No Brasil, aproximadamente 20,6 milhões de pessoas — o equivalente a 10,2% da população — vivem hoje em desertos de notícias, municípios sem nenhum veículo de comunicação local.
Isso representa uma redução de 7,7% em relação a dois anos atrás, quando a última edição do Atlas da Notícia foi lançada.
A mudança, em parte, se deve ao surgimento de iniciativas de jornalismo digital em áreas antes silenciadas, disse Sérgio Lüdtke, coordenador da equipe de pesquisa do Atlas de Notícias.
“As últimas edições do Atlas provam essa tendência [de redução dos desertos]”, disse Sérgio Lüdtke, coordenador da equipe de pesquisadores do Atlas da Notícia, à LatAm Journalism Review (LJR). “A fragilidade está na consistência dos negócios que surgem nas áreas silenciadas.”
O levantamento, realizado entre outubro de 2024 e junho de 2025, analisou 5.570 municípios e identificou 2.504 como desertos de notícias. Isso significa que, em média, de cada 20 municípios brasileiros, nove são desertos de notícias.
Em dois anos, 251 municípios deixaram de ser classificados como desertos de notícias, enquanto 43 entraram nessa categoria.
“Um município não é um deserto de notícias por acaso. Há ali uma série de obstáculos que impedem o surgimento e continuidade das iniciativas jornalísticas. Estamos falando de sustentabilidade financeira, mas também de segurança para os jornalistas e de falta de apoio da sociedade e do poder público”, disse Lüdtke. “Sempre digo que informação deveria ser política pública e tratada na mesma linha de educação, saúde e segurança.”
Na última edição do Atlas, divulgada em agosto de 2023, também houve uma redução de desertos de notícias no país, de 8,6%. Foi a primeira vez desde que a pesquisa começou a ser realizada, em 2017, que o número de municípios considerados desertos foi menor do que o de cidades que contam com ao menos um veículo de comunicação jornalística servindo a sua população.
A redução de municípios sem cobertura jornalística local é resultado principalmente do surgimento de novas iniciativas digitais nos territórios silenciados, conforme explicou Lüdtke. Ele também destacou o crescimento do rádio, especialmente em áreas com acesso limitado à internet, e a inclusão gradual de rádios comunitárias que produzem notícias na base do Atlas da Notícia.
“Há uma transformação digital acelerada, com a substituição de veículos impressos por digitais, o que, de alguma maneira, impede que alguns municípios se transformem em desertos noticiosos”, disse o jornalista.
Segundo os dados do Atlas, o número de projetos digitais subiu de 5.245 para 5.712, um crescimento de 8,9% em relação ao último levantamento. Entre os veículos online, 1.856 — um terço de todo o segmento — estão registrados na base de dados do Atlas como sendo iniciativas individuais ou blogs. Além da troca de veículos impressos por digitais, outra tendência evidenciada pelo levantamento foi um movimento de migração de sites de notícias com hospedagem própria para plataformas de redes sociais.
“Muitas dessas novas iniciativas online operam exclusivamente em plataformas de redes sociais, sem um site âncora, elas têm um escopo local, operam de modo independente, têm estrutura muito enxuta, muitas são iniciativas individuais, e todas têm um desafio gigantesco de buscar sustentabilidade operando em lugares que oferecem reduzidas possibilidades de diversificação de modelos de financiamento”, disse Lüdtke.
A redução mais acentuada de desertos de notícias, em números absolutos, foi no Nordeste. Na região, 143 municípios deixaram de ser considerados desertos e 283 novas iniciativas locais foram incorporadas à base do Atlas, um crescimento de 10,96% em relação ao levantamento anterior.
Ainda assim, a região tem, em números absolutos, o maior número de desertos de notícias, com 890 municípios sem registro de jornalismo local, o equivalente 49,61% do total de municípios nordestinos.
“Sudeste e Sul também tiveram redução considerável de desertos. Esses resultados podem ser explicados pelo crescimento do online, segmento em que há poucos obstáculos econômicos e tecnológicos de entrada, pela adição de algumas rádios, principalmente comunitárias, à base do Atlas”, disse Lüdtke. “Também por um número maior de colaboradores, o que nos ajudou a desbravar mais amplamente as áreas consideradas desertos. Mas há que se ressaltar a resistência do jornalismo e o propósito de servir aos cidadãos que é inerente ao nosso campo.”
Entre as iniciativas que passaram a fazer parte da base do Atlas nesta edição, está a Coar Notícias, projeto de checagem com foco no Nordeste e Norte do Brasil. Sediada no Piauí, um dos estados mais pobres do país, o veículo publica atualmente duas checagens por semana e uma reportagem por mês. A Coar também mantém um podcast com reportagens especiais mensais e distribui checagens em áudio para para quase 200 rádios locais.
A maior parte da equipe é voluntária e não atua integralmente no projeto. Três membros são remunerados e o time também é formado por três pessoas com deficiência visual, sendo duas com deficiência visual total.
Marta Alencar, fundadora da Coar, disse à LJR que mantém o projeto com editais e recursos próprios.
“Trabalho para remunerar alguns membros, mas ninguém me paga”, disse ela. “O que já é um grande desafio para quem lidera projetos independentes, porque não é fácil conseguir recursos suficientes para manter o projeto ativo.”
A falta de recursos financeiros fez com que a equipe produzisse menos conteúdo, disse ela.
Alencar disse que trabalhar com jornalismo e verificação em regiões consideradas desertos ou quase desertos de notícias é um grande desafio na medida em que muitas vezes tem que explicar às pessoas que vivem nesses lugares o que é checagem porque muitas vezes elas não sabem nem distinguir o que é notícia do que é opinião.
Como a equipe da Coar é pequena e a maioria dos membros trabalha voluntariamente, os esforços para alcançar mais pessoas são limitados, ela acrescentou.
Sobre a diminuição dos desertos de notícias no Nordeste e o aumento de iniciativas digitais mapeadas pelo Atlas, Alencar diz que os próprios moradores têm interesse em se informar sobre o que acontece em suas cidades por grupos de WhatsApp. Porém, ela alerta que para além das iniciativas elencadas pelo Atlas, nem sempre há informações checadas e verificadas.
“Os desertos de notícias não são desertos informativos, ou seja, há informação circulando ali, mesmo sem jornalista”, disse ela. “Aumentou o número de sites e páginas locais, mas isso não representa informação de qualidade e independente localmente.”
“Produzi um artigo em 2023 e citei um quase deserto de notícias no Ceará, que só tinha um veículo na cidade, um site produzido por um diretor de Comunicação da Prefeitura”, ela continuou. “Ele ganhava mais de R$10 mil por mês e não publicava uma matéria verificando informações, apenas replicava os releases e ainda tinha anúncios da Prefeitura em seu site.”
Lüdtke disse que esse fenômeno do poder público passar de fonte para veículo de informação ao invés de estimular políticas públicas que incentivem ou apoiem a permanência da imprensa local é uma característica comum da internet e tem ficado mais evidente no âmbito municipal.
“Não há políticas públicas que incentivem ou que apoiem a permanência de veículos jornalísticos locais. O poder público, em vez disso, tem se tornado concorrente de iniciativas jornalísticas mantendo sites em que divulga informações locais de interesse das prefeituras”, disse o coordenador da equipe de pesquisa do Atlas.
Mesmo com os números positivos, o jornalismo online não passa incólume pelos desafios do mercado. Desde o início do mapeamento, o Atlas detectou o fechamento de 651 veículos online, sendo que 334 fecharam desde a última pesquisa, de 2023.
“O Atlas não investigou as razões dos fechamentos em geral, mas, outros estudos que promovemos mostram que os desafios não vencidos da sustentabilidade econômica são o fator determinante”, disse Lüdtke. “Algumas vezes isso se dá pelo despreparo dos fundadores com fundamentos de gestão, em outras porque não foi possível encontrar no território fontes de financiamento que pudessem garantir a continuidade dessas iniciativas.
A base do Atlas da Notícia conta atualmente com 14.809 veículos jornalísticos em atividade no Brasil, distribuídos entre 5.712 veículos online, 4.994 rádios, 2.852 meios impressos e 1.251 emissoras de televisão.