* Por Cristina Dissat, publicado originalmente no site do IJNet
Entre os meses de julho e agosto de 2023 acontece a Copa do Mundo Feminina da FIFA de Futebol, que será realizada na Austrália e Nova Zelândia. Diferente de anos anteriores as atenções aumentaram muito para a competição, que reunirá 32 seleções, divididas em oito grupos.
Mas e a presença das mulheres na cobertura da Copa e dentro do jornalismo esportivo? Será que houve avanço nos últimos anos? Em que momento as jornalistas estão dentro desse contexto? Será que a Copa do Mundo FIFA pode ajudar a acelerar as mudanças?
No Brasil, as notícias sobre o torneio – que terá transmissão em TV aberta – ganharam proporções e definições inéditas. Dentro da mesma linha, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) está tratando o Mundial e a participação brasileira como históricos, em função de muitas novidades em relação ao tratamento da Seleção Brasileira Feminina, entre eles, o treinamento na Granja Comary (Centro de Treinamento da CBF), a criação de uniformes exclusivos e desenhados para o time brasileiro, o voo fretado e a criação de um núcleo de saúde e performance para a delegação.
Para a jornalista Vanessa Riche, é nítido que existe uma trajetória em crescimento das mulheres nessa área, mas sempre acompanhada de muita batalha. “Foi uma construção e conquista de espaço de formiguinha, com o surgimento das primeiras narradoras de tv e as primeiras locutoras”. Riche foi a responsável pelo projeto de formação de narradoras esportivas, numa seleção de 300 candidatas, para a Copa de 2018.
O processo de busca de espaço é antigo. Em 2002, Riche foi convidada para projetos pilotos para coberturas da Copa do Mundo masculina. “Fazíamos os testes escondidos porque o objetivo era o lançamento de uma mulher narrando um jogo de futebol. Veja quanto tempo já se passou para chegar onde estamos”.
O projeto foi desenvolvido na FoxSports, chamado ‘Narra Quem Sabe’, para treinar e escolher mulheres para serem narradoras dos jogos da Copa Masculina de Futebol. “Com o lançamento da FoxSports e TNT, as outras emissoras se viram obrigadas a colocar mulheres narrando. Mas só em 2021, com a entrada da Renata Silveira, treinada por mim, na TV Globo, é que se conseguiu implementar realmente uma voz feminina nos jogos”.
Ela lembra das dificuldades ao entrar no ar na Copa do Mundo em 2018, na FoxSports. “Ouvíamos comentários que depreciavam nosso trabalho: ‘Até que vocês entendem’. ‘Não estamos habituados a voz de vocês’. Riche reforça que existem avanços, mas também uma cultura difícil de ultrapassar. “As mulheres não tinham o espaço assegurado na cobertura esportiva”.
A mudança de comportamento tem sido observada no futebol feminino dentro dos clubes de futebol no Brasil, que se viram obrigados a ter um time feminino para participar de competições nacionais.
A CBF passou a ter uma mulher como assessora de imprensa e que está organizando todas as informações sobre o Mundial da FIFA. Laura Zago, assessora da CBF da Seleção Feminina de Futebol, acredita que o momento é de consolidação do espaço da mulher. “Claro que ainda não somos muitas, como gostaríamos, mas existem algumas mulheres com posições muito sólidas no mercado”. Zago acredita que esse novo comportamento pode inspirar jovens jornalistas e estudantes de jornalismo a se verem representadas e terem coragem de entrar no mercado. “Daqui para frente, não tem mais volta e é hora de sedimentar esse caminho para que outras venham na sequência”.
Além do atendimento aos jornalistas, Zago coordena um grupo de divulgação de informações da Seleção Feminina no Mundial pelo Whatsapp, com mais de 300 profissionais de imprensa. “É um mercado em expansão. Temos muita coisa a ser explorada, principalmente se comparada ao universo do futebol masculino. A cobertura da área do futebol feminino não é nem 1% do masculino”, diz a assessora da CBF.
Rachel Motta, ex-jogadora de futebol (lateral e meia-direita – em 1997 – do Madureira, clube da Zona Norte do Rio de Janeiro), deixou o futebol para seguir na área da comunicação. Ela é jornalista e comentarista esportiva. “Entre as estratégias de desenvolvimento do futebol feminino está o trabalho do Ministério dos Esportes, que vem fazendo um levantamento sobre as principais necessidades que envolvem esse setor, desde preparação, passando por avaliação dos gramados, profissionalização, jogadoras e staff", explica Motta.
“Não é só onde se joga e por que se joga, mas o que se faz para tornar possível o futebol feminino”. Segundo Motta, a FIFA está analisando todos os investimentos na área. Ela explica que toda esta movimentação tem o objetivo de tornar o Brasil, sede de uma Copa do Mundo em 2027.
Várias jornalistas e locutoras estão ganhando mais espaço e a mídia está mais atenta à cobertura de esportes femininos. “Existe público para este mercado e as emissoras estão, finalmente, entendendo isso", diz Riche. “A Globo bateu vários recordes de audiência nas finais dos Campeonatos Brasileiro e Libertadores”. Ela comenta que novos espaços surgiram como a Casé TV, contratada para a cobertura da Copa do Mundo Feminina.
A jornalista Luiza Sá, da UOL, acompanhou os treinamentos da Seleção Feminina, na Granja Comary (Teresópolis, Região Serrana do Rio de Janeiro), e foi a repórter escalada para a cobertura do Mundial na Austrália/Nova Zelândia. Ela relata que observou uma presença esmagadora de mulheres comparada ao número de jornalistas homens, não só nas reportagens realizadas no Centro de Treinamento como, também, na coletiva de convocação da Seleção, que vai competir o Mundial.
“Ainda falta muito para ocupar o espaço, porque o futebol feminino não tem a mesma atenção que é dada ao masculino nos veículos de comunicação. O número de profissionais enviados para essas coberturas também é muito menor", diz Sá. “Mas acredito que avançamos muito e a expectativa é que mais mulheres participem das coberturas. Na convocação, durante a coletiva, a maioria das perguntas foi feita por mulheres”.
Para Sá, é importante que mulheres possam contar as histórias de outras mulheres, porque o olhar é diferente. “Temos a oportunidade, agora, de contar a nossa história. O caminho ainda é longo, mas vejo avanços significativos. Não tem mais volta. Ocupamos o nosso lugar e não vamos sair mais”, reforça ela.
Riche explica que as mulheres não querem transformar o segmento em uma bolha fechada só de mulheres. “Queremos ser respeitadas e com mais mulheres participando. Tudo está ligado ao que vem acontecendo também com a Seleção Brasileira, com a chegada da técnica Pia Sundhage, sem tarjas de ‘coitadinhas’", analisa Riche. “Investidores também estão surgindo. Quando olhamos para trás observamos o crescimento. Mas, temos que nos perguntar: quanto ainda falta para ter uma mulher no comando da transmissão esportiva?”.
*Cristina Dissat é jornalista formada pela Universidade Federal Fluminense e pós-graduada em comunicação digital. Professora de mídias digitais e mentora de jornalismo (Universidade Estadual do Rio de Janeiro/Universidade Veiga de Almeida).
Crédito do banner: fotomontagem da IJNet com fotografias cortesia de Vanessa Riche, Luiza Sá, Rachel Motta, Laura Zago e Celso Pupo.