texas-moody

Apesar de violência contra imprensa, mecanismo de proteção a jornalistas do Equador carece de recursos

O assassinato da equipe do jornal El Comercio por um grupo dissidente da guerrilha colombiana das Farc em 2018 marcou um antes e um depois na questão da segurança de jornalistas para a imprensa do Equador.

Foi precisamente esse crime e a pressão subsequente de sindicatos de jornalistas e organizações da sociedade civil que levaram à criação do Mecanismo de Proteção a Jornalistas no Equador.

No entanto, defensores da imprensa são há um longo tempo críticos da eficácia do mecanismo para proteger jornalistas. Essas preocupações se tornaram ainda mais fortes após o governo do presidente Daniel Noboa se recusar a aprovar o orçamento para o seu funcionamento em 2024 e 2025.

“Essa negativa constitui um grave atentado contra o jornalismo equatoriano, que já enfrenta um ambiente hostil para exercer seu trabalho”, afirmou a organização de defesa da liberdade de imprensa Fundamedios em um comunicado no último dia 29 de maio, quando se soube da negativa de aprovar os US$ 784 mil (R$ 4,2 milhões) que estavam destinados ao financiamento do mecanismo neste e no próximo ano. Desse total, US$ 66 mil (R$ 353 mil) seriam destinados ao fundo de emergência para proteger jornalistas, segundo a Fundamedios.

“[Gera] muita preocupação. A situação continua a se deteriorar, a falta de garantias para o trabalho jornalístico no Equador se torna mais complicada todos os dias e preocupa muito essa falta de compromisso do Estado do governo de Daniel Noboa com a segurança e proteção dos jornalistas”, disse César Ricaurte, diretor executivo da Fundamedios, à LatAm Journalism Review (LJR) sobre a recusa em conceder fundos ao mecanismo.

De acordo com Ricaurte, os níveis de violência contra a imprensa têm sido altos desde 2022. Durante aquele ano, o mais violento desde 2018, a Fundamedios registrou 356 ataques contra a imprensa. Em 2023 foram 265 agressões, e durante os primeiros cinco meses deste ano, a organização registrou 95 agressões.

“Eu acho que os níveis se mantêm. Os níveis de agressões, ameaças, atentados contra jornalistas dos últimos dois anos se mantêm em 2024”, disse Ricaurte, destacando como particularmente grave o ocorrido na sede da TC Televisión em Guayaquil. No dia 9 de janeiro passado, um grupo armado entrou nas instalações da TC Televisión enquanto um noticiário era transmitido ao vivo. Embora não tenha havido fatalidades, os impactos psicológicos nos jornalistas ainda se mantêm.

Para 2024, o Equador caiu 30 posições na Classificação Mundial da Liberdade de Imprensa realizada anualmente pela Repórteres Sem Fronteiras. Na classificação de 2023, o Equador ocupou a posição 80, enquanto em 2024 ocupou a posição 110, entre 180 países.

Um mecanismo sem recursos

O Mecanismo de Prevenção e Proteção do Trabalho Jornalístico teve seus inícios em 2018 quando Javier Ortega, Paúl Rivas, Efraín Segarra – membros de uma equipe do jornal El Comercio – foram assassinados enquanto realizavam uma cobertura do conflito na fronteira do Equador com a Colômbia.

O então presidente do Equador, Lenín Moreno, comprometeu-se a criar um mecanismo diante da pressão interna e até mesmo internacional, como a advinda da Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (Cidh). Em maio de 2019, foi estabelecido o Comitê Interinstitucional de Proteção a Jornalistas e Trabalhadores da Comunicação, com o objetivo de “implementar mecanismos de proteção” para profissionais da imprensa que, em seu exercício profissional, pudessem correr risco de vida.

As críticas iniciais a esse Comitê diziam respeito à falta de participação da sociedade civil e de jornalistas, bem como por restringir-se à proteção de jornalistas que cobriam quatro temas: corrupção, tráfico de pessoas, contrabando de mercadorias e tráfico de drogas.

“Foi apenas uma medida protocolar”, disse à LJR Ricardo Rivas, irmão de Paúl, que acrescentou que o Comitê era formado apenas por cinco ministros de Estado.

Para Rivas, a proteção dos jornalistas tornou-se um tema pessoal após o assassinato de seu irmão. Por isso, ele tem estado envolvido no desenvolvimento do mecanismo e conhece de primeira mão a pressão exercida pela sociedade civil até conseguir a reforma e aprovação da nova Lei de Comunicação em 2022.

Dentro desta nova Lei, foi criado o Mecanismo de Prevenção e Proteção ao Trabalho Jornalístico, sob o mandato do então presidente Guillermo Lasso. Em agosto de 2023, foi estabelecido o regulamento que permite finalmente a operação do mecanismo.

No entanto, tanto Ricaurte quanto Rivas concordam que faltava uma previsão especificando como o Mecanismo poderia funcionar, especialmente no que diz respeito aos seus recursos. Nem a Lei nem o Regulamento deixaram claro qual seria o orçamento do mecanismo ou de onde viria seu financiamento, segundo Ricaurte.

“Na lei não se contemplou o orçamento para financiar o mecanismo, e no Regulamento isso foi tratado com uma disposição que afirma que o Estado deve garantir os recursos para o funcionamento do mecanismo”, explicou Ricaurte.

A solução encontrada foi o Conselho de Desenvolvimento e Promoção da Informação e Comunicação.Criado a partir da Lei Orgânica de Comunicação do ex-presidente Rafael Correa para fiscalizar os meios de comunicação, o conselho passou a ser responsável pela proteção dos jornalistas. Ele supervisiona o Mecanismo e, em teoria, é responsável por seu orçamento.

Com o objetivo de ser um conselho “mais plural” e menos dependente do Poder Executivo, o órgão atualmente é formado por delegados, explicou Ricaurte. Um deles é ele próprio, que representa a sociedade civil.

E, embora seja um ente separado do Mecanismo de Proteção, as ações que o mecanismo poderia realizar são coordenadas pelo conselho.

Em janeiro de 2024, foi decidido que a presidência do mecanismo ficaria nas mãos de Ricardo Rivas. O mecanismo, explicou Rivas, tem três áreas principais de atuação: prevenção, proteção e medidas urgentes, e uma unidade técnica.

Por exemplo, na área de prevenção estão incluídas capacitações para membros da sociedade civil e forças de segurança. E na área de proteção estão incluídas as medidas necessárias para jornalistas ameaçados e/ou agredidos.

No entanto, devido à falta de orçamento, o mecanismo como tal não conta com uma equipe de trabalho estável. Rivas é um presidente ad honorem, que conta com a ajuda de dois funcionários do Conselho de Comunicação em regime de “empréstimo”.

Junto com eles, ele tem tentado dar forma a temas iniciais como processos e regulamentos do mecanismo. Além disso, utiliza recursos do conselho que permitem ao mecanismo realizar atividades sem gastar muito dinheiro: suas plataformas, softwares, e até outros funcionários especializados em áreas administrativas e jurídicas quando necessário.

“O que acontece é que, no orçamento do Conselho de Comunicação, quase 90 ou 95% são destinados a pagamentos [de pessoal]. Então eles também não têm dinheiro para sustentar o sistema do mecanismo”, disse Rivas.

A LJR solicitou falar com a Secretaria de Comunicação da Presidência, bem como com a presidência do Conselho de Comunicação, mas até o fechamento desta matéria não havia recebido resposta.

Apoio internacional e da sociedade civil

Diante do panorama de violência contra a imprensa que o país enfrenta, bem como a falta de ferramentas para que o mecanismo funcione como deveria, o apoio da comunidade internacional e da sociedade civil tem sido vital para poder oferecer ajuda a jornalistas em perigo.

Diante desse vácuo, Ricaurte explica que foi criada a Mesa de Coordenação de Proteção a Jornalistas. Esta iniciativa não governamental é composta especialmente por organizações como Periodistas Sin Cadenas, Fundamedios, Nos Faltan Tres ou meios como GK e Plan V.

“São organizações com as quais temos trabalhado nas questões de proteção”, disse Ricaurte. “Então, nós da sociedade civil, independentemente da atuação do Estado, continuamos trabalhando, continuamos nos articulando, continuamos estabelecendo ações de proteção para jornalistas”.

O trabalho desta mesa, bem como a busca de Rivas por alianças e ações por parte de entidades do Estado, conseguiram levar para fora do país 14 jornalistas ameaçados nos últimos anos e também realocar internamente outros jornalistas. Eles também têm buscado ajuda com entidades do Estado para casos em que um jornalista precisa de medidas de proteção – como escoltas – ou botões de pânico.

Rivas também está analisando a opção de buscar recursos em organizações internacionais. Essa possibilidade ficou estabelecida na Lei, que permite ao mecanismo buscar recursos fora do Estado.

Isso não é muito fácil e não é o ideal, aponta Rivas. Pensava-se que a pressão de entidades como a Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da Cidh ou a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) teria algum impacto positivo no mecanismo. De fato, durante a visita da SIP ao país, em 20 de março passado, o presidente Noboa assinou as Declarações de Chapultepec e de Salta, compromissos para promover a liberdade de expressão. Por sua vez, a SIP fez um chamado para “fortalecer e dar prioridade ao Mecanismo de Proteção de Jornalistas” em uma coletiva de imprensa.

Também em março, o Escritório do Relator Especial da Cidh publicou um comunicado no qual faz o mesmo apelo: “fortalecer sua segurança, assim como também o mecanismo de proteção no Equador”. A entidade elogiou a criação do mecanismo, mas advertiu “sobre as incertezas que ainda persistem, as quais poderiam afetar sua efetividade em um momento crítico onde seu funcionamento é especialmente necessário. O Escritório da Relatoria Especial, em seu compromisso com esta iniciativa, ofereceu sua cooperação técnica no processo de implementação”.

No entanto, Rivas e Ricaurte veem uma relutância por parte da Presidência do país até mesmo para dialogar com a sociedade civil.

“Não aconteceu absolutamente nada”, disse Rivas. “Eu fico muito triste de ver que, desde o governo de Moreno, ou seja, dois governos anteriores, realmente não têm se dado a importância que merece a este pilar que é fundamental em um país democrático”.

Traduzido por André Duchiade
Regras para republicação

Artigos Recentes