Quando Natália Viana recebeu a notícia de que havia ganhado a Medalha de Ouro do Prêmio Maria Moors Cabot 2025, concedido pela Escola de Jornalismo de Columbia, sua primeira reação foi de surpresa. Não apenas pela honraria em si, mas pelo que ela representava: o reconhecimento saia do círculo da grande imprensa tradicional para chegar a uma jornalista que construiu sua carreira através do jornalismo independente.
Em 2011, junto com Marina Amaral, Natália Viana co-fundou a Agência Pública. (Foto: Cortesía Natália Viana)
Para ela, o prêmio representa mais do que um reconhecimento pessoal. É a confirmação de que o jornalismo independente brasileiro conquistou seu espaço no cenário internacional e que há futuro para quem ousa experimentar e inovar, mesmo enfrentando todas as limitações de recursos e reconhecimento que caracterizam esse modelo de imprensa.
“Aqui no Brasil, o perfil tradicional do vencedor são pessoas ligadas à imprensa mais tradicional e principalmente grandes veículos. Então, Assis Chateaubriand ganhou, Roberto Marinho, mas mesmo os nomes mais recentes, você tem gente que sempre trabalhou dentro de organizações estruturadas e com muitos recursos”, disse Viana à LatAm Journalism Review (LJR). “Esse jornalismo ser reconhecido, e principalmente ser reconhecido no Brasil, que é um país que nos últimos 10 anos viu uma explosão de jornalismo de qualidade independente, eu acho que é um marco. Eu fico muito feliz.”
A trajetória de Viana ilustra as transformações pelas quais o jornalismo brasileiro passou nas últimas décadas. Em 2011, junto com Marina Amaral, ela co-fundou a Agência Pública, a primeira agência de jornalismo investigativo sem fins lucrativos do Brasil, pautada pelo interesse público e pela defesa dos direitos humanos. A criação da Pública coincidiu com o período em que Viana atuou na divulgação do Cablegate, o vazamento do WikiLeaks de comunicações diplomáticas dos Estados Unidos. A experiência serviu como impulso para lançar a agência, que teve naquele projeto sua primeira grande colaboração e um marco inicial de atuação.
“Eu nunca trabalhei para um grande veículo, só como freela ou correspondente. E a Pública, como um esforço quase heróico de um grupo de jornalistas que trabalha com todas as limitações de você ser uma organização independente”, disse Viana. “E são várias, não é só dinheiro. Lá no começo da Pública, ninguém conhecia o nosso nome, a gente tinha que se provar. Cada trabalho era um trabalho em dobro.”
O trabalho de Viana na Pública rendeu investigações que tiveram impacto profundo no cenário político e social brasileiro e da América Latina. Entre as coberturas que ela destaca como mais importantes estão a série sobre o impeachment do presidente paraguaio Fernando Lugo, em 2012, finalista do Prêmio Gabo, em 2013, e a investigação sobre suicídios de indígenas no Rio Negro, "São Gabriel e seus Demônios”, publicada em 2015 e que venceu o Prêmio Gabo em 2016. Também a série da “Vaza-Jato”, que expôs irregularidades na operação Lava-Jato, a série “Efeito Colateral”, sobre os assassinatos de civis por militares e, atualmente, a série de reportagens sobre big techs.
Para além da reportagem em si, Viana também destacou a importância da experimentação como um pilar central do trabalho da Pública. Especialmente em projetos como o Truco, o projeto de checagem da agência entre 2014 e 2018, e inovações de narrativa digital ao longo da década passada.
“Dentro da Pública teve muita coisa que não é exatamente a reportagem, mas o jeito de fazer. Houve um momento, principalmente entre 2011 e 2016, 2017, quando a coisa começou a ficar muito tétrica no Brasil, que havia muito espaço para experimentação”, disse ela. “Foi um período muito rico e isso me forjou, porque eu sempre achei que você não pode ficar parado numa fórmula, você precisa sempre testar coisas novas e você precisa ter a curiosidade de tentar coisas novas. Acho que essa possibilidade também marcou muito a Pública, enquanto um espaço em que as pessoas de fato fazem experimentação.”
O júri do Prêmio Cabot destacou Viana como o tipo de jornalista que nossos tempos exigem: uma repórter, editora, contadora de histórias e mentora de novas gerações.
“Acima de tudo, ela é uma empreendedora que construiu veículos de mídia investigativa digital nativa para expor o poder e seu funcionamento interno em uma era dominada pela desinformação", disse o júri.
Mais de uma década à frente da Pública ensinou a Viana lições que vão além do jornalismo. Ela disse que aprendeu a ser chefe, a fazer um trabalho de administração e gestão de pessoas e a ter um um pensamento estratégico mais amplo. Mas o aprendizado mais importante sobre o jornalismo, disse ela, diz respeito ao futuro da profissão. Viana acha que o jornalismo precisa passar por mudanças profundas para sobreviver.
"O jornalismo está num momento de mudança tão grande que, para a gente conseguir salvar o jornalismo lá na frente, a gente tem que recriar todas as etapas do jornalismo, todos os processos, todos”, disse. “Não é só que a gente vai deixar de publicar no papel e publicar no online. A gente tem que redesenhar como funciona uma redação. A gente precisa redesenhar como é que a gente pensa uma pauta, a gente precisa redesenhar qual é o papel do repórter e o que o repórter tem a ver com a pessoa que faz a divulgação."
O Prêmio Maria Moors Cabot, criado em 1938, reconhece profissionais com carreiras excepcionais na cobertura das Américas. A cerimônia de entrega será realizada em 8 de outubro de 2025, na Universidade de Columbia, em Nova York. Os vencedores da Medalha de Ouro deste ano também incluem Omaya Sosa Pascual, cofundadora do Centro de Jornalismo Investigativo (CPI) em Porto Rico; Nora Gámez Torres, correspondente do Miami Herald e El Nuevo Herald; e a jornalista mexicana Isabella Cota, do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ). Menções honrosas foram concedidas à jornalista investigativa peruana Paola Ugaz e ao cofundador da Fundação Gabo, Jaime Abello Banfi.
*Rosental Alves, diretor do Centro Knight para o Jornalismo nas Américas, que publica a LatAm Journalism Review (LJR), é presidente do Júri Cabot.