No mundo predominantemente masculino das finanças e dos negócios, a jornalista mexicana Isabella Cota teve que aprender a lidar com o desconforto de ser "a única mulher na sala". Especialmente por ser uma mulher que faz perguntas.
Por isso, ter sido escolhida como vencedora do Prêmio Maria Moors Cabot de 2025, ao lado de quatro mulheres cujo jornalismo enfrentou o poder, tem um significado especial.
"O que os homens no poder menos gostam, na minha experiência, é quando uma mulher os questiona. É preciso aprender a sustentar a tensão e aguentar o desconforto", disse Cota à LatAm Journalism Review (LJR). "A gente aprende. É como um músculo; você treina e, com a prática, ele te afeta menos e te torna uma jornalista melhor."
Pela segunda vez nos 86 anos de história do prêmio, todas as quatro vencedoras são mulheres. Além de Cota, a Medalha de Ouro do Prêmio Cabot deste ano será concedida à jornalista Nora Gámez Torres, do Miami Herald e El Nuevo Herald (Estados Unidos); Omaya Sosa Pascual, do Centro de Jornalismo Investigativo (Porto Rico); e Natalia Viana, da Agência Pública (Brasil).
"Estar no mesmo patamar que essas outras três mulheres é uma grande honra para mim", disse Cota. "As vencedoras deste prêmio foram as jornalistas que mais admirei ao longo da minha carreira, então chegar a esta posição me deixou incrédula."
O Prêmio Cabot homenageia jornalistas e organizações de notícias dos Estados Unidos e da América Latina por sua excelência profissional e por coberturas que promovem o entendimento interamericano, de acordo com a Escola de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade de Columbia, responsável pela premiação.
Para Cota, esse entendimento entre os países do continente está no centro de seu trabalho, ao contar histórias sobre como as decisões financeiras de governos e das grandes elites impactam a vida das pessoas.
"Essas coisas definem grande parte do dia a dia dos cidadãos, e os cidadãos obviamente não têm isso em mente", disse ela. "São as forças dos mercados e dos governos que decidem muitas coisas na vida dos cidadãos."
O Júri do Prêmio Cabot destacou essa capacidade de Cota de oferecer às pessoas comuns uma visão de como as políticas econômicas as afetam.
"Seu jornalismo empresarial e financeiro perspicaz, que busca a prestação de contas dos governos, é especialmente valioso em meio às mudanças drásticas nas políticas econômicas que estão transformando as Américas", afirmou o júri no comunicado.
Era setembro de 2008 quando Cota iniciava o segundo ano do mestrado em Jornalismo e Globalização, como parte do programa Erasmus Mundus na Europa. Ela havia escolhido uma especialização em questões teóricas sobre a esfera pública em Hamburgo, Alemanha. No entanto, em seu primeiro mês de aulas, a empresa de investimentos americana Lehman Brothers faliu, considerado o sintoma mais visível da crise financeira global que eclodiu naquele ano.
Em seu primeiro livro, Cota explica as consequências da política econômica do ex-presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador. (Foto: Penguin Random House)
Cota viu como o mundo mudou. Ela sabia que, se quisesse ser competitiva em sua profissão, precisava aprender a entender o que estava acontecendo nas finanças globais.
"Foi realmente uma mudança tão drástica que parei e disse: 'O mundo em que escolhi a especialização mais filosófica e acadêmica não vai mais existir'. Percebi isso muito rapidamente", disse ela.
A jornalista decidiu mudar para a especialização em jornalismo de finanças e negócios, na City University de Londres. Embora nunca tivesse se interessado por economia, naquele ano entendeu que o sistema financeiro tinha implicações na vida das pessoas, e foi ali que decidiu focar sua atuação profissional, disse ela.
Desde então, trabalhou em veículos de comunicação como a Reuters, como correspondente na Costa Rica; a Bloomberg, cobrindo América Central, Caribe e México; e o El País, como correspondente econômica na América Latina.
Ao longo do caminho, descobriu que as notícias financeiras eram direcionadas a um nicho muito específico e fechado, e que muitos setores da população eram excluídos dessa informação.
"Quando você coloca o jornalismo econômico numa caixinha separada, você está excluindo muita gente do conhecimento que você gera. O que eu gosto é de mostrar ao cidadão como os interesses comerciais de um punhado de atores definem grande parte de sua vida cotidiana", disse ela. "Isso pode ser na forma de corrupção, de práticas monopolistas abusivas ou pode se dar por meio de financiamento invisível de organizações civis, por exemplo."
No ano passado, Cota publicou seu primeiro livro, "Sorte ou desastre: o acaso como modelo econômico de AMLO", no qual explica, com dados concretos e histórias de cidadãos comuns, as consequências deixadas pela política econômica do ex-presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador.
Desde setembro de 2024, Cota é repórter e coordenadora para a América Latina no Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês), cargos que considera uma "formatura" em seus quase 20 anos de carreira, nos quais pôde se dedicar integralmente ao tipo de jornalismo investigativo que lhe interessa.
O ICIJ é uma rede global de repórteres investigativos que colaboram para expor crimes transfronteiriços, corrupção e abuso de poder, tendo coordenado os maiores projetos jornalísticos transfronteiriços da história, incluindo "Panama Papers", "Paradise Papers", "Pandora Papers", "Offshore Leaks" e "FinCEN Files".
"Algo com que o ICIJ se preocupa muito em suas investigações globais é trazer para a realidade os temas complexos, sejam eles financeiros, econômicos ou, especialmente, de negócios", disse ela. "É um desafio simplificar sem sacrificar, e fazer isso no nível que fazemos no ICIJ também tem sido muito importante para mim. Desenvolvi isso ainda mais."
Cota disse que o trabalho que mais a liga ao jornalismo das outras três vencedoras do Prêmio Cabot deste ano é a reportagem "Os vencedores desconhecidos da reforma energética do México", publicada em 2021 no El País.
Esta investigação, em coautoria com o jornalista Adam Williams, revelou laços entre executivos da Comissão Federal de Eletricidade do México e a Whitewater Midstream, uma empresa americana que garantiu contratos multimilionários durante o governo do ex-presidente mexicano Enrique Peña Nieto.
"Vejo que as outras premiadas tiveram investigações semelhantes que buscam expor os interesses econômicos de atores privados e a maneira como eles interagem ou talvez até corrompam o setor público", disse Cota.
Na perspectiva de Cota, a maior parte dos veículos especializados em economia e finanças no continente tem essa abordagem excludente que deixa de fora da cobertura as consequências humanas das decisões das elites empresariais.
No caso da América Latina, a jornalista acredita que existem veículos independentes que, embora não sejam especializados, contam com jornalistas investigativos em suas equipes que cobrem muito bem temas econômicos e financeiros. Entre eles, citou organizações jornalísticas parceiras do ICIJ, como a Convoca, do Peru; a Ciper, do Chile; a Armando.info, da Venezuela; e a Connectas e o CLIP, ambos com redes de jornalistas em toda a América Latina.
"Os veículos se beneficiariam de uma abordagem mais próxima da realidade desses temas. No entanto, há um jornalismo muito bom sendo feito na América Latina nesse sentido", disse Cota. "Muitos dos nossos parceiros são unidades de jornalismo investigativo que, na minha opinião, realizam um trabalho mais completo, explicando temas de negócios e finanças que têm a ver com a vida cotidiana dos cidadãos."
Cota e as outras vencedoras da Medalha de Ouro do Prêmio Cabot serão homenageadas em uma cerimônia no dia 8 de outubro na sede da Universidade de Columbia, em Nova York.
*Rosental Alves, diretor do Centro Knight para o Jornalismo nas Américas, que publica a LatAm Journalism Review (LJR), é presidente do Júri Cabot