Depois que a Corte Provincial do Equador negou a apelação à ação de proteção interposta pela jornalista brasileira Manuela Picq no dia 1º de outubro, seu advogado anunciou que o caso será apresentado na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA).
A ação de proteção havia sido solicitada por Picq para garantir seus direitos constitucionais que, em seu conceito, haviam sido violados com sua detenção no Equador em 13 de agosto, informou o advogado de Picq, Juan Pablo Albán, em conversa com o Centro Knight para o Jornalismo nas Américas.
A detenção de Picq aconteceu em meio às manifestações em Quito. Após ser detida, seu visto foi revogado e Picq esteve sob risco de ser deportada. Contudo, um juiz determinou que as acusações apresentadas pelo Equador não eram suficientes para sua expulsão, segundo o jornal O Globo.
Depois que um primeiro juiz negou a ação de proteção que em buscava reaver seus direitos e seu visto, Picq decidiu abandonar voluntariamente o Equador.
Contudo, com a decisão mais recente, Albán afirmou que se esgotaram os recursos internos disponíveis no Equador para que Picq possa voltar ao país. Por esse motivo, seu caso será levado a instâncias internacionais como a CIDH.
Albán falou com o Centro Knight sobre seus argumentos de defesa no caso de Picq e sobre o futuro dele.
Centro Knight: Qual é a situação atual do caso de Manuela Picq?
Juan Pablo Albán: O que recebemos recentemente foi a decisão da Corte de Apelações Provincial, que é como se chama no Ecuador, [de rejeição] da ação de proteção pela violação dos direitos à liberdade de expressão, à integridade pessoal, à igualdade perante a ley e ao debido processo. A ação, que também é conhecida por ação de amparo, uma vez esgotada no ordenamento interno, não há outras possibilidades.
Por isso estamos nos preparando para recorrer à CIDH, vamos pedir justamente que seus direitos humanos sejam respeitados. Nosso plano é assegurar que desta maneira possa voltar ao Equador.
CK: Apesar da pouca informação do Governo, um dos argumentos dados por ele para a detenção foi que Manuela se encontrava no país sob um status que a impedia de participar de atividades políticas. Qual era o status migratório de Manuela no momento de sua detenção e quão válido é este argumento?
JPA: Manuela tinha um visto conhecido como visto 12-VIII de intercâmbio cultural. O que é falso é que tivesse proibida de algum tipo de atividade política, como participar de um protesto, pelo tipo de visto que tinha.
Sob a constituição equatoriana, os estrangeiros que estão em território equatoriano têm os mesmos direitos que um cidadão equatoriano, sem importar seu status migratório. E o protesto, segundo o artigo 66 número 13 de nossa constituição, é um direito.
Mas além disso ela não estava protestando, estava fazendo a cobertura do evento como jornalista, por ser correspondente para diferentes meios internacionais. Ela estava acompanhando a marcha, mas não era parte dela. Mas ainda que estivesse, também estaria no seu direito, porque os estrangeiros têm os mesmos direitos que temos os equatorianos de protestar.
CK: Apesar deste argumento, as primeiras informações apontavam uma falta de clareza sobre o crime imputado a Manuela para que seu visto fosse revogado. Ao longo deste processo, isso mudou, há mais informação a respeito?
JPA: No pronunciamento da chancelaria sobre o cancelamento do visto não há motivo algum, mas durante a detenção houve uma explicação.
A polícia de imigração disse que a detiveram porque seu status migratório era irregular. Mas isso [a detenção] ocorreu em 13 de agosto e o cancelamento de seu visto, em 14 de agosto. Ou seja, a polícia vê o futuro, sabia que ia estar 'ilegal', por assim dizer, no Equador.
Ao longo desse processo, se apoiaram na faculdade discricionária do Equador para conceder ou não um visto. O que passa é que se confunde discricionariedade com arbitrariedade, quando a constituição estabelece que toda a decisão dos poderes públicos, não importa se é uma decisão judicial ou administrativa, deve ser fundamentada e estar bem explicada.
CK: Agora que estão pensando em levar o caso à CIDH, ¿ele será apresentado pelo sistema de petição tradicional ou se pedirá uma medida cautelar?
JPA: Vamos apresentar uma petição de caso com uma solicitação de medida cautelar.
Vamos submeter o caso pelos canais regulares, mas vamos conversar com o Relator Especial para a Liberdade de Expressão, Edison Lanza, porque Manuela lhe enviou uma comunicação explicando sua situação, e pedimos que ele estivesse pendente desta situação.
CK: Considera que se trata de um ataque à liberdade de expressão de Manuela ou uma represália pelas atividades de seu companheiro, como se mencionou na ocasião?
JPA: Para nós, há uma vítima direta dos fatos, que é Manuela, que teve seus direitos à integridade pessoal, liberdade de expressão, direito à eleição livre de lugar de residência, direitos políticos, de proteção judicial e as garantias do devido processo violados.
Mas também há vítimas indiretas. Não podemos perder de vista como ficaram de repente os alunos de Manuela, ela era professora, e os estudantes se registraram para suas aulas, e de repente foram notificados que ela não poderia mais dar a aula. E também seu parceiro.
CK: Como vê o futuro deste caso, quanto tempo acha que vai levar antes de uma solução?
JPA: É difícil dizer. São processos que talvez tomem um tempo excessivo, e que tem a ver com a alta carga processual que tem a CIDH, incrementada sobretudo pela falta de envio de recursos por parte dos Estado da OEA.
No meio tempo, também estamos esperando a resposta da chancelaria a uma apelação administrativa apresentada depois que o visto Mercosur pedido por Manuela foi negado.
Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.