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Jornalistas cidadãos buscam preencher a lacuna de cobertura ambiental em Trinidad e Tobago

A nação caribenha de Trinidad e Tobago está entre os países particularmente vulneráveis às mudanças climáticas. Fenômenos como o aumento do nível do mar, mudanças nos padrões de chuvas, inundações e a crescente intensidade das tempestades ameaçam não apenas a terra, mas também a vida dos habitantes.

Com mais de 70% da população de Trinidad e Tobago e 81% de sua atividade econômica concentrada nas zonas costeiras, desastres naturais recentes deslocaram milhares de pessoas e causaram danos milionários, de acordo com o Ministério de Planejamento e Desenvolvimento dessa nação insular.

Diante dessa realidade, um grupo de 20 adolescentes do país está se capacitando para se tornarem repórteres cidadãos e abordar as ameaças que as mudanças climáticas impõem às suas comunidades.

In 2023, the first edition of the Youth Journalism Program trained eight high school students. (Photo: Courtesy of Cari-Bois)

Primeira edição do Youth Journalism Program, em 2023, treinou oito estudantes do ensino médio. (Foto: Divulgação/Cari-Bois)

A organização Cari-Bois Environmental News Network lançou, no dia 21 de setembro, a segunda edição de seu Youth Journalism Program (programa juvenil de jornalismo). De acordo com a organização, a iniciativa busca formar um grupo de jornalistas multimídia da “Gen Z” com consciência ambiental.

A Cari-Bois, uma plataforma de conteúdo ambiental alimentada por uma rede de repórteres cidadãos provenientes de comunidades, do mundo acadêmico e da sociedade civil, foi criada em 2020 pela Fundação Cropper, uma organização sem fins lucrativos de Trinidad que trabalha para promover o desenvolvimento sustentável, a equidade e a gestão ambiental no Caribe.

A primeira edição do Youth Journalism Program, em 2023, capacitou oito estudantes de escolas secundárias. Para esta edição, o programa formará um total de 20 jovens entre 14 e 15 anos de várias partes do país.

"Levaremos aos alunos os fundamentos do jornalismo e a importância do jornalismo ambiental", disse Tyrell Gittens, coordenador da Cari-Bois, à LatAm Journalism Review (LJR). "Eles aprenderão com jornalistas profissionais, tanto locais quanto internacionais, para compreender a importância do jornalismo ambiental e climático".

turma de 2023 do Youth Journalism Program produziu oito artigos sobre as diferentes maneiras pelas quais as mudanças climáticas estão afetando suas comunidades rurais, abordando temas como populações deslocadas por inundações até o impacto do calor extremo sobre os agricultores locais. Mas este programa é apenas um dos esforços da Cari-Bois para preencher o que considera uma lacuna no jornalismo local focado em questões ambientais, tanto em Trinidad e Tobago quanto no resto do Caribe.

A Cari-Bois começou como um projeto de jornalismo cidadão, envolvendo organizações da sociedade civil em Trinidad e Tobago na capacitação de moradores para identificar os problemas ambientais ao seu redor e relatar como esses problemas afetam suas comunidades.

Gittens disse que, apesar da iminente emergência climática, os principais meios de comunicação de Trinidad e Tobago não dão muita prioridade à cobertura de questões ambientais e mudanças climáticas. E quando o fazem, é a partir de uma perspectiva nacional.

"Particularmente em Trinidad e Tobago, os meios de comunicação estão muito focados em política, criminalidade e outras questões desse tipo. Mas o jornalismo climático e ambiental é algo que está emergindo na consciência pública", disse Gittens. "Dada a lacuna em termos de jornalismo ambiental, a Fundação Cropper viu a necessidade de envolver as comunidades nesse nível e realmente inspirar as pessoas a contar suas próprias histórias com precisão, compartilhando informações verídicas e objetivas".

Nessa primeira etapa, entre 2020 e 2022, membros de ONGs ambientais e voluntários de instituições acadêmicas também receberam capacitação sobre conceitos básicos de jornalismo e narrativa, para contribuir com a cobertura a partir de suas próprias perspectivas. Graças a um financiamento inicial da União Europeia, a Cari-Bois forneceu aos participantes equipamentos técnicos, como computadores, câmeras e microfones.

Nesses dois anos, um total de 33 adultos foram capacitados e publicaram, juntos, mais de 100 artigos no site da Cari-Bois, sobre temas como mudanças climáticas, agricultura, poluição, mineração, petróleo e gás natural, silvicultura, pesca, biodiversidade e governança ambiental.

"Cari-Bois pretende continuar contribuindo com esse trabalho informativo a nível comunitário", disse Gittens. "E o que também tentamos é ser uma ponte entre as instituições científicas e o público em geral, comunicando essa informação de forma acessível".

Em janeiro de 2023, a Cari-Bois se tornou regional, após identificar que outros países do Caribe também enfrentavam uma escassez similar de cobertura ambiental feita a partir das comunidades. A organização repetiu sua fórmula de capacitação em Guiana, Antígua e Barbuda, Barbados, Belize, São Vicente e Granadinas e Suriname.

Conscientizar sem um diploma

Grande parte dos repórteres cidadãos que colaboram com a Cari-Bois tem formações distintas do jornalismo – há desde biólogos e veterinários até advogados e profissionais de marketing. Os esforços da organização partem da ideia de que um repórter cidadão não precisa de um diploma universitário em jornalismo para conscientizar sobre o impacto das mudanças climáticas em sua comunidade, especialmente em uma região onde não abundam jornalistas especializados nesses temas.

Participants of Cari-Bois' inaugural Youth Environmental Journalism Project practice their interview skills with Lopinot residents during a field trip to community in August 2023.

O Youth Journalism Program em 2024 inclui duas viagens a campo, nas quais os jovens farão reportagens diretamente do terreno em Trinidad e Tobago. (Foto: Divulgação/Cari-Bois)

“Muitos países do Caribe não contam com redatores ou jornalistas especializados em meio ambiente, ou as notícias sobre meio ambiente ainda não são algo habitual”, disse Gittens. “Em alguns países, tentamos encontrar repórteres e isso tem sido excepcionalmente difícil. Então, acredito que existe uma oportunidade de formar redatores nesses lugares, porque está claro que há uma lacuna a ser preenchida”.

Gittens, que também escreve artigos para a plataforma, se formou em Geografia e Gestão Ambiental e, posteriormente, fez um Mestrado em Conservação da Biodiversidade e Desenvolvimento Sustentável. No entanto, ele colabora com a mídia há mais de oito anos e considera que se tornou jornalista “ao longo do caminho”.

Ryan Bachoo é um dos jornalistas que fazem parte da equipe de instrutores do Youth Journalism Program da Cari-Bois. Ele é repórter e apresentador de notícias no canal privado CNC3 News de Trinidad e Tobago. Um dos pontos que ele busca transmitir aos estudantes do programa, disse, é que, mesmo antes de irem para a universidade, eles podem aprender a contar suas histórias como fazem os jornalistas profissionais.

“Nesta era do jornalismo e nesta era da vida, não é necessário ter um diploma em jornalismo, não é necessário escrever para um grande jornal ou trabalhar para uma grande emissora de TV para praticar a arte de contar histórias”, disse Bachoo à LJR. “Pode ser que você não tenha o título de jornalista, mas pode praticar o jornalismo por meio de um podcast ou vídeos no YouTube”.

Bachoo disse que, embora existam meios de comunicação locais no Caribe que cobrem temas ambientais, eles não têm a capacidade de fazê-lo com a constância e o rigor que são necessários atualmente, quando os efeitos das mudanças climáticas estão impactando diretamente a vida dos habitantes.

Por isso, ele considera que é mais necessário do que nunca que os cidadãos sejam os responsáveis por trazer esses temas para o debate público.

“Acho que a crise ambiental não pode mais ser ocultada. Está à vista de todos, afetando a vida das pessoas. Mesmo que você não tenha interesse em jornalismo ambiental, mesmo que você não se interesse pelo meio ambiente, isso está te afetando diariamente”, disse Bachoo.

Atualmente, a Cari-Bois conta com uma rede de mais de 80 colaboradores ao redor do Caribe, que publicam aproximadamente uma história por semana, não apenas na forma de artigos, mas também em produtos multimídia.

A plataforma está aberta a receber propostas de artigos de qualquer pessoa interessada em compartilhar o que está acontecendo em sua comunidade sobre temas ambientais.

Tyrell Gittens, coordinator of Cari-Bois Environmental News Network.

Tyrell Gittens, coordenador e editor do site Cari-Bois. (Foto: Divulgação/Cari-Bois)

De acordo com Gittens, um dos principais desafios da Cari-Bois é compensar adequadamente os repórteres cidadãos por seus artigos. Como organização sem fins lucrativos, a Cari-Bois depende de doações e campanhas de arrecadação, e os recursos nem sempre são suficientes para produzir tantas histórias quanto gostariam, disse ele.

“Queremos garantir que as pessoas sejam devidamente compensadas por seu tempo e talento, então temos arrecadado muitos fundos. Tem sido positivo, mas, em termos de sustentabilidade do projeto, é algo em que estamos trabalhando”, disse Gittens.

A Cari-Bois também enfrenta o desafio de alcançar um público mais amplo. Para isso, firmou parcerias com meios de comunicação nacionais para que publiquem seu conteúdo. A organização tem uma parceria de divulgação com a rede internacional de escritores, blogueiros e ativistas digitais Global Voices.

Gittens afirmou que um dos maiores sucessos da Cari-Bois é a rede de colaboradores que foi formada em torno do jornalismo comunitário ambiental em vários países do Caribe. Carolee Chanona, colaboradora de Belize que escreve para a plataforma desde 2022, concorda. Para ela, a rede da Cari-Bois serve para fomentar relações entre países caribenhos no que se refere aos problemas ambientais que enfrentam.

“Todos nós enfrentamos os mesmos problemas por sermos países em desenvolvimento. Por isso, para mim, era muito importante que Belize estivesse representado na Cari-Bois”, disse Chanona à LJR. “A Cari-Bois oferece não apenas aos autores, mas também aos países, uma plataforma na qual todas as notícias são acessíveis uns aos outros. É importante que todos estejamos em uma espécie de página comum a nível regional”.

Jornalismo, não ativismo

Uma das principais mensagens que a Cari-Bois procura passar aos participantes do seu Youth Journalism Program é que, embora o objetivo final seja conscientizar sobre a emergência climática, o trabalho dos repórteres cidadãos é jornalístico, não de ativismo ambiental.

“É importante que jornalistas usem a plataforma para conscientizar, mas sem dúvida tentando seguir o modelo de serem, não neutros, mas equilibrados”, disse Gittens. “Queremos ser muito cautelosos para que, sim, focamos nas questões ambientais, algumas das quais vão aumentar a conscientização sobre a saúde ambiental. E, claro, podemos entrevistar ativistas, mas sempre queremos manter esse equilíbrio em nossas coberturas”.

A Cari-Bois se considera, antes de qualquer outra coisa, uma plataforma jornalística, disse Gittens, e como tal está reconhecida pela Associação de Meios de Comunicação de Trinidad e Tobago.

Bachoo afirmou que um dos objetivos do seu trabalho de formação é transmitir a relevância do jornalismo comunitário em um ecossistema de mídia globalizado que parece ofuscar as perspectivas mais locais.

“Mesmo que você viva em uma pequena comunidade, em um pequeno país, em um pequeno canto do Caribe, sua história é tão importante quanto as histórias que estão sendo contadas em Londres, em Nova York ou em Bruxelas”, disse Bachoo. “Meu objetivo é reforçar que o que acontece na sua pequena comunidade impacta as pessoas, e isso é tão importante quanto qualquer outra história que esteja sendo contada por uma grande emissora internacional”.

Traduzido por Carolina de Assis
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