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Jornalismo investigativo é essencial para a recuperação de Porto Rico após o furacão Maria

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  • 13 dezembro, 2017

Por Omar Rodríguez Ortiz*

Em 3 de outubro, o governador de Porto Rico anunciou que 63 dos 69 hospitais no território norte-americano estavam "em operação". Seria uma conquista inacreditável, já que o furacão Maria havia causado uma catástrofe quase duas semanas antes, como furacão da categoria 4. Independentemente disso, uma organização local sem fins lucrativos focada em jornalismo investigativo procurou descobrir a verdade.

"Havia alguns que o governo chamou de ‘hospitais operacionais’, mas a realidade era que muitos não estavam em condições de operar nem tinham geradores elétricos", disse Carla Minet, jornalista e diretora-executiva do Centro de Jornalismo Investigativo (CPI, na sigla em espanhol), ao Centro Knight.

No mesmo dia em que Ricardo Rosselló, governador de Porto Rico, fez o anúncio, o CPI visitou alguns dos hospitais e confirmou que eles não estavam em condições de receber pacientes em estado crítico. Por exemplo, um hospital tinha um cartaz na porta que dizia que só podia receber pessoas com febre, pequenos ferimentos e ocorrências do tipo. Indivíduos com dor abdominal e no peito, pessoas menores de idade e gestantes não poderiam ser tratados lá.

Em uma entrevista ao CPI, um funcionário de alto nível do governo definiu mais tarde "hospitais operacionais" como "instituições que o governo (local) e o Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA (HHS) avaliaram e determinaram que suas estruturas estavam ‘fisicamente operacionais’ e aceitando pacientes".

"É um caso evidente em que o governo estava divulgando informação que não correspondia com as visitas que o CPI fez aos hospitais", disse Minet.

Mas esta é apenas uma das várias investigações pós-furacão do CPI que levaram a uma melhoria na transparência do governo.

No momento em que o número oficial de mortes associadas ao furacão Maria chegava a 16, o CPI tinha informações de mais dezenas de vítimas. Fontes em nove hospitais disseram à CPI que seus necrotérios estavam lotados. Outras fontes disseram que o Instituto de Ciências Forenses de Porto Rico estava cheio de cadáveres e que pelo menos 25 eram vítimas do furacão.

Cinco dias após o artigo do CPI ter sido publicado, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, perguntou a Rosselló quantas mortes foram causadas pelo furacão Maria. O governador disse 16, assim como a administração dele vinha dizendo nos últimos dias.

Trump então comparou a devastação do furacão Maria com "uma verdadeira catástrofe como Katrina".

"Dezesseis pessoas versus literalmente milhares. Você deve estar muito orgulhoso", disse Trump na conferência de imprensa conjunta de 3 de outubro em Porto Rico.

Horas depois, quando Trump já havia deixado o arquipélago caribenho, Rosselló anunciou que o número de mortos havia aumentado para 34. Em 10 de dezembro, o número oficial de mortes relacionados ao furacão era de 64.

"O número de mortos é algo que o CPI tem questionado desde a primeira semana", disse Minet quando o Centro Knight a entrevistou no dia 8 de novembro. "Até essa data eles continuam dizendo uma quantia que não é consistente".

O fluxo de informações fica ainda mais complicado quando agências governamentais não estão totalmente operacionais e não podem atender chamadas e emails devido à destruição da infraestrutura de comunicação de Porto Rico, de acordo com Minet.

"As fontes oficiais não são muito acessíveis", disse Minet. "E para falar a verdade, mesmo aquelas que são acessíveis têm fornecido em muitos casos informações incompletas ou incorretas, como foi revelado em algumas de nossas histórias".

No dia 7 de dezembro, o CPI informou que mais 985 pessoas morreram nos 40 dias após o furacão María ter atingido Porto Rico em relação ao mesmo período de 2016. O maior aumento nas mortes foi observado entre os idosos.

Mas os hospitais e o número oficial de mortes não são os únicos problemas que exigem um olhar mais próximo do CPI no Porto Rico pós-furacão. O território deve pelo menos US$ 74 bilhões a investidores da dívida pública e nenhum deles demonstrou vontade de suspender temporariamente suas reivindicações à luz do fato de que um relatório da Moody's estimou que o furacão Maria causou prejuízos de até US$ 95 bilhões.

Na primeira colaboração do site com um meio que publica em inglês, a CPI e In These Times - uma revista sem fins lucrativos baseada em Chicago - reportaram que 24 das 30 empresas financeiras conhecidas que competem pelo reembolso da dívida de Porto Rico são empresas abutre.

"Como o nome indica, esses fundos são como abutres que circulam pacientemente esperando para escolher os restos de uma empresa que se enfraquece rapidamente. O objetivo é retornos altos a preços de pechincha", de acordo com Investopedia, o maior site de educação financeira do mundo.

"Parece-nos que a questão da dívida pública e do processo de falência nos tribunais definitivamente tem uma relação direta com a recuperação do país", disse Minet. "Em um país falido que mal tem dinheiro para cobrir sua folha de pagamento, manter as escolas abertas e oferecer serviços de saúde, esta é definitivamente uma questão importante porque todo o dinheiro pago aos detentores de títulos não é usado para o processo de recuperação".

O acesso a informações confidenciais sobre a dívida de Porto Rico foi possível não só devido ao trabalho de reportagem incisivo ao longo de meses por jornalistas da CPI, mas também devido à parceria da CPI com a Clínica de Assistência Jurídica da Faculdade de Direito da Universidade Interamericana. O CPI processou o governo dez vezes em casos de acesso à informação e ganhou todas as vezes, de acordo com Minet. Dois dos casos relacionados ao acesso à informação contra o governo de Porto Rico e seu Conselho de Supervisão e Gestão Financeira ainda estão pendentes no tribunal.

Enquanto jornais e estações de televisão em Porto Rico demitem jornalistas em meio à nova economia pós-furacão, o CPI procura melhorar as condições de trabalho dos funcionários atuais e contratar mais jornalistas investigativos. Isso é em parte possível devido a bolsas e doações que o CPI recebe de fontes como o Programa Ravitch de Reportagens Fiscais da Universidade da Cidade de Nova York.

"Estamos procurando maneiras de melhorar as condições de trabalho de nossa equipe e de contratar pessoas em um momento em que o país precisa de informações com rigor e perspectiva sobre o que está acontecendo e como isso nos afeta", disse Minet enquanto o CPI celebrava uma década de jornalismo investigativo. "Pelo contrário, este é o momento de redobrar esforços para ter uma força de trabalho mais sólida e maior".

*Omar Rodríguez está cursando o mestrado na Faculdade de Comunicação da Moody College de Jornalismo na Universidade do Texas em Austin. Esta história foi produzida como parte da disciplina Reporting Latin America.

Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.

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