“É preciso se lembrar sempre de que essa profissão é a respeito dos outros, não de nós mesmos, e que temos uma enorme responsabilidade ao retratar e expor pessoas, principalmente em situações de muita vulnerabilidade.”
Assim ensina a fotojornalista brasileira radicada nos Estados Unidos, Adriana Zehbrauskas, reconhecida internacionalmente pela sensibilidade e empatia na cobertura de pessoas em situação de vulnerabilidade nas Américas, desde o assassinato de 43 estudantes em Ayotzinapa, México, às mães cujos filhos tiveram sequelas devido à zika.
Ela é uma das ganhadoras do Prêmio Maria Moors Cabot de 2021, a primeira edição com apenas mulheres como vencedoras.
A LatAm Journalism Review (LJR) conversou com Zehbrauskas sobre sua carreira e os desafios que enfrenta trabalhando num campo ainda dominado por profissionais do sexo masculino, fala sobre o atual momento do fotojornalismo no Brasil (“Sem isso [investimentos] vejo um futuro muito escuro") e aconselha jovens profissionais a refletirem se realmente é o que querem fazer da vida: “O caminho é longo e muitas vezes extremamente frustrante.”
Os prêmios “homenageiam jornalistas e organizações de notícias pela excelência de carreira e cobertura do Hemisfério Ocidental que promove o entendimento interamericano”. Os vencedores serão agraciados em 12 de outubro.
LatAm Journalism Review: Quando e por que você decidiu entrar no jornalismo?
Adriana Zehbrauskas: Desde que me lembro por gente. Meu pai me mandava comprar os jornais de domingo na banca e eu passava o dia lendo, recortando e guardando matérias, fascinada. O jornal era como um portal mágico para outros lugares e culturas, uma fonte infinita de histórias fascinantes. E por isso entrei no jornalismo, para contar histórias.
LJR: Este ano, todos os ganhadores do Prêmio Cabot são mulheres. Que desafios específicos você enfrentou como mulher fazendo jornalismo na América Latina?
AZ: O fotojornalismo sempre foi uma profissão predominantemente masculina. A nivel mundial, só 15% de fotojornalistas são mulheres, segundo un estudo de 2015 de Reuters Institute e World Press Photo. Os desafios sempre foram muitos e diversos, desde conseguir ser pautada para uma boa matéria a enfrentar o machismo que permeia a sociedade latino-americana. Já me perguntaram porque estava fotografando os filhos dos outros e não estava em casa cuidando do meu, por exemplo. Ou, se o repórter trabalhando comigo era meu marido e, na depois da resposta negativa, a pergunta: “E seu marido te deixa viajar assim?”
LJR: Qual é o pior erro que você cometeu em sua carreira, o que você aprendeu com ele e como isso influenciou o seu trabalho?
AZ: Ah, foram muitos erros, desde o mais básico e técnico, como perder uma foto por errar o foco, como erro de julgamento e perder algum momento importante em uma cobertura. Mas acho que o pior foi ter medo/vergonha em admitir que precisava de ajuda. É melhor ser honesto e aprender do que sofrer calada e continuar errando!
LJR: Qual é a pauta mais interessante que você cobriu recentemente?
AZ: Haiti, sem dúvida nenhuma. Um país fascinante e intenso, mas com muitos problemas e extremamente difícil para trabalhar. [Veja fotos da cobertura de Zehbrauskas do terremoto de intensidade 7.2 na escla Rithcer que atingiu o país em 14 de agosto de 2021]
LJR: Nos últimos anos, o estado da mídia no Brasil tem se tornado cada vez mais desafiador. Qual é a sua visão para o futuro próximo do jornalismo em seu país?
AZ: Eu vi a editoria de fotografia da maioria dos jornais e revistas brasileiros praticamente desaparecer. Nem editores de fotografia temos mais. É preciso um grande investimento, tanto financeiro como humano. Fazer fotojornalismo é caro, é preciso viajar, investir em equipamento, segurança, [pagar] honorários decentes. Sem isso vejo um futuro muito escuro.
LJR: Que conselho você daria para jovens jornalistas?
AZ: Que se perguntem honestamente por que querem ser fotojornalistas e se estão dispostos a arcar com os sacrifícios que esta profissão impõe. Creio que muitos são atraídos pela falsa promessa de uma vida de aventuras e glamour, prêmios e sucesso, quando na verdade 90% da profissão é disciplina, pesquisa, diligência. O caminho é longo e muitas vezes extremamente frustrante. É preciso se lembrar sempre de que essa profissão é a respeito dos outros, não de nós mesmos, e que temos uma enorme responsabilidade ao retratar e expor pessoas, principalmente em situações de muita vulnerabilidade.
LJR: O que receber este prêmio significa para você?
AZ: Uma honra imensa, especialmente porque é um prêmio não específico de fotografia, ou seja, reconhece o fotojornalismo par a par com as outras formas de jornalismo, normalmente mais bem remuneradas e com maior prestígio. Reconhece o poder que tem o fotojornalismo em construir pontes e trazer conhecimento através de histórias visuais narradas com compaixão e empatia.
*Nota do editor: Rosental Alves, que preside o Conselho do Prêmio Cabot, é fundador e diretor do Centro Knight para o Jornalismo nas Américas, que publica a LatAm Journalism Review.