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Além da notícia: site brasileiro inova ao investir em jornalismo de contexto e multidisciplinar

Esta história é parte de uma série sobre Jornalismo de Inovação na América Latina e Caribe (*)​


Fundado por uma cientista social, uma engenheira e um jornalista, o site brasileiro de notícias Nexo nasceu multidisciplinar, com o objetivo de inovar na forma e na abordagem da informação. A proposta: deixar de lado a cobertura factual e apostar em um jornalismo de contexto, feito por profissionais de diferentes áreas, que explique o noticiário através de reportagens multimídia, interativas e de dados.

"Nós temos outro olhar para o que é notícia, justamente porque não há só jornalistas. O nosso cientista de dados, por exemplo, que faz a coleta e pesquisa, é biólogo e programador. Temos essa preocupação de ter pessoas de várias áreas, pensando de formas diferentes", afirma a editora executiva Marina Menezes, ao Centro Knight.

Segundo ela, dos três fundadores (Paula Miraglia, Renata Rizzi e Conrado Corsalette), dois nunca tinham trabalhado com jornalismo até criarem o Nexo, em 2015. Da mesma forma, Menezes era graduada em Direito e atuava como pesquisadora, quando foi chamada para o site.

A equipe atual, de cerca de 30 pessoas, reflete esse perfil multidisciplinar, com profissionais que, em muitos casos, são formados em jornalismo e em outra carreira.

Além disso, outro diferencial do Nexo é o tratamento da notícia. "Não estamos preocupados com furo, não somos um jornal de cobertura quente. Queremos qualificar o debate público", explica Menezes. Segundo ela, o assunto não precisa ser novo ou ter um gancho para ser publicado pelo jornal.

Menezes cita um especial interativo que permite ao leitor testar seus conhecimentos sobre a realidade do seu município. Na reportagem, é possível descobrir quantos domicílios da cidade têm acesso a esgoto, luz ou água encanada, por exemplo, e comparar o dado com a média nacional.

"Uma vantagem do Nexo é que, para nós, não tem pauta velha. Que jornal vai pegar um censo de 2010 para fazer uma matéria? O Nexo vai. E não precisa ter um gancho. Nós procuramos casar com alguma efeméride, claro. Mas para saber se você conhece ou não a realidade brasileira não precisa de um gancho", afirma Menezes.

Outro exemplo do uso inovador de "informações velhas" é o especial sobre nomes de rua. Com uma base de dados dos Correios, com todas as ruas do Brasil, o Nexo fez uma reportagem com textos, gráficos e testes, revelando o que os nomes de vias, avenidas e becos contam sobre o país.

O material inclui um quiz sobre quais personalidades históricas, presidentes e até religiões são mais homenageados. Há, por exemplo, mais logradouros com o nome do deus grego Zeus (18) do que da rainha do mar para o candomblé e ícone nacional Iemanjá (12).

O teste destaca curiosidades, como a existência de uma rua "Pato Donald", 16 vias chamadas de "Chaves" e cinco, de "Dona Florinda", provavelmente em referência ao seriado mexicano. A reportagem aborda também questões mais sérias, como a desigualdade de gênero – personagens homens ultrapassam em muito as mulheres, e aponta centenas de ruas com referências à ditadura militar e até torturadores.

Assim como no especial sobre os nomes de ruas, Menezes explica que ser inovador, no caso do Nexo, muitas vezes está ligado a "dar dois passos atrás".

"A operação Lava Jato existe há anos e tem novidade toda semana. E quando você vai ler no jornal você não sabe mais o que perdeu, em que fase que está, se aquela pessoa já tinha sido presa antes... O Nexo sempre dá dois passos atrás e pensa: o que está em jogo aqui? Nós não assumimos que o leitor já sabe do que estamos falando. Ir além do factual já é uma diferença de tratamento", afirma a editora executiva.

Essa postura editorial se reflete inclusive nos títulos das matérias – muitas são perguntas com elementos do lide jornalístico: quem, como, por que.

Melhor formato

Mas a preocupação do Nexo não é apenas inovar na abordagem da notícia, há também um esforço em escolher o melhor formato para se contar uma história. Durante o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016, o site publicou uma série de matérias e especiais interativos. O Nexo fez até um jogo de palavras cruzadas, com os principais nomes e acontecimentos da crise política.

"Quando teve o impeachment, o presidente da Câmara definiu uma ordem de votação por estados brasileiros. E todos os jornais explicaram isso com muito texto. O nosso desenvolvedor pensou: vamos fazer um mapa em gif. E pronto, resolveu. Você não precisa escrever 30 mil palavras para contar algo que o gif explica melhor. Por isso nós usamos muito vídeo, gif e gráficos, não como apoio para o texto, mas porque avaliamos que podem ser a melhor forma de contar uma história", afirma.

Em março de 2017, com a posse de um novo ministro do Supremo Tribunal Federal, o Nexo realizou um especial que analisou cerca de 9 mil decisões da Corte entre agosto de 2007 e fevereiro de 2017. Por meio de gráficos interativos, a reportagem explica como os ministros se aproximam ou se distanciam entre si em suas decisões. O leitor pode visualizar os dados de acordo com o ramo específico do Direito (penal, administrativo, civil, tributário) e saber em qual área os ministros discordam ou concordam mais.

"Para esse especial, o nosso cientista de dados trabalhou com linguagem em R e desenvolveu um bot para ler todos os PDFs das decisões do STF. Depois o núcleo de tecnologia criou uma forma de devolver esses dados, e a infografia definiu a melhor forma de apresentar tudo isso", disse a editora executiva.

Além da cobertura política, Menezes destaca outros dois projetos interativos e inovadores do Nexo. Um deles, chamado "Os ruídos das cidades" debate os riscos para a saúde da poluição sonora urbana. Ao longo do especial, o leitor aciona vídeos de zonas barulhentas da cidade (uma região de bares, uma obra com britadeira, a principal avenida de São Paulo) e descobre se o ruído está acima do recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

Já o especial "As músicas dos 100 anos com samba" leva o leitor por uma cronologia de um século do estilo musical. A narrativa, pontuada por músicas e vídeos, é finalizada com uma playlist no Spotify com os 100 principais sambas brasileiros, recomendados por especialistas e fontes que aparecem na reportagem. O texto, coloquial, conversa com os sambas e é convidativo: "Tá ouvindo essa música? (...) Vem que a roda de samba vai começar".

Segundo Menezes, o Nexo tem mais facilidade para inovar por ter uma equipe pequena e integrada. Os núcleos de pesquisa, arte e tecnologia trabalham em conjunto com a parte editorial, apurando informações e elaborando os melhores formatos para as matérias.

"São 30 pessoas em uma sala só, na sede em São Paulo, e o pessoal volta do almoço junto, pensando e conversando sobre o trabalho. Somos pequenos e estamos dispostos a testar, por meio de tentativa e erro", diz Menezes.

Outra vantagem é que o Nexo já nasceu na internet. "Somos nativos do meio digital, mobile first. Temos podcast desde o primeiro dia, sempre pensamos em novas narrativas", conta ela.

O site foi criado com investimento pessoal dos fundadores e, atualmente, tem um paywall e é fechado para assinantes. "Nós não temos publicidade, por isso temos um site super limpo", afirmou.

Menezes também destaca que a empresa nunca fez propaganda da marca. "Até hoje somos totalmente orgânicos, a única coisa que fazemos é patrocinar posts no Facebook".

Além do site, o Nexo oferece uma newsletter gratuita, que faz uma curadoria de meios de comunicação brasileiros e um resumo das notícias do dia. Com isso, atraem leitores e assinantes para o seu site e para outros veículos do país.

"O Nexo tem um modelo só de assinatura. Então ele ainda não se paga, mas nós estamos na rota que planejamos e continuamos fazendo investimentos", afirmou.


(*) Esta história é parte de um projeto especial do Centro Knight que é possível graças ao apoio generoso da Open Society Foundations. A série "Jornalismo de Inovação" cobre novas tendências de mídias digitais e melhores práticas na América Latina e Caribe.

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Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.

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