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Organizações de notícias sem fins lucrativos nos EUA buscam atender populações carentes, fortalecer o jornalismo local e criar empregos para jornalistas

O modelo de organização sem fins lucrativos aplicado ao jornalismo tem mostrado um crescimento significativo nos últimos anos nos Estados Unidos. Já existem vários veículos digitais que surgiram sobre esses moldes e atendem populações carentes, reforçando o ecossistema de notícias local e criando empregos para jornalistas, ao mesmo tempo em que se esforçam para consolidar modelos de negócios sustentáveis.

No painel de abertura do 23º Simpósio Internacional de Jornalismo Online (ISOJ), “Alcançando a maioridade: Jornalismo diigital sem fins lucrativos atrai grandes investimentos e cria modelos sustentáveis", representantes de quatro iniciativas de jornalistas locais de diferentes cidades americanas compartilharam sua experiência como organizações sem fins lucrativos.

O painel foi composto por Mukhtar Ibrahim, gerente e editor do Sahan Journal; Imtiaz Patel, gerente do Venetoulis Institute for Local Journalism e do The Baltimore Banner; Ann Stern, presidente da Houston Endowment Foundation; e Nykia Wright, presidente do Chicago Sun-Times.

O moderador da discussão foi Evan Smith, cofundador e CEO do The Texas Tribune, a emblemática organização de notícias digitais sem fins lucrativos com sede em Austin que, desde sua fundação em 2009, tem servido de exemplo e inspiração para dezenas de meios de comunicação em todo o mundo que decidiram se aventurar no modelo sem fins lucrativos.

“É incrivelmente emocionante ouvir todos vocês falando sobre isso, e é um sinal de que o mundo mudou e se moveu em uma direção que acho muito esperançosa”, disse Smith no final do painel.

O Sahan Journal é um meio digital que surgiu em 2019 para atender às necessidades de informação de uma população carente em Minnesota: imigrantes e pessoas de cor. Ibrahim disse que, antes da fundação do Sahan Journal, não havia nenhum meio de comunicação dedicado a contar com precisão as histórias de migrantes e outras minorias em Minnesota, resultando na sub-representação dessas populações na mídia tradicional.

Em seus primeiros meses de existência, o Sahan Journal enfrentou uma cobertura afetada por ondas de desinformação, como o início da pandemia, os protestos após o assassinato de George Floyd e o desenvolvimento de vacinas contra a COVID-19. O veículo respondeu com uma série de vídeos explicativos com pessoas e profissionais da mesma comunidade nos idiomas mais representativos de seu público, incluindo hmong, espanhol, somali e oromo, além do inglês.

“Leva tempo, é caro e exige muitos recursos, mas tivemos que fazer isso porque salva vidas”, disse Ibrahim.

Esses esforços se traduziram em forte apoio de sua comunidade e na formação e crescimento constante de um público que Ibrahim descreveu como jovem e diversificado. Com o crescimento de sua audiência, aos poucos o veículo vem consolidando seu modelo de negócios, o que permitiu expandir sua redação para mais de 10 funcionários em tempo integral, dois anos após sua fundação.

“A comunidade está realmente nos apoiando. Quando eles veem que essas histórias estão sendo cobertas e colocadas na primeira página, eles decidem apoiar. Posso dizer com certeza que quase 50% do nosso orçamento vem dos leitores. Desde que lançamos, temos mais de 3 mil membros que doam através do nosso site. Mil deles são doadores recorrentes”, disse o jornalista.

O Sahan Journal conseguiu estabelecer parcerias com alguns dos maiores meios de comunicação do estado, como o Star Tribune e a Minnesota Public Radio (MPR).

“Não queremos que apenas pessoas de cor leiam nossas histórias. Também queremos que a comunidade branca que lê o The Star Tribune ou ouve as notícias do MPR se depare com histórias sobre seus vizinhos e seus colegas, para que possam entender bem seus vizinhos e ler histórias que realmente reflitam as experiências vividas pelas pessoas que eles veem todos os dias”, disse Ibrahim.

Outro veículo que foi criado para atender às necessidades de informação de comunidades imersas em desertos de notícias é o The Baltimore Banner. A ideia para este projeto surgiu depois que o magnata hoteleiro e filantropo de Maryland Stewart Bainum Jr. percebeu que apoiar o jornalismo local era uma forma de fazer com que suas doações tivessem um impacto significativo na sociedade.

“[Bainum Jr.] estava sentado em casa durante os primeiros dias da pandemia e começou a ler sobre o que estava acontecendo com os desertos de notícias, e olhando para o Baltimore Sun, que estava ficando cada vez mais fino, ele pensou: 'como podemos ter uma democracia em funcionamento se não tivermos notícias locais fortes?'”, disse Patel, que já foi executivo do The Wall Street Journal.

Foi então que Bainum Jr. o procurou para ajudá-lo a lançar o projeto de criação de um veículo local que enfrentaria o The Baltimore Sun, jornal com mais de 185 anos de história que, segundo Patel, vem se deteriorando com o passar dos anos e cuja cobertura limitada deixa várias comunidades sem atendimento.

Após uma tentativa fracassada de adquirir o The Baltimore Sun e mais tarde sua empresa controladora, Bainum Jr. decidiu criar a organização sem fins lucrativos The Venetoulis Institute for Local Journalism, que servirá como a entidade controladora do The Baltimore Banner. 

O projeto será lançado com a missão de causar um impacto positivo na região por meio de uma cobertura confiável de notícias locais para as diversas comunidades de Baltimore e, eventualmente, de Maryland.

“Escolhemos usar o jornalismo como forma de servir nossas comunidades. O jornalismo não é o objetivo, é um meio para atingir o objetivo, que é servir nossas comunidades, e é nisso que estamos realmente focados. E a outra parte disso é que queremos fazer isso de uma maneira que as pessoas estejam dispostas a apoiá-lo”, explicou Patel.

Patel afirmou que o plano operacional do The Baltimore Banner inclui a criação da maior redação em Maryland, com foco exclusivo em questões locais, tornando-se um meio de comunicação multiplataforma, desenvolvendo uma operação escalável que engloba produto, marketing, tecnologia e análise e tornando-se um bom lugar para trabalhar.

“Estamos no negócio de criar conteúdo informativo, não devemos nos preocupar com o formato desse conteúdo. Não somos um site e claro que não somos um jornal. Estaremos em todos os formatos que forem necessários e da forma que o usuário quiser chegar ao nosso conteúdo. Em cinco anos talvez nem tenhamos um site, porque talvez ninguém mais queira entrar em sites. Temos que continuar inovando nessa perspectiva”, disse Patel.

Embora o projeto tenha um investimento inicial de 50 milhões de dólares por parte do seu patrono, ele tem um plano de negócios baseado na diversificação de receitas em áreas que incluem publicidade, a rentabilização da sua audiência e um plano de assinatura com um paywall que será acessível gratuitamente para comunidades carentes, disse Patel.

Entre as metas iniciais do The Baltimore Banner estão alcançar a expansão estadual em dois anos e atingir 100 mil assinantes e 5 milhões de usuários únicos até 2025.

“Precisamos de várias maneiras de ganhar dinheiro para sermos sustentáveis. Não é de um jeito ou de outro, estamos muito focados na diversidade de fontes de renda [...] e outras formas de rentabilizar esse público. É por isso que precisamos desses cinco milhões de usuários únicos mensais. Podemos começar a criar eventos, podemos começar a criar outras soluções, eventualmente soluções além do editorial, para rentabilizar esse público para alimentar a redação e continuar esse ciclo”, explicou Patel.

Outro caso de investimento de um milhão de dólares para a criação de um novo meio digital é o das organizações filantrópicas Houston Endowment, Kinder Foundation e Arnold Ventures, que decidiram se unir para financiar a construção de um projeto de informação independente e sem fins lucrativos em Houston, Texas.

Isso foi feito a fim de fortalecer o ecossistema do jornalismo naquela cidade, agregar recursos de informação para atender comunidades sub-representadas na mídia existente e criar uma cidadania mais participativa em Houston.

“Começamos a perceber que faltava uma peça, e essa peça que faltava era boa informação. As pessoas simplesmente não conseguiam se envolver de forma significativa, não podiam participar da comunidade porque simplesmente não tinham boas informações sobre as coisas que importavam para elas, e havia muitas vozes que não estavam sendo ouvidas”, disse Stern.

O projeto tomou forma após dois anos de pesquisa liderada pelo American Journalism Project, que realizou pesquisas, sessões com comunidades de diferentes perfis e idiomas em Houston e análise da cobertura jornalística naquela cidade.

Os resultados da investigação mostraram que o novo projeto jornalístico deve ser concebido para preencher as lacunas na cobertura original deixadas pelo The Houston Chronicle e outros meios de comunicação locais, dar voz às comunidades sub-representadas, fornecer informações úteis para a prosperidade dos habitantes de Houston e colocando as necessidades da comunidade em primeiro plano, explicou Stern.

“Precisávamos de mais jornalismo de qualidade, independente e apartidário, e precisávamos que estivesse a serviço da comunidade. Isso significava várias coisas: a informação tinha que ser gratuita e acessível, tínhamos que entender como as pessoas acessavam a informação e tínhamos que alcançá-la de todas as formas possíveis, e isso incluía linguagens e formatos, o que era muito diferente do que existia” , disse.

Os líderes do projeto sabiam que, dado o tamanho de Houston e sua população, o novo veículo exigiria uma enorme quantidade de recursos, então eles também conseguiram unir forças com o American Journalism Project e a Knight Foundation para alcançar um investimento de 20 milhões dólares para estabelecer a organização de notícias independente e sem fins lucrativos nos próximos três anos.

"Acreditamos que o jornalismo de qualidade, independente e apartidário é absolutamente essencial para a democracia no mundo e para o futuro da nossa região", disse Stern, que deixou claro que as organizações filantrópicas que o financiam não interferirão na agenda informativa do novo veículo. “Houston Endowment não está financiando este projeto porque queremos mais jornalismo ou porque amamos o jornalismo, mesmo que isso seja verdade. Estamos financiando porque é essencial para realmente servir as pessoas da nossa região.”

A filantropia também desempenhou um papel importante na transformação do jornal Chicago Sun-Times em um veículo sem fins lucrativos. Várias fundações e cidadãos apoiaram a aquisição do jornal por US$ 61 milhões pela organização de mídia sem fins lucrativos Chicago Public Media, proprietária da estação de rádio independente WBEZ Chicago, afiliada à NPR, em janeiro deste ano.

O objetivo da aquisição é fortalecer o jornalismo local do veículo, ampliar sua cobertura e sua presença digital e impulsionar sua versão impressa.

“Aspiramos nos tornar a fonte de notícias essencial e mais confiável para a qual Chicago recorre todos os dias para entender as pessoas, eventos e ideias que moldam as conversas em nossa comunidade”, disse Wright.

Após a fusão de sua equipe com a do WBEZ Chicago, o Chicago Sun-Times tem a missão de construir a maior redação de sua região e alcançar mais de 2 milhões de usuários por semana. Espera-se que mais de 350 funcionários colaborem na equipe, 165 deles jornalistas que cobrirão mais temas e agregarão o jornalismo investigativo à cobertura atual do jornal.

“Na maioria das vezes, quando ouvimos falar de fusões e aquisições, sabemos que as pessoas perdem seus empregos. Nem uma única pessoa perdeu o emprego. Nossa missão é garantir que possamos equilibrar as decisões de negócios corretas para alcançar um modelo de negócios sustentável, garantindo que pessoas como você se sintam à vontade para sair e fazer o seu melhor trabalho”, disse Wright.

O jornal tem 200 mil assinantes que ajudam a financiar o veículo, além dos doadores que estão comprometidos a contribuir com a iniciativa por pelo menos cinco anos. Wright disse que tentará direcionar essas contribuições para o lado jornalístico da organização o máximo possível.

Falando da expansão da cobertura do Chicago Sun-Times, Wright afirmou que, em sua nova fase, o jornal dará ênfase especial à arte e à cultura, não como parte complementar da vida dos habitantes de Chicago, mas como parte fundamental de sua dieta informativa.

“Às vezes as pessoas veem isso como uma espécie de acompanhamento e não como parte do prato principal. Em Chicago, arte e cultura é algo importante, é enorme, é um corredor que traz as pessoas da periferia para o centro da cidade, ajuda a explicar o que vai acontecer com a sociedade", disse.

Wright também destacou a enorme oportunidade para o jornalismo representada pela fusão de duas entidades jornalísticas independentes, como o Chicago Sun-Times e o WBEZ Chicago, que têm suas próprias forças separadas, que, segundo ele, serão aprimoradas por essa união.