Com a crescente popularidade dos podcasts, jornalistas frequentemente se encontram atrás do microfone para apresentar investigações ou notícias do dia.
Mas, na tentativa de compartilhar suas próprias histórias, alguns estão se voltando para esses espaços de áudio como o foco de suas reportagens.
"Os jornalistas costumam trabalhar bastante, muitas vezes em ritmo frenético, mas nem sempre param para refletir sobre a profissão, entender como outros colegas estão trabalhando, ou perceber as transformações constantes do nosso ofício", disse à LatAm Journalism Review (LJR) o jornalista brasileiro Rodrigo Alves.
Há exatos sete anos, Alves criou o podcast "Vida de Jornalista", inicialmente para conhecer mais sobre a vida de colegas que admirava.
Assim como Alves, jornalistas e organizações interessadas em liberdade de imprensa e inovação encontraram nos podcasts uma ferramenta ideal para se aproximar do público, adaptando-se aos seus hábitos de consumo.
A LJR conversou com os criadores de cinco podcasts da região que abordam rotinas jornalísticas, ameaças à liberdade de imprensa, recursos legais e até mesmo como as redações estão incorporando tecnologias em constante evolução.
Em 2012, enquanto cobria os Jogos Olímpicos de Londres e convivia com colegas que admirava profundamente, o jornalista brasileiro Rodrigo Alves sentiu vontade de documentar todas as histórias "dos bastidores" da profissão: como era aquela produção, quais métodos usavam, que histórias causaram impacto.
Porém, naquela época Alves "ainda nem escutava podcasts" e a alternativa de produzir em vídeo parecia muito complicada. A ideia não morreu, mas ficou guardada até 2018, quando começou a produzir um podcast de basquete para o portal esportivo da TV Globo. Ao conhecer esse universo, em agosto daquele ano nasceu o "Vida de Jornalista", com uma primeira temporada de 50 episódios semanais.
O jornalista brasileiro Rodrigo Alves
"Talvez esse seja um objetivo pretensioso, mas o propósito do 'Vida de Jornalista' é, de alguma forma, documentar o trabalho jornalístico no Brasil em diversas áreas. O que eu quis desde o início foi produzir um banco de episódios que seja útil para estudantes de jornalismo, para jornalistas formados e também para pessoas que não são jornalistas, mas gostam de boas histórias", disse Alves.
Diferentemente da maioria dos podcasts atuais, que são conversas em formato de estúdio e geralmente acompanhadas de vídeo, o "Vida de Jornalista" tem um formato narrativo documental em áudio com roteiro, sonorização, ilustrações sonoras e trilha musical. "Isso me permite aprofundar os temas e criar uma atmosfera mais imersiva na escuta. A ideia é sempre levar o ouvinte para dentro da história", explicou.
Atualmente, prestes a completar sete anos, o podcast conta com mais de 200 episódios e quase 300 entrevistas. São quatro temporadas de episódios independentes e cinco séries temáticas: Memórias (coberturas do passado), Vidas Paralelas (sobre a vida de dois jovens jornalistas no primeiro ano da COVID-19), Eleições (cobertura da disputa política no Brasil em 2022), Perfis (trajetórias de grandes jornalistas) e Escolha (formato interativo em que os ouvintes tomam decisões jornalísticas que definem o desenvolvimento dos episódios).
Nem as temporadas nem as séries têm um número específico de episódios, mas são veiculadas a cada 15 dias. A temporada de 2025 começou em junho. A maioria dos episódios tem uma média de cerca de 3 mil reproduções, e os que tiveram maior alcance superaram as 10 mil, disse Alves.
"Não é um programa de audiência muito alta comparado a grandes podcasts narrativos", disse Alves. "Os comentários sempre são muito positivos entre os colegas, o que me deixa muito feliz. Com alguma frequência estudantes dizem que decidiram cursar jornalismo ou seguir na profissão por causa do ‘Vida’ — o que é ao mesmo tempo um pouco assustador e muito gratificante."
Embora os temas sejam locais e relacionados a questões brasileiras, grande parte aborda o jornalismo de forma geral. Então, se sua língua materna não é o português, mas você consegue quebrar a barreira do idioma, o convite está aberto a jornalistas da região.
Diante da piora da situação da liberdade de imprensa no continente, a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) decidiu lançar em julho deste ano a segunda temporada de seu podcast "Periodismo en riesgo” (Jornalismo em Risco).
Criado originalmente em 2019 para discutir jornalismo, ética, responsabilidades e até mesmo o trabalho da SIP, o podcast produziu mais de 65 episódios até junho de 2023. Inteligência artificial, mídia pública e governos, credibilidade e confiança, e lições aprendidas com grandes investigações jornalísticas como os Pandora Papers são temas centrais de uma longa lista de episódios.
O primeiro episódio da nova temporada foi lançado em 21 de julho e focou na situação do Peru. Na sequência serão abordados os casos do México, Estados Unidos e, possivelmente, Equador e Argentina.
O objetivo é aprofundar a situação de cada país onde o jornalismo envolve risco.
"Normalmente, quando falamos de ameaças à imprensa, ouvimos sobre algum incidente isolado, mas há todo um contexto que explica por que se chega a esse ponto de gravidade", disse Martha Ramos, presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa da SIP, à LJR. "Acreditamos que a conversa é o meio ideal para entender a evolução de cada situação e de cada ameaça."
O formato de podcast atraiu a SIP porque oferece "um espaço pausado, uma área aberta de conversa que consegue criar mais empatia com as pessoas", disse Ramos. Além disso, diferentemente de um programa de rádio, pode ser compartilhado e reproduzido livremente.
"Jornalismo em Risco" é produzido em espanhol e está disponível no Apple Podcast, Spotify, Deezer, Amazon Music, Acast e em breve na plataforma da SIP.
Sem dúvida, a tecnologia tem sido uma das maiores disrupções que o jornalismo já enfrentou. Sua evolução rápida e constante representa grandes desafios para redações em qualquer parte do mundo. Ciente dessa realidade, há 10 anos a empresa de telecomunicações Telecom Argentina criou o programa "Redações 5G", cuja missão é "acompanhar o trabalho jornalístico diante das novas fronteiras tecnológicas que surgem, contribuindo para a sustentabilidade dos meios de comunicação, convictos do papel essencial que desempenham para a democracia", disse à LJR Diego Fantini, gerente de imprensa da Telecom Argentina e responsável pelo “Redacciones 5G”.
Com uma equipe composta por jornalistas e especialistas em diferentes áreas, realizam workshops presenciais e virtuais sobre temas que incluem ferramentas digitais, SEO e, mais recentemente, IA. Além dos workshops, o programa conta com uma newsletter mensal, um site de e-learning e, claro, um podcast.
Criado em 2020 e convertido em videocast desde 2024, apresenta conversas com "líderes importantes da região" que trocam ideias, aprendizados e ferramentas. Por seus microfones já passaram vozes como a do falecido Mario Tascón, sócio-fundador da Prodigioso Volcán; Martin Baron, ex-editor do Washington Post; Rosental Alves, diretor do Centro Knight que publica a LJR; Jeff Jarvis, ex-professor; Mari Luz Peinado, do El País; Pepe Cerezo, diretor e escritor da Evoca Media; e Ana Paula Valacco, community manager do JournalismAI; entre outros.
Embora suas raízes estejam na Argentina, o podcast foi pensado para que qualquer redação da região possa aproveitar o que é debatido. Nas cinco temporadas do podcast, com mais de 50 episódios no total, a equipe aproveitou essas vozes especializadas para se inspirar e se animar a interagir com a tecnologia, disse Fantini.
Episódios como "As redes sociais na mídia", "A evolução do rádio no streaming de vídeo", "Louvado seja o SEO", "Jornalismo, viralidade e algoritmos" e "Os primeiros passos da IA no jornalismo" são exemplos do propósito final do podcast, segundo Fantini: a democratização da informação para acompanhar a evolução do exercício do jornalismo junto com a tecnologia.
Está disponível em espanhol no Spotify e no site institucional do “Redacciones 5G”.
O crescimento dos podcasts também foi um incentivo para a Fundação para a Liberdade de Imprensa (FLIP) da Colômbia experimentar novos formatos para comunicar e difundir o trabalho e a missão da organização.
Gravação do podcast Perifoneo pela Fundação Colombiana para a Liberdade de Imprensa. (Foto: Cortesia)
"Não apenas para alcançar novos públicos, mas também para explicar melhor o que fazemos e por que é do interesse do cidadão comum conhecer a importância de direitos como a liberdade de imprensa ou a liberdade de expressão, e por que defendê-los", disse à LJR Cristian Mora, produtor e editor do podcast "Perifoneo" da FLIP.
Lançado em 2021, "Perifoneo" está na quarta temporada, abordando uma variedade de temas, incluindo histórias em que se viola o direito à liberdade de imprensa na Colômbia e em outros países da América Latina, e até mesmo análises de temas que podem interessar audiências fora do nicho jornalístico, como saúde mental, cultura do cancelamento e inteligência artificial.
Cada temporada varia no número de episódios, mas costuma oscilar entre 7 e 10. Até o momento foram produzidos 35 episódios, com audiência predominantemente entre 28 e 34 anos. De acordo com os números, o podcast tem ouvintes em 64 países, destacando-se Colômbia, Estados Unidos, México, Espanha e Argentina.
Os episódios baseados em casos reais, com denúncias específicas e geralmente destacando o elemento humano, geram muito mais proximidade com o público, disse Mora.
"Em termos narrativos, há uma preferência por histórias como as de jornalistas e seu trabalho, como Jaime Garzón, Jineth Bedoya ou Juan Pablo Barrientos", disse Mora. "Em termos de análise, recebemos comentários de pessoas da indústria que expressaram preocupação com a saúde mental dentro das redações, o exílio enfrentado por numerosos jornalistas na América Central e, particularmente, diversas questões sobre o futuro das faculdades de jornalismo e o interesse das pessoas em continuar exercendo e estudando esta profissão."
Seu projeto mais recente é uma minissérie chamada "Depois da Censura", que narra o que acontece em municípios ou regiões da Colômbia "quando a censura se impõe", disse Mora. São histórias que os levaram a viajar para cidades como Valledupar (departamento de Cesar) e Cúcuta (Norte de Santander).
Embora haja um forte componente local, Mora destaca que no "Perifoneo" foram publicados episódios sobre a situação de jornalistas no Equador, Nicarágua e El Salvador, entre outros, e abordam temas que podem interessar a um público além das fronteiras do país, como as ameaças comuns que os jornalistas enfrentam.
Produzido em espanhol, o podcast está disponível no site da FLIP, Spotify, Apple Podcast, Pocketcast e YouTube.
Analisar tendências, estudos de caso, estratégias e ferramentas-chave para a mídia é o trabalho do Laboratório de Jornalismo da Fundação Luca de Tena, na Espanha. Era natural que também quisessem inovar com outros formatos, além do escrito, em busca de novas audiências, mas, sobretudo, para ampliar o alcance de seus conteúdos e explorar outras linguagens.
"A ideia surge de uma necessidade compartilhada por muitos profissionais: ter um espaço rigoroso, sereno e bem documentado onde pensar coletivamente o futuro da profissão", disse à LJR Lluís Cucarella, CEO da Next Idea Media, diretor editorial do Laboratório de Jornalismo da Fundação Luca de Tena e diretor do podcast "Futuro del Periodismo", disse. "Um lugar onde as transformações do setor pudessem ser abordadas a partir da experiência de quem as está vivenciando, sem superficialidade ou sensacionalismo."
Lançado em julho de 2022, "Futuro do Jornalismo" tem periodicidade mensal (exceto agosto), totalizando 33 episódios com duração entre 30 e 45 minutos cada. A média de reproduções por episódio fica entre 1.500 e 2.000, chegando a 3.000 em alguns casos.
Cada episódio gira em torno de um único tema e é construído através de entrevistas com especialistas, pesquisadores ou jornalistas em atividade, complementadas com análises documentadas e referências cruzadas, disse Cucarella.
"O jornalismo está atravessando um dos períodos de transformação mais intensos de sua história recente: surgimento da inteligência artificial, pressão econômica, crise de confiança, mudanças nos modelos de negócio, fragmentação de audiências, entre muitos outros fatores", disse Cucarella. "Queremos que o 'Futuro do Jornalismo' seja uma ferramenta para pensar, para ensinar, para discutir e, sobretudo, para escutar com atenção o que diferentes atores do setor têm a dizer a partir de sua experiência concreta."
O jornalista Lluís Cucarella
Embora feito e produzido na Espanha, boa parte da audiência está na América Latina. Cucarella, além disso, trabalha como consultor em vários países da região, o que lhe permite ter uma visão das necessidades locais. Seus convidados também vêm da América Latina, destacando as ferramentas e experiências desenvolvidas na região.
"Este alcance regional não é acidental: sempre enxergamos nosso trabalho a partir de uma perspectiva ampla e inclusiva, convictos de que Espanha e América Latina compartilham uma comunidade linguística e profissional que se beneficia enormemente do diálogo mútuo e da colaboração permanente", disse Cucarella.
"Futuro do Jornalismo" está disponível em espanhol nas principais plataformas como Spotify, Apple Podcasts, Amazon Music, Ivoox, assim como no site do Laboratório de Jornalismo, onde cada episódio vem acompanhado de fichas temáticas, links e recursos complementares.