Durante as duas primeiras semanas de agosto deste ano, os sites independentes de notícias Armando.info e El Pitazo foram intermitentemente bloqueados por provedores de internet estatais e privados, segundo estudo conduzido pelo Instituto de Imprensa e Sociedade (IPYS) da Venezuela.
O IPYS Venezuela conduziu uma série de testes em Caracas e outras cidades do país usando a metodologia do Observatório Aberto de Interferência de Rede (OONI, na sigla em inglês) e colaboração de cidadãos.
O Armando.info, um dos principais sites de jornalismo investigativo da Venezuela, havia noticiado no início de agosto que seu site ocasionalmente apresentava problemas de acesso à internet, em diferentes horários do dia.
Joseph Poliszuk, do Armando.info, explicou ao Centro Knight que o bloqueio percebido foi difícil de ser quantificado, porque mudava de acordo com áreas da cidade e horários. "Por vezes você consegue ver uma página e outros (usuários) não, ou, ao mesmo tempo, você poder ver em uma área (da cidade), mas não em outras", acrescentou.
O jornalista descreveu este novo tipo de bloqueio como um mecanismo sofisticado de censura, no qual participam tanto a Companhia Anônima Nacional de Telefone da Venezuela (Cantv), empresa estatal que oferece grande parte do serviço de internet no país, e a operadora privada de celulares Movistar.
Em seu estudo, o IPYS Venezuela determinou que ao menos metade do bloqueio irregular ao Armando.info era via HTTP. Este tipo de censura na internet é, de acordo com a organização pela liberdade de imprensa, uma maneira de silenciar conteúdo, que fica registrada como falha de conexão ou "timeout error" nos servidores onde o site é hospedado.
O El Pitazo, que adquiriu um domínio hospedado na Malásia depois de sofrer o terceiro bloqueio ao seu site em abril de 2018, também tem sido afetado por períodos offline desde o início de agosto. Estes períodos duraram várias horas, aconteceram em diferentes horários do dia e em diversos estados do país, de acordo com o relatório do IPYS Venezuela.
"Desde o bloqueio em 1º de agosto até agora, nós temos visto que as visitas de páginas caíram em 50%", disse César Batiz, diretor do El Pitazo, ao Centro Knight. Ele acrescentou que desde então tem tido dificuldade ao subir conteúdo no site e na atualização de páginas.
Para além do bloqueio, disse Batiz, o site tem recebido ataques distribuídos de negação de serviço (DDoS) "ao menos uma vez por semana", o que tem afetado as páginas.
O El Pitazo, além do site, também tem um sinal de rádio, divulga notícias por áudios do Whatsapp e recebe colaboração de ONGs, repórteres cidadãos e redes sociais, pelas quais dissemina seu conteúdo. Atualmente, disse Batiz, estão publicando todo o conteúdo em sua conta no Facebook para atravessar o bloqueio.
Mariengracia Chirinos, do IPYS Venezuela, disse ao Centro Knight que o estudo da organização oferece evidências técnicas que demonstram que os tipos de bloqueio seletivo que estão sendo aplicados "encorajam a censura e enfraquecem a liberdade" da mídia das audiências do país de serem livremente informadas pela internet.
É um exercício de transparência diante do poder de operadoras de telefonia particulares e estatais com a intenção de promover a disseminação de informações sobre esses fenômenos em um contexto no qual não existe notificação formal, muito menos uma ação judicial independente e justa para apoiar tais medidas", disse Chirinos sobre o relatório.
Pelo Twitter, o El Pitazo e o Armando.info têm sugerido a seus leitores que utilizem redes virtuais privadas (VPN, na sigla em inglês) para que possam acessar os sites.
De acordo com o pesquisador do IPYS, ambos os sites desenvolveram estratégias offline para combater o bloqueio online, organizando conversas em vários espaços da cidade, como livrarias ou áreas populares para publicizar seus trabalhos jornalísticos. "Tem sido uma maneira de mitigar o impacto da censura", disse Chirinos.
Ainda, como outro recurso para divulgar suas notícias, o El Pitazo também está publicando suas reportagens especiais nos sites jornalísticos Diario Tal Cual e Runrun.es.
O IPYS Venezuela anteriormente havia declarado que o bloqueio seletivo por HTTP e a manipulação de domínios de websites vieram não apenas da Cantv e Movistar, mas também de dois outros provedores privados de internet, incluindo a Digitel e a Movinet. De acordo com a organização, o La Patilla e o El Nacional são os outros sites de notícias independentes que também foram afetados pela medida dos últimos meses.
"No IPYS Venezuela nós rejeitamos ataques seletivos e medidas de censura que restringem conteúdo e serviços na rede", disse a organização em seu website. "Essas ações violam os princípios de acesso, pluralidade e neutralidade da rede estabelecida pelo Escritório de Relatoria Especial das Nações Unidas sobre a promoção e proteção do direito à liberdade de opinião e expressão conservado no Artigo 13 da Convenção Americana", ressaltou.
Igualmente, na última semana, a Assembleia Nacional determinou que os presidentes na Comissão Nacional de Telecomunicações (Conatel) e Cantv eram politicamente responsáveis pelo bloqueio e censura da mídia, segundo o site Tal Cual. O voto foi feito com base no relatório apresentando por Johny Rahal, presidente da comissão de mídia do Parlamento.
Batiz comentou que "o próximo passo é levar esse relatório (apresentado no Parlamento) a defensores internacionais dos direitos humanos e também insistir para que empresas privadas, nesse caso específico a Digitel e a Movistar, não continuem a fazer o bloqueio contra o El Pitazo e outras mídias, e que passem a defender os direitos humanos", disse Batiz.
Neste mês, o IPYS Venezuela também publicou um relatório em conjunto do OONI e o Venezuela Inteligente. No documento, apontam que os bloqueios a sites afetam não somente a mídia jornalística crítica ao governo, mas também os sites que informam sobre o mercado paralelo do dólar, blogs que se opõem ao chavismo e páginas de hospedagem de internet.
A estrutura legal restritiva à liberdade de expressão na internet foi consolidada na Venezuela em novembro de 2017, segundo o último relatório conjunto. Depois que uma onda de cidadãos protestaram contra o governo de Nicolás Maduro, o presidente criou a "Lei contra o ódio, pela coexistência pacífica e tolerância", aprovada pela legislatura. Com essa lei, segundo o relatório, as autoridades nacionais têm poder para bloquear sites e contas nas redes sociais que considerem incitar a violência, e sancioná-los com bloqueio, fechamento, milhões em multas ou prisões.
Os provedores públicos e privados de internet mencionados neste artigo foram contatados pelo Centro Knight, mas nenhum respondeu antes da publicação.