No momento em que o Centro de Investigação Jornalística (CIPER, na sigla em espanhol), do Chile, começa uma nova etapa de financiamento por meio de um programa de associação, sua fundadora, a jornalista Mónica González, ganha o prêmio de jornalismo mais importante do país.
Em 26 de agosto foi anunciado que foi anunciado que ela receberia o Prêmio Nacional de Jornalismo do Chile, outorgado pelo Ministério da Educação, e que se soma a vários reconhecimentos, como o Prêmio Maria Moors Cabot, concedido pela Universidade de Columbia, e o Prêmio Unesco / Guillermo Cano de Liberdade de Imprensa.
“Em cada um dos projetos que ela realizou, ela contribuiu com a construção da memória republicana do país, resgatando a melhor tradição do jornalismo livre e independente”, afirmou um jurado do prêmio mais recente. “Seu trabalho tem sido uma contribuição para a recuperação da liberdade de expressão no Chile.”
“Nunca pensei que receberia o Prêmio Nacional de Jornalismo do meu país porque o trabalho que fiz em toda a minha carreira e, principalmente nos últimos 12 anos na CIPER, jornalismo investigativo no coração do sistema e de alto impacto, incomoda e desnuda os poderosos, sejam eles quem forem”, disse González, que deixou recentemente a direção de CIPER mas segue presidenta da Fundação CIPER, ao Centro Knight. “E eles me deram. Foi um mérito da importância que a CIPER alcançou na sociedade chilena. Jornalismo investigativo realmente independente, que não é cego à corrupção de nenhum setor político, comercial ou religioso e é transparente com os recursos dos quais vive e naquilo que gasta.”
O jornalismo investigativo do Chile está, sem dúvida, marcado pelo trabalho realizado pelo CIPER e por sua fundadora. Durante seus 12 anos de existência, o CIPER publicou inúmeras investigações que revelaram diferentes esquemas de corrupção ou redes criminosas que geraram comoção no país.
Por exemplo, eles revelaram como o censo foi realizado com irregularidades ou como a pesquisa que mede a pobreza no país foi adulterada, afetando a população mais vulnerável. Também revelaram como um dos padres católicos mais queridos do Chile era acusado de abuso sexual e outros crimes; ou como uma rede de tráfico e adoção de menores tirou filhos de mães solo e pobres para serem adotados no exterior.
São muitos os prêmios que as investigações de CIPER ganharam tanto no Chile quanto no exterior, além dos recebidos por González.
É precisamente neste marco que, em 21 de agosto, a organização lançou seu programa de associação +CIPER, projetado pela jornalista Claudia Urquieta. A iniciativa busca que a organização se torne autossustentável para manter sua independência e, ao mesmo tempo, oferecer conteúdo de qualidade gratuitamente, explicou Pedro Ramírez, diretor da CIPER, ao Centro Knight.
O processo de busca de “financiamento alternativo”, como explicou Ramírez, começou em 2016, quando seu principal e histórico financiador - o Grupo Copesa - avisou que retiraria gradualmente os recursos devido à crise global da mídia. Desde então, o financiamento tem sido recebido da Open Society Foundations e da Universidad Diego Portales. O apoio do Grupo Copesa terminou definitivamente em dezembro de 2018.
No entanto, para Ramírez, ficou claro que a autossustentabilidade era o objetivo principal após tantos anos de experiência, embora ele esclareça que eles estão sempre abertos e agradecidos com o apoio de qualquer fundação ou doação.
“Depois de dar muitas voltas para o que queríamos fazer, decidimos que o que mais se ajustava ao perfil da CIPER é uma campanha de associação, para tornar sócios os nossos leitores, para embarcar nossos leitores em um compromisso com o futuro e com o conteúdo da CIPER”, Ramírez disse. "Por quê? Porque CIPER é uma fundação sem fins lucrativos cuja única finalidade é obter financiamento para uma equipe profissional de jornalistas faça reportagens investigativas que gerem e impulsionem o debate público sobre políticas públicas, fiscalizando tanto o poder político público como o poder privado empresarial".
Para realizar essa fiscalização e preservar sua independência editorial, CIPER nunca vendeu publicidade. De fato, Ramírez acredita que seria difícil encontrar um ator privado que deseje anunciar em um veículo de mídia dedicado a monitorar seu próprio poder. Por isso eles consideram que o que têm que fazer é “que as pessoas que valorizam CIPER, que valorizam nosso conteúdo jornalístico, assumam o desafio de nos acompanhar no financiamento”.
Em pouco mais de uma semana após o lançamento, a Comunidade +CIPER já tem mais de 200 sócios. As pessoas que desejam se tornar membros da +CIPER podem fazê-lo com uma contribuição mensal mínima de 3.500 pesos chilenos (cerca de US$ 6). A partir disso, podem contribuir com qualquer valor.
De acordo com os cálculos da organização, eles devem conseguir pelo menos 1.500 sócios com a contribuição mensal mínima para igualar as contribuições que atualmente recebem de organizações sem fins lucrativos.
CIPER investiu tudo no modelo de associação porque não acredita que o paywall ou a cobrança por conteúdo exclusivo estejam alinhados com seus objetivos.
“Acreditamos que o trabalho do CIPER é um trabalho de apoio, é um trabalho de aprofundamento da democracia. Acreditamos que a contribuição para o debate público é muito importante, a contribuição para o debate de políticas públicas, o escrutínio dos poderes públicos e privados é muito importante para a força, para a boa saúde da democracia. Portanto, se nos definimos dessa maneira, acreditamos que cobrar das pessoas pelo nosso conteúdo é virar as costas para a história do CIPER. E nós não vamos fazer isso”, disse Ramírez, que enfatizou que não se trata de uma crítica ao modelo de pagamento, que funciona para outros meios.
Para Gonzáles, o trabalho de CIPER foi precisamente uma das razões para ter recebido seu prêmio mais recente.
“[Com o Prêmio Nacional de Jornalismo] se honra o jornalismo aprofundado e independente. Este trabalho que hoje, na crise em que vivem os meios, uma crise de modelo econômico e de formato e de conteúdo, emerge como indispensável”, disse González. “Por isso é tão importante que os cidadãos apoiem a nova campanha que a CIPER acaba de lançar e se tornem sócios, que destinem mensalmente o valor que puderem para um meio que vai enfrentar a indústria de notícias falsas, que quer continuar investigando temas centrais, como as lacunas da lei e o lobby de mineradoras e multinacionais agrícolas que impedem a solução da grave crise da água ou as leis que beneficiaram irregularmente as grandes empresas de eletricidade em detrimento dos usuários”.
Para María Teresa Ronderos, jornalista colombiana que foi responsável pelo Programa de Jornalismo Independente da Open Society Foundations até o fim de 2018, CIPER marcou o jornalismo latino-americano por ter sido o pioneiro a se dedicar de maneira exclusiva à investigação jornalística.
“Mas não foi apenas o primeiro. Também deu um exemplo na defesa do interesse público, mesmo em meio a tragédias como o terremoto; e nos ensinou o caminho para muitos repórteres sobre como colocar a garra investigativa a serviço dos mais fracos e vulneráveis de uma sociedade”, disse Ronderos ao Centro Knight. "É por isso que vale a pena apoiar o CIPER para que siga iluminando o caminho para todos".
O CIPER conta atualmente com cinco jornalistas “que trabalham bastante”, afirmou Ramírez. Eles publicam entre duas a três investigações mensalmente, além de publicar notícias atuais. O objetivo de Ramírez é recuperar a “média histórica” de oito jornalistas dedicados à investigação e adicionar um webmaster e uma equipe menor que produza conteúdo multimídia nas redes sociais. Dessa forma, eles poderão alcançar com suas investigações um público mais acostumado a essas plataformas.
“Para ter acesso oportuno ao bom jornalismo, a informações indispensáveis, hoje a ferramenta principal é o apoio dos cidadãos ao financiamento do jornalismo independente. São os cidadãos que participam dessa nova defesa da democracia por meio do acesso ao bom jornalismo”, afirmou González.
"Convocamos as pessoas que estão fora do Chile a se comprometerem com esse projeto que temos aqui e que tem sido um projeto bem-sucedido do ponto de vista jornalístico e que requer a contribuição de muitas pessoas", afirmou Ramírez. “Às vezes 6 ou 7 dólares não doem nada, mas para nós são importantes. Se há pessoas por aí que gostam de bom jornalismo e querem se comprometer, sejam bem-vindos! Acesse a página do CIPER, pressione o botão que diz ‘hazte socio’ [‘torne-se sócio’] e nos ajude".
Recentemente, o Centro Knight publicou um relatório do Membership Puzzle Project sobre opções de associação para meios e as lições que os meios de comunicação podem aprender com organizações financiadas por seus membros. Está disponível na Biblioteca Digital.
* Nota editorial: Rosental Calmon Alves, diretor e fundador do Centro Knight para o Jornalismo nas Américas, faz parte do Conselho de Diretores do CIPER.