacou a importância de manter os professores atualizados sobre o empreendedorismo no jornalismo. (Foto: Cortesia de Abraham Torres).

"O apoio aos professores é um diferencial", disse à LatAm Journalism Review (LJR) Gamarí Ramos Sánchez, gerente de projetos da área educacional da SembraMedia. "Para as equipes que tinham seus professores mais próximos, ou pelo menos que participavam dos webinários, [o suporte] foi um diferencial na hora de desenvolver seus protótipos de MVP".

Experiências como o Lab u, cuja segunda edição começa em maio com estudantes da Bolívia, demonstram o crescente interesse pelo empreendedorismo no jornalismo nas universidades latino-americanas e evidenciam o importante papel que os professores desempenham.

Entre 2017 e 2022, os cursos de jornalismo empreendedor nos países de língua espanhola aumentaram 15%, segundo o "Punto de Partida II", um estudo preparado pela SembraMedia.

"Percebemos que a partir de 2019, quando começamos a falar sobre esse tema e compartilhá-lo com os professores, eles começaram a colocar essa questão em pauta em suas universidades para que pelo menos uma dessas disciplinas fosse incluída no currículo dos cursos de comunicação", disse à LJR Abraham Torres, jornalista e acadêmico especializado em jornalismo empreendedor e embaixador da SembraMedia no México.

Professores da região disseram à LJR que ensinar o lado empresarial do jornalismo é uma habilidade necessária, especialmente diante de crises financeiras, da concentração da mídia e do crescimento de públicos não atendidos.

Ao mesmo tempo, eles concordam que o ensino de habilidades de empreendedorismo no jornalismo enfrenta limitações em termos de tempo, recursos e desenvolvimento profissional. Eles também acreditam que mudanças estruturais dentro das universidades são necessárias para que o ensino dessas disciplinas tenha um impacto positivo no futuro do jornalismo.

Crescimento do empreendedorismo no jornalismo

Argentina, Colômbia e México são os países onde as universidades incorporaram mais cursos relacionados a jornalismo e empreendedorismo, de acordo com o relatório "Punto de Partida II". Eles também são os países com o maior número de startups de mídia digital, segundo o diretório da SembraMedia.

A Argentina, juntamente com Equador e Espanha, foi pioneira na oferta de cursos de empreendedorismo e jornalismo desde o século passado, segundo o relatório da SembraMedia.

A crise econômica dos anos 2000 na Argentina incentivou a recuperação e a autogestão de empresas e fábricas pelos trabalhadores como forma de sobrevivência econômica. Isso plantou a semente da autogestão em outros setores, incluindo a mídia.

India Molina, jornalista e diretora do programa de jornalismo da Escola de Comunicação ETER, um instituto técnico profissional em Buenos Aires, disse que a mídia tradicional também não estava conseguindo representar os interesses da sociedade.

"Nunca tínhamos pensado na informação como parte de um sistema produtivo. Todas essas realidades nos fizeram ver que também o éramos", disse Molina à LJR. "Como resultado dessas experiências de autogestão entre os trabalhadores, começamos a pensar que a mídia também poderia ser autogerida e administrada pelos próprios trabalhadores, com os interesses e a agenda da classe trabalhadora".

Molina começou a lecionar a disciplina de autogestão na mídia na universidade em 2013.

Laila Abu Shihab, cofundadora do veículo colombiano de jornalismo investigativo digital Vorágine e professora da Universidade Externado da Colômbia em Bogotá, disse que depois de concluir um programa de treinamento em jornalismo empreendedor para professores ibero-americanos em 2020, oferecido pela SembraMedia, ela sugeriu que a sua universidade criasse um curso sobre empreendedorismo e jornalismo.

"Depois que surgiu essa formação com a SembraMedia e a Vorágine, fui percebendo que outras universidades estavam começando a criar cursos sobre empreendedorismo no jornalismo", disse Shihab à LJR. "Lembro-me de dizer à reitora: 'Não é possível que em 2022 os estudantes não tenham a oportunidade de aprender a ser empreendedores'. E ela meio que descartou a ideia; ela não via necessidade disso".

Em julho de 2022, uma nova reitora deu sinal verde para a ideia e pediu que Shihab desenvolvesse o curso. Foi assim que surgiu a disciplina "Criação de Empresas Jornalísticas", que Shihab continua ministrando até hoje. A jornalista disse que a maioria das universidades de Bogotá que têm programas de comunicação social e jornalismo já oferece um curso semelhante.

Investigación en Curso es un sitio de periodismo de investigación creado por estudiantes universitarias de la provincia de San Luis, Argentina, como parte de la iniciativa LABU, de SembraMedia.

Investigación en Curso é um site de jornalismo investigativo criado por estudantes universitários da província de San Luis, na Argentina, como parte da iniciativa LABU da SembraMedia. (Foto: Captura de tela)

"Em 2019, 2020, ou mesmo em 2021, ter um curso de empreendedorismo em jornalismo era raro, era meio arriscado", disse Shihab. "Na verdade, as universidades na Colômbia estão preocupadas com essa questão há uns cinco anos".

Progresso, mas com desafios

Embora a convicção da necessidade de ensinar essas disciplinas continue a crescer, as burocracias e os processos universitários impedem que os currículos sejam atualizados no ritmo que a realidade do jornalismo exige, concordaram Molina e Torres.

No México, por exemplo, as universidades públicas levam entre 8 e 10 anos para atualizar os seus currículos, disse Torres, que é presidente do Conselho Nacional de Ensino e Pesquisa em Ciências da Comunicação do México (CONEICC). Algumas nem mudaram seus currículos em 20 anos, acrescentou.

"Se a governança institucional não entender as mudanças dinâmicas pelas quais não apenas a indústria, mas também toda a comunicação e o jornalismo estão passando, será muito difícil fazer mudanças estruturais desde o início", disse Torres.

Isso significa que muitos programas de jornalismo continuam a formar profissionais para buscar trabalho em grandes veículos de comunicação, enquanto cada vez menos estudantes querem trabalhar como funcionários, disse Shihab.

"Os jovens de hoje realmente têm interesse em empreendedorismo porque cada vez menos querem ser empregados e fazer estágios, por exemplo, na mídia tradicional na Colômbia", disse Shihab. "Muitos deles também procuram as aulas por causa dessa tendência de abrir o próprio negócio e ser o próprio chefe. Mas isso vai além de uma tendência e precisa ser sustentável".

Quem na região ensina empreendedorismo no jornalismo?

Outros desafios enfrentados pelo ensino do empreendedorismo no jornalismo na América Latina incluem professores que precisam atualizar constantemente seus conhecimentos, alguns que são obrigados a conciliar vários empregos com as suas funções de ensino e uma escassez de professores com experiência profissional em empreendedorismo na mídia.

O relatório "Punto de Partida II" indicou que a tecnologia, a dinâmica da informação e a crise do jornalismo exigem uma revisão constante das competências técnicas e da modernização tecnológica, o que nem todos os professores podem fazer.

"Um professor que não está atualizado terá dificuldade em ajudar os alunos ou fornecer a eles o conteúdo de que precisam para sua educação", disse Torres. "Um estudante que ingressa agora em agosto de 2025 se formará na universidade em 2029. Se um professor de jornalismo não sabe o que acontecerá em 2029, ou quais mudanças ocorrerão no setor, será difícil formar um estudante que consiga lidar com essa realidade".

Além disso, 51% dos professores entrevistados para o "Punto de Partida II" relataram ter um emprego além de lecionar. Destes, apenas 13% administram o seu próprio veículo de comunicação. Entre as atividades adicionais mais frequentemente mencionadas estão consultoria, pesquisa e emprego na mídia.

Shihab disse que há uma necessidade crescente nas salas de aula de que os professores de empreendedorismo no jornalismo sejam profissionais com experiência pessoal na criação de veículos de notícias.

A jornalista disse que o conhecimento que ela transmite em suas aulas é baseado no treinamento que recebeu na SembraMedia, mas também em sua própria experiência como fundadora da Vorágine.

"No início, as pessoas que ministravam aulas neste curso eram jornalistas muito dedicados, que talvez até tivessem feito carreira no jornalismo, mas não sabiam o que significava empreendedorismo, que eram funcionários", disse Shihab. "Agora está ficando claro que o que os estudantes estão exigindo é que aqueles que ensinam essas disciplinas nas universidades tragam experiência prática para a área em que atuam".

Molina disse que, pelo que observou, cada vez mais professores na Argentina têm ou tiveram experiências autogeridas na mídia. Na sua opinião, essa experiência é importante porque acrescenta um componente inspiracional à sala de aula.

"O programa inclui compartilhar experiências de autogestão e não apenas apresentar a eles o modelo de negócios, o plano de ação... Claro, não para pintar um mundo ideal para eles, mas também para apresentar os desafios, oportunidades e necessidades", disse Molina. "Os alunos ouvem essas experiências de seus professores, e esse entusiasmo se espalha.  O que essas gerações entendem mais precocemente é como as coisas funcionam em geral e que é possível fazer isso".

Traduzido por André Duchiade
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