Em um assentamento agroextrativista no cruzamento dos rios Amazonas e Arapiuns, uma rádio tocada por jovens locais transmite notícias para moradores da região por meio de alto-falantes e de transmissores de baixa potência. Em Boa Vista, perto da fronteira com a Venezuela e a Guiana, uma rádio católica dedica grande parte da sua programação a defender os direitos dos povos indígenas e o meio ambiente. Em Sena Madureira, município, um jornalista independente se esforça para transmitir informações que contrariam interesses poderosos locais.
Essas são algumas das iniciativas incluídas no Mapa Vivo de Mídias da Amazônia, iniciativa que identifica meios de comunicação locais e regionais da Amazônia brasileira que fazem coberturas de temas socioambientais. Após seu lançamento em 2022 pelo veículo brasileiro InfoAmazonia, o mapeamento foi atualizado no último mês de outubro incluindo rádios que cobrem assuntos socioambientais na região e que não têm websites. Há 307 veículos no mapa, e 49, distribuídos em 38 municípios, são rádios.
Muitas vezes, essas rádios têm alcance limitado a comunidades de centenas de pessoas. No entanto, em uma região onde as distâncias são enormes, onde os obstáculos para o transporte são significativos e onde histórias contadas por terceiros são mais comuns do que narrativas dos próprios moradores, sua importância não pode ser subestimada, afirmou à LatAm Journalism Review (LJR) o jornalista Guilherme Guerreiro Neto, que atuou como pesquisador no mapeamento.
"O rádio na Amazônia sempre foi muito relevante devido à capacidade de diminuir as grandes distâncias”, disse Guerreiro Neto. “Hoje as rádios comunitárias não apenas fazem a mensagem chegar a lugares distantes, mas também produzem e dão voz à comunidade local, permitindo que ela se faça ouvir. Essas rádios têm um papel essencial para a circulação de informação local".
Uma dessas rádios é a Rádio Web Uxicará – palavra que funde o nome de dois frutos da região, uixi e cará –, que transmite uma hora de programação por dia de segunda a sexta-feira e duas horas diárias aos sábados e domingos na comunidade Vila Brasil, parte do assentamento agroextrativista Gleba Grande, onde 6.600 famílias vivem às margens do Rio Arapiuns, em Santarém (PA).
A rádio foi lançada em 2010 de forma improvisada, em uma caixa amplificada no alto de uma torre de telefone. Ainda hoje a transmissão dentro da própria comunidade permanece por meio de dois alto-falantes. Em agosto do ano passado, com o apoio da ONG Projeto Saúde e Alegria, a rádio inaugurou o seu estúdio, e mantém o projeto de transmitir online.
A programação é diversa, disse à LJR Aldeci Dias, um dos apresentadores da rádio. Há programas religiosos, anúncios para a comunidade e, também, programas com temas socioambientais. A comunidade enfrenta impactos provocados por mineradoras, além de efeitos da mudança climática como estiagem, disse Dias.
“A comunidade está sofrendo muito com a estiagem, os rios secando. A tendência está se agravando a cada ano”, afirmou. “A rádio é importante para organizar a comunidade e ajudar a defender o território”.
A rádio colabora com escolas locais e frequentemente leva estudantes para debater no ar, acrescentou Dias.
“Esses debates ajudam a formar futuros jornalistas e estimula os jovens a serem líderes comunitários. Eles vão lá, debatem e perdem a timidez”, disse ele.
Um dos grandes obstáculos para a produção do mapeamento foi diferenciar entre veículos que fazem uma cobertura socioambiental genuína e aqueles que defendem o agronegócio, afirmou Helena Bertho, coordenadora da Rede Cidadã InfoAmazonia, o projeto responsável pelo mapeamento.
Muitas vezes, os veículos são financiados por empresários ou políticos ligados ao e priorizam aspectos de mercado, disse Bertho. O estado do Mato Grosso é onde a presença do agronegócio é mais forte: de acordo com o mapeamento, 51% das mídias têm seções específicas voltadas para pautas desse setor.
Nos nove estados da Amazônia Legal, quase 17% apresentam espaço setorizado para o agronegócio, enquanto 20% dos veículos contam com editorias socioambientais, segundo o mapa.
“A cobertura do agro foca no interesse de quem é vinculado ao agro e não tem um olhar crítico para as questões climáticas e ambientais”, disse Bertho. “A cobertura de como está o mercado do agro passa longe da questão ambiental.”
Para produzir o levantamento, a equipe do InfoAmazonia consultou o Atlas da Notícia, cadastros, especialistas em comunicação e associações locais. A iniciativa identificou casos surpreendentes, como o da Rádio Monte Roraima, em Boa Vista. A emissora faz parte da Fundação José Allamano, criada pela Diocese de Roraima no início deste século com fins educativos.
“Era uma época de grandes conflitos entre indígena e latifundiários em Roraima, com disputas por demarcação de terra”, disse à LJR o padre Luiz Claudemir Botteon, diretor da rádio. “Havia então uma rádio pública e duas rádios que faziam cobertura política, mas não havia quem defendesse os povos indígenas. A rádio surge justamente para ser a voz dos povos indígenas”.
Com um alcance de 100km e transmissão online, além de um site atualizado recorrentemente, a rádio tem uma programação diária de 12 horas de produção própria. Esta inclui dois jornais diários e programas que miram públicos específicos, como aqueles voltados para a população indígena e para a população migrante que chega da Venezuela. Há ainda outros programas feitos em parceria com órgãos públicos como a Defensoria Pública e o Ministério Público.
Notícias e reportagens escritas pela equipe de jornalistas da rádio também alimentam a agência de notícias do Vaticano, afirmou o padre Botteon. Embora seja uma rádio da Igreja Católica e aborde temas religiosos, esse não é o seu foco principal, disse ele.
“Citamos tópicos religiosos, mas não é uma rádio de tópicos religiosos. Respeitamos a doutrina social da Igreja”, afirmou Botteon.
O mapeamento inclui veículos de diferentes perfis, desde os que fazem cobertura local até os que realizam reportagens aprofundadas e investigativas, incluindo organizações maiores que incluem o tema em seus noticiários.
A Rede Cidadã InfoAmazonia inclui outras iniciativas, como uma rede de mentorias. Neste ano, cinco veículos foram selecionados para um programa de apoio, recebendo auxílio editorial e institucional, além de incentivos para produzirem conteúdo juntos.
A sustentabilidade financeira é um problema permanente para a maioria dos veículos, com recursos escassos e falta de apoio do Estado. Um dos que sofrem para conseguir se sustentar é o radialista e jornalista Dirley Oliveira, mais conhecido como Sorriso, que tem um programa na Rádio Avalanche FM, em Sena Madureira, no Acre, e é diretor do site Yaco News, onde trabalham seis jornalistas.
Ele afirmou à LJR que, por fazer jornalismo independente, sofre retaliações.
“Quando você critica um político, os comerciantes sofrem pressões para tirar os anúncios, para tentar enfraquecer a gente. Sem esse apoio, não conseguimos sobreviver”, disse Oliveira. “Fazer jornalismo independente em uma cidade pequena é muito difícil”.
Oliveira diz sofrer pressões de políticos, de grupos religiosos e de grandes fazendeiros.
“Os produtores rurais não gostam do trabalho que fazemos”, disse. “Quanto mais pasto, mais gado. Os grandes fazendeiros têm interesse em acabar com tudo, desmatar tudo, e os pequenos produtores e ribeirinhos é que sofrem.
Os veículos sofrem também para conseguir arcar com custos de produção de reportagens e investigações. A produção de conteúdo pode exigir viagens longas distâncias por barco ou carro e recursos consideráveis.
Uma das metas da Rede Cidadã Infoamazonia é facilitar colaborações e trocas de informações entre os veículos. Para o próximo ano, espera-se também que veículos menores possam fazer coberturas colaborativas de eventos internacionais que têm relevância para as comunidades amazônicas, como a Conferência do Clima da ONU.
Atualizações do mapa estão previstas.
"Chamamos de mapa vivo porque está sempre aberto a novas emissoras”, disse Guerreiro Neto. “É possível atualizá-lo constantemente”.