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Novo veículo peruano desvenda o crime como fenômeno social na América Latina

Assim como em português, a expressão "à margem" pode se referir a um lugar cujas áreas circundantes estão no limite, indicar que alguém ou algo não está envolvido em uma questão e até ser usada como sinônimo de marginalização ou exclusão.

Desde 1º de junho, o termo Al Margen também é o nome de um novo meio de comunicação digital que investiga crimes urbanos, rurais e transfronteiriços no Peru e na América Latina.

"Todos os temas que abordamos têm a ver, de uma forma ou de outra, com as margens em diferentes contextos", disse Pamela Huerta Bustamante, jornalista investigativa e cofundadora da Al Margen, à LatAm Journalism Review (LJR). "Margens sociais, como em questões de segurança, violência. Margens devido às fronteiras dentro das quais trabalhamos, que muitas vezes parecem distantes. Etambém questões que são marginalizadas na conjuntura atual e na agenda pública porque não há tempo, recursos ou interesse".

Até agora, o veículo publicou reportagens sobre o cultivo de coca e processamento de drogas na floresta amazônica peruana, sobre o tráfico de ovos de tartarugas de rio da Bolívia para o Peru e sobre o tráfico de madeira na selva boliviana. Nessas investigações eles contaram com o apoio do premiado projeto de jornalismo transfronteiriço Amazon Underworld.

Huerta disse que o Al Margen busca romper com a tradição de tratar questões relacionadas ao crime com uma abordagem punitivista.

"Queremos falar sobre crime, mas não com a narrativa policial básica de policiais e ladrões, e sim falar sobre crime como o que ele é: um fenômeno social", disse a jornalista.

O Al Margen tem uma pequena equipe de apenas três pessoas. Além de Huerta, Alonso Marín Jiménez é responsável pelo gerenciamento de conteúdo, e José Luis Huacles Unocc é analista de dados. Todos os três faziam parte da equipe de jornalismo de dados do La República, um dos jornais mais importantes do Peru. Agora se dedicam integralmente ao novo veículo.

A equipe disse que quer, à medida que cresce, atingir um cronograma de publicação semanal para suas pesquisas, com um componente significativo não apenas de reportagens feitas em campo, mas também de análise de dados.

"Há uma necessidade de jornalistas investigativos no Peru criarem seus próprios espaços para falar sobre temas específicos, como no nosso caso com a criminalidade. Os espaços são frequentemente limitados no jornalismo tradicional", disse Huacles Unocc à LJR. "Esses empreendimentos são necessários porque não há muitos lugares para fazer jornalismo investigativo, muito menos jornalismo de dados".

Aliança com o Amazon Underworld

Ao acessar o site do Al Margen, você verá diversas seções, como segurança, crimes ambientais, sem provas, especiais e opinião. Uma das reportagens publicadas na seção de segurança e assinada por Huerta foca na expansão do Comando Vermelho (CV), organização criminosa brasileira com tentáculos na região amazônica do Peru.

Huerta viajou para lugares como a prisão de Pucallpa e comunidades remotas na bacia do rio Abujao, onde o CV estabeleceu uma rede de tráfico de drogas envolvendo jovens, comunidades indígenas e mulheres.

A reportagem é acompanhada de fotografias e mapas que mostram a trajetória da jornalista e os locais tomados pela organização criminosa.

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Pamela Huerta Bustamante, jornalista investigativa cofundadora do Al Margen. (Foto: Al Margen)

Este trabalho foi realizado em parceria com o Amazon Underworld, um projeto de jornalismo investigativo transfronteiriço que, desde 2022, se dedica a mapear a presença de redes criminosas na Amazônia, mensurar seu impacto e destacar as histórias humanas por trás dos crimes na região.

O Al Margen é o mais novo veículo de comunicação que faz parte do Amazon Underworld. Também da iniciativa o Armando.Info, da Venezuela, o InfoAmazônia, do Brasil, La Barra Espaciadora, do Equador, Liga Contra el Silencio, da Colômbia, e a Red de Información Ambiental (RAI), da Bolívia.

"Decidimos trabalhar com o Al Margen porque já havíamos trabalhado com a equipe deles, que são jornalistas e pesquisadores excepcionais e trarão muitas coisas positivas para o jornalismo investigativo e amazônico", disse Bram Ebus, cofundador do Amazon Underworld, à LJR. "A experiência deles em ambos os territórios e sua habilidade em trabalhar com dados fazem do Al Margen uma ótima opção para nossa parceria".

Ebus disse que o Al Margen é um meio que dará sentido e fornecerá a um público amplo um relato dos motivadores, redes e intercâmbios envolvidos em crimes ambientais e economias ilícitas dentro da floresta tropical.

Protocolos de segurança

Exercer jornalismo na América Latina se tornou uma profissão de alto risco. Segundo a Repórteres Sem Fronteiras (RSF), entre janeiro e julho de 2025, pelo menos 13 jornalistas foram assassinados na região simplesmente por exercerem sua profissão e fornecerem informações de interesse público às populações de seus respectivos países.

Dois desses assassinatos foram registrados no Peru.

A equipe do Al Margen disse que está ciente dos riscos, mas mantém altos padrões em seus protocolos de segurança.

"Quando você está em campo, por vários motivos, nunca está completamente seguro", disse Huerta. "É impossível garantir 100% de segurança, mas levamos essa questão em consideração e tentamos tomar todas as precauções possíveis".

Entre as medidas tomadas está o monitoramento por satélite. Enquanto Huerta faz reportagens em áreas remotas, Marín Jiménez está em Lima monitorando sua localização. Isso acarreta custos adicionais de pesquisa.

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José Luis Huacles Unocc, analista de dados, e Alonso Marín Jiménez gerente de conteúdo no Al Margen (Fotos: Al Margen)

 

 

"A segurança é um componente dos nossos orçamentos e propostas", disse Huerta. "Mas é importante que isso seja validado pelas organizações que contatamos para que possam financiar esta pesquisa."

Modelo de negócios

As negociações para criar a Al Margen começaram em meados do ano passado, quando Huerta contatou Marín Jiménez.

"Tudo começou quando Pamela me escreveu do nada, após um longo período de silêncio, e disse: 'Ei, tenho uma ideia'", disse Marín Jiménez. "José Luis se juntou a nós ao longo do caminho, e depois de muitas dificuldades de todos os tipos — administrativas e pessoais — chegamos a este ponto".

Para cobrir despesas administrativas, como criação de negócios, branding, etc., os jornalistas tiveram que investir dinheiro do próprio bolso.

Além disso, receberam consultoria da SembraMedia, uma organização que trabalha há uma década para fortalecer a sustentabilidade da mídia digital independente na América Latina.

Apesar dos cortes na ajuda externa que impactaram o jornalismo latino-americano nos últimos meses, Marín Jiménez afirmou que o modelo de negócios do Al Margen se concentrará na captação de recursos por meio de parcerias, subsídios, bolsas de estudo e consultoria. A organização também buscará implementar campanhas de doações da audiência no futuro.

"Para isso, precisamos criar uma comunidade e, obviamente, queremos corrigir todos os erros que cometemos ao longo do caminho", disse Marín Jiménez. "Porque acreditamos que o jornalismo que fazemos é importante, relevante, e estamos relatando nossas histórias com muito cuidado, responsabilidade e transparência".

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