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Em meio ao caos dos debates de São Paulo, como o jornalismo pode elevar o nível das discussões?

Uma cena lamentável aconteceu no debate eleitoral à Prefeitura de São Paulo no último dia 15: após Pablo Marçal mencionar uma acusação de assédio sexual e dizer que rival não era homem suficiente para bater nele, o candidato José Luiz Datena deixou o seu púlpito, pegou uma cadeira de uma concorrente e a lançou contra o adversário.

A agressão física – que, segundo o boletim médico, rendeu um traumatismo sem complicações na costela e um ferimento na mão direita de Marçal – foi o ponto mais estapafúrdio até aqui de um ciclo eleitoral marcado pela baixaria. A campanha ao governo da maior cidade do Hemisfério Sul tem sido repleta de trocas de ofensas, acusações e apelidos grosseiros.  

No último domingo, Marçal foi expulso de outro debate após desrespeitar ordens do mediador que o mandou parou de dizer que, se eleito, prenderia o atual prefeito Ricardo Nunes. Na sequência, um de seus assessores desferiu um soco contra o rosto do marqueteiro de Nunes. 

As agressões verbais de Marçal contra rivais já incluíram o epíteto “jack” – uma gíria comum em presídios para se referir a estupradores –,“cheirador de cocaína”, vagabundo" e“bananinha”.

Agressões verbais também partiram de outros candidatos: Guilherme Boulos chamou Marçal de “mau caráter ou psicopata” e Nunes também insinuou que Boulos usa cocaína, entre outros. 

A grosseira generalizada incentiva discussões sobre qual deve ser o papel do jornalismo para melhorar a civilidade e qualidade dos debates televisivos. 

Estudiosos do tema, em entrevistas à LatAm Journalism Review (LJR), sugerem desde punições mais rigorosas para quem não responder a perguntas, até uma diminuição das interações diretas entre os candidatos, até intervenções do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Estrutura favorável a ataques

As agressões físicas não eram comuns em debates na TV brasileira até recentemente, mas vem crescendo; fora São Paulo, em agosto, um candidato deu uma cabeçada em outro em um debate em Teresina, no Piauí

Mesmo assim, os ataques verbais e a falta de discussão sobre propostas são uma marca deste tipo de evento desde o primeiro debate presidencial televisivo brasileiro, realizado em 1989 após a redemocratização, afirmou à LJR Oto Montagner, professor da Fundação Getúlio Vargas.

"Embora o perfil dos políticos varie, a falta de propostas é uma constante”, disse Montagner. “Claro, o nível de agressividade muda de uma eleição para outra, e agora chegamos ao extremo, com agressão física, mas a ausência de propostas sempre foi a regra".

Em sua tese de doutorado, Montagner analisou os debates a partir da Teoria dos Jogos, um ramo da matemática usado para entender como indivíduos racionais tomam decisões em situações de competição. 

Montagner faz uma comparação entre os debates políticos e o famoso "Dilema dos Prisioneiros", um conceito clássico da Teoria dos Jogos para situações nas quais a cooperação entre dois participantes seria melhor para ambos, mas a falta de confiança mútua leva a um resultado sub-ótimo. 

 “Isso leva ambos a caírem em um equilíbrio de ataques mútuos, mesmo se prejudicial a ambos”, disse Montagner. “Se os dois conseguissem combinar um debate propositivo, seria melhor para os dois, mas como cada um teme ser vulnerável, acabam se atacando”.

Estudiosos dizem que as plataformas digitais dão mais visibilidade a posts sensacionalistas e agressivas, incentivando os candidatos a radicalizarem seu discurso para se destacar. 

Isto é especialmente presente no caso de candidatos considerados “outsiders”, como o próprio Marçal, um influenciador que concorre pelo minúsculo Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB). Ele utiliza recorrentemente uma estratégia de “cortes, clipes breves que enfatizam tiradas favoráveis ao candidato.

“No ambiente digital, para se destacar, o candidato precisa ser mais exótico, mais radical”, disse o cientista político e professor de Comunicação da UERJ Fábio Vasconcellos à LJR.. "Esses candidatos são premiados com likes, engajamento, e maior cobertura da imprensa, que fica atrás, tentando lidar com um modelo mais tradicional".

Aumentem os custos

Alguns estudiosos propõem uma solução: aumentar os custos para os candidatos que promovem o caos em vez de discussões.

Fábio Vasconcellos propõe um modelo no qual os candidatos sejam expulsos caso reiterem em comportamentos inadequados, como palavrões e ofensas. Uma comissão – que, em vários casos, já existe para avaliar direitos de resposta – poderia definir quais casos não são tolerados, com regras pré-estabelecidas, disse. Ele propõe um limite baixo de tolerância.

“Um primeiro aviso gera um cartão amarelo, e o segundo, um cartão vermelho, resultando na eliminação do candidato do debate”, afirmou. “Para funcionar, as regras precisam ser claras. Pode-se até criar uma comissão externa, como advogados da OAB, para julgar infrações na hora”. 

Fábio Vasconcellos também defende que o moderador seja mais ativo e firme no controle do debate,intervindo diretamente quando houver uma informação falsa ou acusação infundada.

"O mediador não pode permitir que informações falsas sejam propagadas sem contestação. Ele precisa intervir sempre que uma mentira for dita ou quando o debate começar a fugir do controle”, afirmou.

Regras parecidas já foram aplicadas no debate do canal de Youtube Flow News do dia 23 de setembro. Os candidatos assinaram um termo antes do debate de que, na terceira advertência, o candidato seria eliminado do debate, teria seu microfone desligado, sua cadeira removida, e, poderia acontecer intervenção da segurança.

Nas suas considerações finais, Marçal recebeu uma advertência do apresentador Carlos Tramontina após dizer que, se eleito, Nunes iria preso. Após reiterar na agressão, Tramontina o expulsou. 

A cientista Carolina Almeida de Paula, do IESP-UERJ, propõe uma maior participação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) durante os debates. As campanhas no Brasil são altamente reguladas, com uma série de restrições ao que pode ou não ser feito; os debates, todavia, ficam num vácuo, e não passam por essas limitações, disse Almeida de Paula.

“Precisamos legislar também sobre isso”, disse Almeida de Paula à LJR. “Há quem diga, “é ruim o TSE estar em tudo’. Por um lado, é, mas se a campanha do Brasil é toda controlada pelo tribunal, o debate também precisa ser".

As propostas de Montagner incluem mais blocos temáticos com perguntas feitas por jornalistas em vez de interações entre os candidatos e uma ampliação do direito de resposta também para situações em que o candidato foge do tema da pergunta. Outras ideias incluem luzes de alerta e cortar o tempo dos candidatos que não apresentam propostas ou evitam responder perguntas.

"Diminuir o tempo disponível poderia forçar os políticos a irem direto ao ponto e evitar a proliferação de ataques", disse.

Vasconcellos sugere ainda a diminuição do número de debates. Neste ano, a campanha em São Paulo prevê 10 debates no primeiro turno e seis no segundo.

"Reduzir a quantidade de debates e aumentar a qualificação dos que são realizados, focando em temas relevantes, ajudaria a melhorar a qualidade do que é discutido, disse Vasconcellos.

O que o público vê

Além do debate no Flow News, desde a agressão de Datena contra Marçal, outros dois debates aconteceram. O primeiro, na Rede TV!, foi marcado por gritos e novas trocas de ofensas; Datena disse que “não iria bater em um covarde duas vezes”, enquanto Marçal comparou o oponente a “um orangotango”. Antes do encontro, a emissora aparafusou as cadeiras no chão. Várias vezes a apresentadora levantou a voz para controlar os candidatos, e a impressão geral foi de caos.

O debate seguinte, do SBT, foi menos agressivo, com menos ataques e mais propostas. Pesquisas mostram que, desde a agressão, a rejeição a Pablo Marçal aumentou, e ele ali prometeu se comportar melhor, chegando a pedir perdão aos eleitores. "As pessoas querem saber a sua pior versão e a sua melhor. A minha pior eu já mostrei nos debates, a partir de agora você vai ver alguém que tem postura de governante”, disse.

O aumento da rejeição de Marçal sugere mais um fator, afirmou Carolina de Paula: os eleitores não gostam do circo. Embora se divirtam – a cadeirada rendeu uma profusão gigantesca de memes –, eles percebem que o nível está muito baixo, disse a pesquisadora.

“As pessoas não gostam de modo geral. As pesquisas mostram que as pessoas acham divertido, engraçado, lúdico, uma forna de entretenimento. É quase um reality, né?”, disse Almeida de Paula. “Mas, apesar de as pessoas acharem engraçado e divertido, isso não se capitaliza em voto. Para a maioria dos eleitores, não pega bem. É uma estratégia errada”.

Almeida de Paula aponta mais um fator nesta trama: a cumplicidade das emissoras. Segundo a lei brasileira, Marçal nem mesmo precisaria estar presente nos debates, porque o TSE estabelece que as emissoras de rádio e de televisão só são obrigadas a convidar para os debates candidatos filiados a partidos com representação mínima de cinco integrantes no Congresso. A sigla do candidato não cumpre essa cota. Mesmo assim, Marçal esteve presente em todos os debates, desde quando sua intenção de voto era baixa. 

A hipótese da pesquisadora, neste caso, é que a decisão das emissoras de não cortá-lo sugere que elas veem vantagens em sua presença e no circo.

“Em teoria, as emissoras nem precisariam chamar Marçal”, disse Almeida de Paula. “Mas, para elas, muitas vezes essas cenas [caóticas] são bem-vindas. É o que dá audiência, é o que dá repercussão”, afirmou Almeida de Paula.

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