Durante 2023, a imprensa na América Latina sofreu aproximadamente um ataque a cada duas horas.
Nesse período de tempo, 17 jornalistas foram assassinados, dezenas de comunicadores e profissionais de mídia foram presos e centenas de jornalistas foram forçados ao exílio, ao deslocamento e à autocensura.
Os principais dados do Informe Sombra 2023 (Relatório Sombra), recentemente publicado pela Red Voces del Sur, revelam o estado de vulnerabilidade em que trabalham os jornalistas na América Latina. O estudo mostra que os principais agressores são agentes do Estado (53%) e, em segundo lugar, o crime organizado.
A Red Voces del Sur é uma iniciativa impulsionada por 17 organizações da sociedade civil da região que trabalham para promover e defender a liberdade de expressão nos países latino-americanos. O relatório de 2023 é a sexta edição do Relatório Sombra, publicado anualmente.
Para realizá-lo, a sua equipe elaborou e executou uma metodologia baseada no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 16.10.1 das Nações Unidas, por meio da qual os estudiosos monitoram e relatam violações à liberdade de expressão e à liberdade de imprensa de modo contínuo por meio da publicação de alertas.
Segundo o relatório, em 2023 houve 3.827 alertas contra a liberdade de imprensa e 128 alertas de gênero.
Os alertas são medidos por meio de 13 indicadores que cada organização rastreia em seu país: assassinato, sequestro, desaparecimento forçado, detenção arbitrária, tortura, agressões e ataques, discurso estigmatizante, violência sexual, processos civis e penais, restrições ao acesso à informação, uso abusivo do poder estatal, enquadramento jurídico contrário a padrões internacionais e restrições na internet.
O alerta de gênero, conforme explicado no relatório, é transversal aos outros indicadores e avalia se o motivo por trás de um ataque está relacionado ao sexo, à identidade de gênero, à expressão de gênero ou à orientação sexual da vítima.
O relatório tem como objetivo enriquecer e comparar as informações que os diferentes governos nacionais da América Latina costumam publicar, ou omitir, em seus próprios relatórios oficiais.
"Essas informações são dados duros; não são nem análises nem percepções; Servem para saber se chegaremos a 2030 com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável estabelecidos pelas Nações Unidas cumpridos, o que parece que não vai acontecer", disse à LatAm Journalism Review (LJR) Adriana León, membro do Instituto Prensa y Sociedad de Perú, uma das organizações fundadoras da Red Voces del Sur.
A primeira coisa que León destacou do Relatório Sombra 2023 é que, comparado ao ano anterior, em geral houve uma diminuição nos alertas contra a liberdade de imprensa. No entanto, ela afirmou que essa diminuição esconde um dado preocupante: "Em países como Nicarágua, quase não há mais mídia ou jornalistas porque todos estão no exílio, o que mostra que a censura é absoluta".
Ela reconheceu que em alguns países os alertas aumentaram consideravelmente em relação a 2022: em El Salvador, aumentaram em 400%; na Costa Rica e na Argentina, em 150%, e no Paraguai em quase 100%.
"O fato de Uruguai (11%) e Costa Rica (150%), que sempre foram países com estabilidade política, terem aumentado seus alertas é um motivo de alarme e nos preocupa porque os outros países deveriam ser cada vez mais como eles e não o contrário", acrescentou.
A forma mais recorrente de ataque à imprensa na América Latina foram as agressões físicas e ataques com 1680 alertas, seguidas por discursos estigmatizantes, com 684 alertas, restrições na internet (471) e no acesso à informação (384).
O Estado continua sendo o principal agressor contra a imprensa e foi responsável por 52% dos ataques em 2023 em toda a região. No relatório, eles destacam que a consolidação de regimes antidemocráticos e a proliferação do crime organizado criaram uma combinação extremamente perigosa para a liberdade de imprensa e o exercício jornalístico.
Sobre os países mais letais para o exercício do jornalismo, León afirmou que México, Honduras e Equador continuam nos primeiros lugares, assim como em 2022. No caso do Equador, em 2023, houve um aumento dramático nos alertas relacionados ao crime organizado, como o assassinato do candidato presidencial e jornalista Fernando Villavicencio.
Na América Latina, um jornalista foi assassinado a cada 21 dias em 2023. Discursos estigmatizantes foram a segunda forma mais comum de ataques à imprensa, envolvendo 17% dos alertas e estando presentes em 15 dos 17 países monitorados, segundo León.
Ela acrescentou que o caso mais dramático é o de El Salvador, onde o discurso estigmatizante contra a imprensa aumentou em 700% em relação a 2022 e foi impulsionado principalmente pelo presidente Nayib Bukele.
León alertou que essa forma de ataque "realmente funciona e é eficaz para desacreditar a imprensa e gerar violência".
A imprensa na região também está exposta à precarização, o que faz com que "os jornalistas não tenham respaldo algum, trabalhem em mais de um emprego ao mesmo tempo e não tenham proteção efetiva", disse León.
Por essas razões, centenas de jornalistas foram forçados ao exílio e, em muitos casos, continuam fazendo jornalismo e relatando o que acontece em seus países a partir do exterior. León disse que em El Salvador há um meio digital que toda vez que publica uma reportagem, seus jornalistas precisam sair do país. Ela também falou sobre os jornalistas nicaraguenses que se exilaram na Costa Rica e continuam fazendo jornalismo de lá, "apesar de ser um país muito caro e terem poucos recursos para lidar com algo tão sério quanto o exílio".
No Relatório Sombra 2023, são propostas abordagens estratégicas para melhorar a situação da liberdade de imprensa na América Latina nos próximos anos, como implementar mecanismos e políticas públicas eficazes de proteção e promoção do trabalho jornalístico.
A coordenadora da Red Voces del Sur, Chloe Zoeller, disse à LJR que é necessário realizar investigações independentes, eficazes e transparentes sobre os crimes de violência contra jornalistas para reduzir as taxas de impunidade. No caso de vítimas de violência letal serem jornalistas mulheres, ela acrescentou que uma perspectiva de gênero deve ser incluída.
Para as políticas públicas já existentes, como os mecanismos de proteção de jornalistas implementados por alguns países, Zoeller advertiu que é necessário lhes designar um orçamento maior. Além disso, é preciso fortalecer esses mecanismos, e promover colaborações com a sociedade civil e as redes de jornalistas que entendem as falhas dos mecanismos, acrescentou.
No caso dos jornalistas que precisam se deslocar devido a ameaças e violência, a coordenadora da Voces del Sur disse que esses processos devem ser agilizados, assim como apoiar os jornalistas no exílio para que possam continuar trabalhando como jornalistas.
Nesse sentido, ela considerou importante colaborar com os órgãos pertinentes para aumentar a assistência humanitária e técnica aos jornalistas que permanecem em países como Nicarágua, Venezuela ou Cuba.
Outras recomendações de Zoeller são "encerrar imediatamente toda vigilância ilegal de jornalistas e defensores dos direitos humanos"; aprovar leis, ordens executivas ou outros mecanismos que estabeleçam proteções para jornalistas no ambiente digital; e "atribuir fundos para investigações sobre ameaças online feitas contra jornalistas, pois muitas vezes se convertem em manifestações físicas de violência".
A coordenadora da Voces del Sur enfatizou a importância de que a luta contra a desinformação não seja usada para restringir a liberdade de expressão, porque "as leis contra a desinformação podem ser elaboradas e aplicadas de forma inadequada e restringir o exercício do jornalismo".
Segundo ela, para melhorar a situação da liberdade de imprensa na região, também é necessário evitar o monopólio dos meios de comunicação, apoiando economicamente os meios de comunicação independentes, locais e não tradicionais.