A Procuradoria-Geral do Paraguai ordenou a investigação da suposta espionagem de uma jornalista por parte das Forças Armadas, informou o Ministério Público.
A decisão da procuradoria saiu um dia após o ABC Color denunciar o suposto caso de espionagem de uma de suas repórteres. A espionagem tinha o objetivo de descobrir quem estava vazando informações sobre os alegados casos de corrupção dentro das Forças Armadas, investigados pela jornalista.
Em junho, o jornal havia publicado matérias sobre como Lucía Duarte, esposa do general Luis Gonzaga Garcete - comandante das Forças Militares -, teria utilizado infraestrutura e recursos humanos das Forças Armadas para beneficiar uma fundação presidida por ela e cuja sede se localizava em um prédio militar, segundo a agência de notícias EFE. Em julho, o ministro da Defesa Nacional deu um prazo de oito dias para que a fundação se retirasse das instalações militares, acrescentou a EFE.
Segundo o ABC Color, “incomodado com as matérias sobre a sua esposa e sobre a sua própria administração, o general Gonzaga Garcete permitiu que militares sob seu comando realizassem espionagens ilegais, sem o conhecimento e consentimento do Ministério Público. Estavam empenhados em descobrir quem eram 'os traidores' que vazavam dados ao nosso jornal".
De acordo com o ABC Color, o grupo responsável pela espionagem conseguiu ter acesso a dois números de celular da repórter e conseguiu a lista completa de todas as chamadas realizadas e recebidas pela jornalista.
O jornal acrescentou que, para realizar essa espionagem, foram mobilizados agentes de Inteligência da região norte do país até Assunção, a capital do Paraguai. Segundo o ABC Color, os seus jornalistas comprovaram que a equipe de inteligência no norte “se empobreceu” e ficou aniquilada e com pouca estrutura, na mesma época em que ocorreu um sequestro de um adolescente pelo Exército do Povo Paraguaio (EPP), um grupo armado com tendências marxistas, na região.
Depois da denúncia feita pelo jornal, várias autoridades se manifestaram, entre elas o presidente do país, Horacio Cartes. Ele pediu que o caso fosse investigado para esclarecer o fato "o mais rápido possível", segundo nota da assessoria de imprensa.
“Tenho visto com muita preocupação as acusações sobre o uso de equipamentos de inteligência militar para fins particulares de espionar civis. Garanto a todos os paraguaios que esta administração não admite, nem admitirá procedimentos ilegais de espionagem”, afirmou, em comunicado.
O presidente do Congresso do Paraguai também declarou que, se a espionagem à jornalista for comprovada, se trata de um "ato gravíssimo" e exigiu que o presidente do país e o procurador-geral atuem no caso.
“Estamos diante de um ato gravíssimo. É grave que usem equipamentos [que deveriam ser usados contra o EPP] para investigar uma jornalista ou qualquer um. Tinha que ser usado para isso [contra o EPP] e não para espionar jornalistas e nem ninguém”, disse o senador Robert Acevedo, segundo o ABC Color.
O ministro do Interior, Francisco de Vargas, assegurou que “sem alimentar a desconfiança, acho que deveríamos verificar essa informação”, segundo o portal Última Hora. O ministro também afirmou esperar que as denúncias jornalísticas tenham fundamento e não sejam irresponsáveis, publicou o portal.
Um tenente-coronel, que havia sido mencionado na investigação do jornal, assegurou que as acusações "não são corretas" e acrescentou que poderia entrar com um processo por difamação e calúnia.
“Se isso for para a Justiça, terá que se demonstrar como se teve acesso a esse dado. Estou sendo assessorado e a minha intenção é entrar com uma ação por difamação e calúnia", disse o tenente-coronel a uma rádio, segundo Última Hora.
Ele garantiu que nunca houve troca de funcionários na equipe de inteligência e que a tecnologia das Forças Armadas não permite fazer nenhum tipo de escuta telefônica.
O Sindicato de Jornalistas do Paraguai (SPP) também se manifestou sobre o caso, que qualificou como um “grave atentado” contra a liberdade de expressão, segundo um comunicado publicado no seu site.
"É um incidente extremamente grave, um ataque à liberdade de expressão e contra as garantias de livre exercício do jornalismo presentes na Constituição. Ao mesmo tempo, fornece mais um indício da existência de um terrorismo de Estado, que nos leva de volta ao lado mais escuro das tiranias militares", disse Santiago Ortiz, secretário-geral do SPP, de acordo com comunicado.
“Não podemos tolerar esse tipo de prática que, em outros países, acabou levando a assassinatos de colegas, além de perseguições e assédios”.
Em seu comunicado, o SPP mencionou um relatório publicado por uma organização local no início do ano, que advertia sobre o uso que o governo paraguaio podia fazer do programa Finfisher, comprado pelo Estado.
Segundo a organização, o governo do país poderia levar a cabo “práticas perigosas e violadoras de direitos fundamentais”. O relatório alega que o governo tem tecnologia capaz de "ligar remotamente celulares desligados, interceptar ligações de vídeo feitas por Skype e reconhecer a escrita no teclado", de acordo com a SPP.
Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.