Uma revista chilena está enfrentando um processo por difamação movido pela representante máxima do governo do país.
Presidenta Michelle Bachelet está processando a revista semanal Qué Pasa por difamação (injúria e calúnia) em reposta a um artigo feito pela publicação. A existência da ação judicial foi confirmada em 31 de maio pelo porta-voz do governo Marcelo Díaz, que afirmou em La Moneda, sede da presidência, que Bachelet havia ingressado com o processo como cidadã, de acordo com El Mostrador.
Em 26 de maio, a revista Qué Pasa publicou uma transcrição de declarações feitas por uma pessoa que, acredita-se, seja o desenvolvedor imobiliário Juan Díaz, que foram feitas durante uma conversa telefônica interceptada a pedido de um promotor de Justiça no caso Caval.
O caso Caval envolve acusações de suspeita de influência contra a nora de Bachelet, Natalia Compagnon, co-proprietária da empresa Caval. Qué Pasa foi a primeira publicação a divulgar o caso em fevereiro de 2015, de acordo com a agência de notícias EFE.
Nas declarações, Juan Díaz teria mencionado a Presidenta Bachelet.
Pouco depois de a transcrição ter sido publicada, a equipe editorial da revista Qué Pasa publicou uma nota dizendo que eles haviam editado o artigo e removido "fragmentos onde sérias alegações foram feitas contra terceiros." A revista também descoupou-se com os envolvidos e seus leitores. r
“Embora desde o início tenha ficado explícito que se tratava de uma transcrição de conversas telefônicas de uma pessoa acusada no caso Caval, uma gravação que está nas mãos do advogado do caso, e sua veracidade não foi comprovada, o comitê editorial desta revista determinou que a publicação de tão sérias acusações não está de acordo com os padrões deste periódico.”
Logo após a atualização feita pela revista, em 27 de maio, a Associação Chilena de Jornalistas divulgou um comunicado dizendo que reafirma o compromisso de que “jornalistas circularão, com rigor e responsabilidade, somente informações substanciadas.”
Em reposta à noticia da ação judicial, Qué Pasa publicou uma declaração enfatizando que a ação é “uma tentativa de restrição à liberdade de expressão.”
“Todas as autoridades são submetidas ao escrutínio e à supervisão pelos cidadãos, e a mídia tem uma missão especial nesse sentido, já que ela exerce controle sobre aqueles que exercem poder, uma parte essencial de uma democracia efetiva", escreveu a publicação. “A Presidente da República não está isenta desse controle.”
Edison Lanza, Relator Especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), foi questionado sobre o caso durante uma transmissão da CNN Chile durante uma visita oficial (a convite do governo) para falar sobre liberdade de expressão no país.
Lanza disse que não poderia falar sobre um caso específico, mas citou os padrões internacionais seguidos pela Relatoria Especial e a Comissão em casos semelhantes.
De acordo com Lanza, servidores públicos em um democracia são submetidos ao escrutínio da sociedade e da imprensa; em casos de interesse público envolvendo servidores públicos, não deveria haver sanções criminais, apenas sanções civis quando demonstrado que houve má-fé; e quando jornalistas publicam informações de terceiros que são de interesse público, eles não têm responsabilidade por intermediar a divulgação das declarações.
Lanza disse que a ação judicial promove "um efeito repressivo, não só para a publicação e seus jornalistas, mas para toda a imprensa e os demais jornalistas.”
Bachelet pronunciou-se no dia 1o de junho, na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em Paris, defendendo e explicando sua decisão de processar a revista, de acordo com La Tercera.
“Uma democracia forte e madura precisa de jornalismo rigoroso e sério, e eu sempre defenderei a liberdade de expressão e sempre defenderei que seja feita de uma forma séria e rigorosa, verificando a informação", disse Bachelet, de acordo com La Tercera. “Por isso é que me pareceu, como pessoa, que a minha honra havia sido afetada, e por isso nós ingressamos com a ação por injúria e calúnia.”
No Chile, difamação é punível pelo código penal e a sentença pode resultar em multas e prisão.
Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.