"El Ñacas" e "El Tacuachi" são dois pistoleiros do estado de Sinaloa, no México, que transitam entre o tráfico de drogas, a política, os negócios e os problemas domésticos como qualquer outra pessoa, de acordo com seu criador. Tratam-se de dois criminosos fictícios que cometem seus delitos com impunidade e cinismo, ao mesmo tempo em que retratam a cultura alternativa resultante da presença do crime organizado no país.
Os personagens são protagonistas de uma popular tira em quadrinhos do cartunista Ricardo Sánchez Bobadilla, publicada no semanário Ríodoce, meio de comunicação baseado em Sinaloa que ganhou o Prêmio Maria Moors Cabot de 2011.
Bobadilla e outros cartunistas mexicanos usam o humor e a ilustração para zombar da narcocultura e do crime organizado no México, ao mesmo tempo em que tornam visíveis a tragédia e o surrealismo do tráfico de drogas e criticam a ineficiência das autoridades em combatê-lo.
A tira "El Ñacas y El Tacuachi" surgiu em 2008, quando Bobadilla e um grupo de cartunistas de Sinaloa fundaram a revista La Locha. Naquela época, o então presidente Felipe Calderón havia lançado uma guerra contra os cartéis de drogas que desencadeou uma onda de violência que persiste até hoje. Os fundadores da revista perceberam que o tráfico de drogas era uma história diária na mídia local, mas sempre abordada sob a perspectiva da cobertura policial, disse Bobadilla.
"Quando começamos a fazer um cartum sobre o tema do tráfico de drogas, o que queríamos fazer era torná-lo visível. A narcocultura está aí e pegamos esses elementos para fazer humor e tornar visível que há um problema", disse Bobadilla à LatAm Journalism Review (LJR). "Uma das funções importantes da caricatura é trivializar, o que eu acho que acontece quando você ri de algo e, nesse caso, também [serve para] lidar um pouco com a tragédia".
"El Ñacas y El Tacuachi" chegou à revista Ríodoce em 2010 e, alguns anos depois, Bobadilla foi convidado a publicar sua tira na revista de sátira política El Chamuco, que tem alcance nacional. E em 2023 os personagens chegaram ao mundo dos livros com "Narkomics presenta: El Ñacas y El Tacuachi. Sicarios a la orden", uma compilação com as tiras mais representativas da série.
Entre os elementos da narcocultura que Bobadilla usa para satirizar os membros do crime organizado em sua caricatura estão suas roupas, seu modo de falar, sua ostentação, sua extravagância e as mulheres exuberantes que os acompanham, entre outros.
"Seria muito ousado dizer que há traços humorísticos na questão do narcotráfico, mas a verdade é que há, porque também é um fenômeno cultural em que há de tudo: modos de falar, música, modas, etc.", disse à LJR Patricio Ortiz, outro cartunista mexicano que aborda o tema do narcotráfico em seus desenhos. "Tudo isso é o que mais me interessa nessa questão cultural que tem muitos aspectos humorísticos".
Patricio, como é conhecido, é um dos membros fundadores da revista El Chamuco. Foi ele quem sugeriu a Bobadilla a publicação de "El Ñacas y El Tacuachi" na revista, quando percebeu que as situações de Sinaloa retratadas na tira se repetiam em outros estados do país e, por isso, achou importante dar visibilidade nacional a ela.
O principal objetivo do cartum é exatamente esse: denunciar e criticar o poder, de acordo com Francisco Portillo, professor especializado em cartuns políticos da Faculdade de Ciências Políticas e Sociais da Universidade Nacional Autônoma do México. E não se trata apenas de criticar o poder oficial, mas também os poderes de fato, como muitos consideram o tráfico de drogas.
"Esse poder pode ser governamental, econômico, político ou de qualquer outro tipo. Se há algo errado na sociedade, a crítica é feita no cartum, assim como é feita em um artigo de opinião", disse Portillo à LJR.
O cartum que zomba de elementos da narcocultura traz uma crítica implícita às autoridades que não conseguiram combater o problema de forma eficaz e permitiram que a situação chegasse a esse ponto, acrescentou o professor.
"A crítica ao governo, ao Estado, às autoridades encarregadas do combate ao tráfico de drogas e sua ineficácia em reduzi-lo da maneira que a sociedade gostaria é legítima", disse ele.
Outra tira que retrata satiricamente a narcocultura é "Quica y Pimpón", do cartunista Antonio Helguera, duas vezes vencedor do Prêmio Nacional de Jornalismo do México, que morreu em 2021. O cartum, que conta as anedotas de uma idosa quase surda e cega e seu sobrinho traficante de drogas, é baseado em situações que Helguera ouviu em Lagos de Moreno, Jalisco, uma cidade assolada pela violência por supostamente fazer parte de uma região disputada por dois cartéis.
"Tudo o que ele retratou foi basicamente o que ouviu de seus vizinhos. Ele estava basicamente retratando o que estava acontecendo ao seu redor, o que é exatamente tão surreal que ele não teve escolha a não ser retratar.
"Tudo o que ele retratou foi basicamente o que ouviu de seus vizinhos. Ele basicamente retratou o que estava acontecendo ao seu redor, o que é exatamente tão surreal que ele não teve escolha a não ser retratá-lo", disse à LJR o jornalista e cartunista Rafael Pineda, diretor do El Chamuco, conhecido publicamente como Rapé. "Antonio Helguera publicou alguns cartuns extremamente poderosos [...]. Foram charges que entrarão para os livros de história do que aconteceu na questão do tráfico de drogas no México".
Rapé considera que fazer humor com situações trágicas como o tráfico de drogas responde a uma dinâmica humana de rir dos infortúnios para lidar com eles de uma maneira melhor. Mas ele também considera que isso faz parte da tradição artística e cultural que existe no México em torno da morte.
No campo da caricatura, Rapé disse que essa tradição remonta a José Guadalupe Posada, o litógrafo do século 19 que popularizou as "calaveras" ou "catrinas", desenhos de esqueletos em trajes elegantes que agora fazem parte do folclore mexicano do Dia dos Mortos. Posada trabalhou como ilustrador para publicações destinadas à classe trabalhadora e usou desenhos de caveiras como forma de crítica social.
"A tradição da caricatura que Posada herdou de nós também deve ser levada em conta: rir da morte faz parte da nossa tradição de vida", disse Rapé. "Há toda uma série de eventos e manifestações humanas em torno do tráfico de drogas e da morte no México que me surpreendem. Há pessoas que condenam esse tipo de trabalho, mas eu, como cartunista, conhecendo a história do cartum político mexicano neste país, entendo perfeitamente."
Os produtos culturais que tratam do tráfico de drogas, como músicas, filmes e séries de televisão, são frequentemente acusados de fazer apologia ao crime organizado. E as charges políticas sobre o assunto não são exceção.
Mas, ao contrário das séries de TV e das músicas que retratam os traficantes de drogas como heróis, os cartunistas entrevistados consideram que suas tiras e charges não glorificam esses personagens. Pelo contrário, zombam deles e da cultura que os cerca.
"É muito difícil que alguém, depois de ver o livro de Bobadilla, queira ser um traficante de drogas, porque basicamente é um humor muito engraçado, muito ridículo, muito absurdo, que não entra no mesmo terreno das narcosséries", disse Patricio. "No meu caso, eu tiro sarro dos valores do mundo do narcotráfico, que são absolutamente ridículos: as mulheres plastificadas, a música, os narcocorridos [canções sobre o narcotráfico] e a vida ostentosa e assim por diante. Meu trabalho é tirar sarro de tudo isso.”
Os cartunistas que desenham sobre o tráfico de drogas estão cientes do perigo que representa para o jornalismo lidar com aspectos do crime organizado no México. Desde o início da guerra contra as drogas em 2006, mais de 130 jornalistas foram mortos no México, de acordo com dados do Comitê para Proteção de Jornalistas (CPJ).
Entretanto, ao contrário dos jornalistas que fazem reportagens sobre criminosos e cartéis, os cartunistas evitam fazer referências específicas a chefes do tráfico ou grupos criminosos que possam colocá-los em perigo.
"Em vez disso, [o que retratamos] são questões, obviamente relacionadas à violência. Mesmo quando há uma situação específica que estou abordando, faço referência à situação, mas não aos cartéis ou aos personagens", disse Patricio.
Bobadilla vive e trabalha em Sinaloa, estado considerado um dos epicentros do tráfico de drogas no México e berço do cartel de mesmo nome, cujo líder era Joaquín "El Chapo" Guzmán.
O cartunista vivenciou em primeira mão a violência do tráfico de drogas contra jornalistas. O primeiro meio de comunicação em que trabalhou como cartunista, A Discusión, sofreu o sequestro e o assassinato de seu diretor, o jornalista Humberto Millán, em 2011. Em 2017, quando já estava trabalhando para o semanário Ríodoce, viveu o assassinato de Javier Valdez, fundador do jornal. E em 2022, Luis Enrique Ramírez, colunista do El Debate, outro meio de comunicação onde Bobadilla publica charges políticas, foi assassinado.
"Em todos os meios de comunicação em que trabalhei, houve algum tipo de violência contra jornalistas. Imagine Javier [Valdez], que já havia recebido um prêmio internacional, que já era reconhecido e estava na mídia nacional, e eles o mataram sem nenhuma consideração... Imagine qualquer jornalista aqui. Nós realmente nos sentimos vulneráveis.”
Bobadilla é originário de Tierra Blanca, um dos bairros mais dominados pelo crime e pelas drogas em Culiacán. Para o cartunista, isso significa que a qualquer momento ele pode se deparar com membros do crime organizado.
"Lembro-me de que o maestro Helguera desenhou 'Chapo' vestido de mulher, como uma prostituta. Nunca poderíamos fazer isso aqui, porque poderíamos atravessar a rua e encontrar o cara, ou seus capangas", disse Bobadilla. "Sei que eles me leem, porque o Ríodoce é um jornal que narcotráfico lê. Eles saem [no jornal], são refletidos.”
De acordo com Rapé, as pessoas que os cartunistas devem apontar com nome e sobrenome – assim como um jornalista faz em uma reportagem – são as autoridades responsáveis pelo fato de os traficantes de drogas continuarem a operar.
"Essa é a principal responsabilidade que temos, apontar quem é o culpado pelo fato de o tráfico de drogas estar tão enraizado no México", disse Rapé. "Seria extremamente perigoso zombar de um traficante de drogas, mas quem é o culpado por isso? Bem, as autoridades que continuam a permitir isso, portanto, temos que continuar a chamar a atenção para esse fato".
Os cartuns políticos no México têm uma tradição de esquerda, segundo Bobadilla. Muitos dos cartunistas mais respeitados das últimas décadas naquele país, como Rius, Helguera ou El Fisgón, surgiram em meios de comunicação considerados de esquerda, como o jornal La Jornada ou a revista Proceso.
Entretanto, a polarização que se agravou durante o governo do presidente Andrés Manuel López Obrador levou alguns cartunistas a tomar partido no confronto entre os que criticam e os que defendem o governo.
"Ainda há cartunistas muito bons em ambos os lados. No entanto, acho que essa paixão e essa polarização brutal geraram um fenômeno que considero bastante lamentável, que é estar completamente de um lado ou completamente do outro", disse Patricio.
Em meio a esse confronto, o humor das charges e tiras tem sido a principal vítima, acrescentou o cartunista.
"Com essa polarização que gera muita amargura, o humor dos cartuns se perdeu", disse Patricio. "Os cartunistas estão mais concentrados em irritar seus inimigos do que em aproveitar algumas oportunidades para [retratar] o humor e o absurdo."
Essa divisão é interessante, mas perigosa, acredita Bobadilla, devido ao nível de influência que um gênero de opinião como os cartuns políticos pode ter, especialmente na era atual, com eleições presidenciais e uma mudança de governo no México a apenas alguns meses de distância.
"Acredito que há uma luta midiática e, neste momento, uma luta eleitoral que os envolve [cartunistas] como formadores de opinião e que eles têm uma grande influência", disse Bobadilla. "Um único cartum pode lhe dizer muitas coisas, mais do que uma coluna de opinião. Essa polaridade faz você pensar.”
Rapé disse que existe o risco de que, no atual clima político e ideológico do México, as charges políticas possam perder sua responsabilidade jornalística. Como qualquer gênero de opinião, disse ele, as charges políticas devem ser apoiadas pelo rigor editorial.
"A única coisa que espero e desejo é que não se perca a necessidade importantíssima de caricaturas bem informadas, bem pensadas e que não caiam em farsas históricas ou jornalísticas", disse ele. "A opinião deve ser trabalhada lentamente, não pode ser algo reacionário, tem que ser algo que deve ser revisado, deve ser corroborado, deve ser lido, pensado e, neste caso, desenhado, com muito cuidado.”