João Paulo Guimarães tinha 39 anos quando pela primeira vez uma foto sua, de uma jaguatirica morta durante as queimadas no Pantanal em 2020, teve grande repercussão.
Morador de Belém, viajara para o Pantanal, a cerca de 3 mil km, com recursos próprios, e lá percebeu que seu trabalho podia ter impacto.
"Foi a primeira vez que tive contato com uma imagem minha perdendo o controle e chegando muito mais longe do que eu esperava”, afirmou Guimarães à LatAm Journalism Review (LJR). “Não estava buscando ser famoso, mas sim relevante".
Nos anos seguintes, Guimarães intensificou sua cobertura de questões socioambientais e de direitos humanos, passando a também escrever além de fotografar. Seu trabalho ganhou reconhecimento, e ele rotineiramente colabora com veículos como UOL, Repórter Brasil, Agência Pública, The Intercept Brasil e Mongabay. No entanto, por vezes, segue precisando arcar com custos para matérias do próprio bolso.
Ele destaca a precariedade da profissão: "Dá para viver, participando de bolsas e projetos, mas não sobra dinheiro para ter uma casa", disse sobre a precariedade da profissão. “Moro com meu sogro e minha sogra. Se não fosse essa estrutura, não daria”.
Guimarães publica no dia 14 de dezembro o seu primeiro livro, “O Caçador de Trolls - monstros sociais pelas lentes de um fotojornalista”. Na obra, ao lado de muitas fotografias, o jornalista expõe sua rotina profissional e os dilemas enfrentados ao dar visibilidade a histórias frequentemente ignoradas, como as de comunidades indígenas ameaçadas, crianças que sobrevivem coletando lixo e líderes comunitários assassinados. Ele busca compartilhar essas histórias com o mundo e mudar algo. Entre narrações de suas coberturas, incluindo um foco acentuado em temas ligados à questão indígena, o jornalista conta suas inquietações pessoais: a falta de dinheiro, a precariedade de viajar sem uma grande organização por trás, horas infinitas de viagem, as ameaças que sofre.
A história de Guimarães se assemelha à de muitos repórteres freelancers cobrindo temas ligados à justiça social e ambiental no Brasil. Movidos por um forte sentimento de missão, esses profissionais se confrontam com adversidades que vão de pagamentos miúdos à falta de interesse de grandes veículos a recorrentes ameaças por parte de atores alvos de denúncias. Apesar de teimarem em não desistir, eles se referem a uma tendência mais ampla: é cada vez mais difícil fazer reportagens de fôlego no Brasil, sobretudo quando elas defendem os mais vulneráveis.
Adriana Amâncio, de 44 anos, trabalha exclusivamente como jornalista freelancer desde 2022. Ela se equilibra como pode: busca escrever ao menos duas matérias de fôlego por mês, e no resto do tempo se dedica a vender textos de hard news.
“Viver a velocidade das hard news sem uma estrutura de redação é um inferno. Faço apostas e mais apostas. Ofereço pautas que vão parar em tudo que é tipo de seção”, afirmou Amâncio à LJR.
Seu interesse de fato, no entanto, está no jornalismo investigativo, sobretudo em temas ligados a direitos humanos, gênero e questões socioambientais. Um dos seus textos de que mais gosta saiu no final de outubro no site de jornalismo ambiental Mongabay: Amâncio noticiou que uma lavoura de algodão transgênico foi plantada em área irregular durante cinco anos no estado do Mato Grosso, desrespeitando abertamente uma norma oficial de biossegurança.
Com a colaboração de colegas, como uma jornalista que fez análise de geoprocessamento e o co-autor André Uzêda, Amâncio denunciou que uma fazenda no município de Marcelândia de um megaprodutor desrespeitou uma zona de exclusão de transgênicos, criada com o intuito de evitar a contaminação do algodão crioulo, semente natural usada na agricultura familiar por comunidades indígenas e quilombolas.
“No meio da entrevista, quando comecei a pôr o dedo na ferida, ele [o produtor de algodão] disse que não autorizava a publicação. Ele não podia mais desistir da entrevista, mas isso não tirava o direito de me processar”, afirmou Amâncio. “O dinheiro tem um grande peso na maneira de acesso a benefícios jurídicos”.
Segundo Amâncio, por suspeitas de vazamentos internos, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) chegou a instaurar uma sindicância interna para entender como ela obteve alguns documentos, mas ela conseguiu comprovar que conseguiu todos via Lei de Acesso à Informação.
“Provei que tudo foi feito de forma legal”, disse Amâncio. “Esse episódio me mostrou a vulnerabilidade de ser freelancer, de lidar com ameaças e intimidações”.
A vulnerabilidade a processos e ameaças à integridade física está entre os problemas mais comuns relatados por quem cobre esses assuntos. Grandes veículos têm equipes jurídicas consistentes. Internacionalmente, existem serviços que oferecem aconselhamento de segurança para jornalistas. Quando o contrato é para uma só ou poucas matérias, no entanto, a sensação de desamparo e incerteza dos repórteres é muito maior.
“Muitos veículos têm sedes e editoras em outros estados, mas eu estou aqui em Recife”, disse Amâncio. “Não sei como eu, uma freelancer e mãe de família, poderia encarar pessoas tão poderosas como as que exponho em meu trabalho”.
Ela cita a falta de segurança financeira como seu grande temor. Diz que chegou a trabalhar como assessora de imprensa, mas ganhava R$ 3 mil por mês para um volume de trabalho grande.
“O ambiente também era muito pragmático, muito corporativo. Eu preciso fazer um jornalismo que colabore minimamente com um mundo melhor”, disse Amâncio.
Após participar de três mesas no Congresso da Abraji em julho, incluindo uma sobre como trabalhar como jornalista freelancer, Amâncio disse que fez alguns contatos, e que nos últimos meses mais propostas de trabalho têm aparecido. Quando não consegue, divide as contas da casa com os filhos estudantes, um de 23 e outro de 24 anos, ambos estagiários.
“Nos períodos que as contas não fecham, um paga a luz, o outro a internet”, disse Amâncio.
As bolsas de reportagem, em geral financiadas por veículos e organizações sem fins lucrativos internacionais, são citadas regularmente pelos freelancers trabalhando com temas ligados a direitos humanos como um pilar de sua sustentação financeira. O repórter Leandro Barbosa, que tem uma carreira extensa, recorre a elas com frequência. Ele observa, no entanto, uma limitação dessa fonte de recursos: o interesse quase exclusivo na Amazônia, com uma negligência de outras áreas.
“Os editais estão focados em um tema só, a Amazônia; É importante, claro, mas isso acaba impossibilitando a cobertura de outros temas”, disse Barbosa à LJR. “Não temos editais para o Cerrado, a Caatinga ou a Mata Atlântica [outros biomas brasileiros], nem interesse das redações”.
Barbosa, que recentemente ganhou o Prêmio Gabo na categoria Cobertura por como membro da equipe do InfoAmazonia na produção do projeto Amazon Underworld, adotou estratégias alternativas para conseguir produzir as matérias que o interessa, com foco especial em eventos climáticos extremos e questões fundiárias. Uma delas é viajar na cara e na coragem com recursos próprios. Ele diz que, uma vez em campo, é mais fácil encontrar interesse de editores.
Outra estratégia, adotada com mais frequência no início da carreira, é o uso de campanhas de financiamento coletivo. No início de sua carreira, em 2016, com a cobertura do desastre de Mariana, assim ele se sustentava.
“A maioria das minhas coberturas até 2020 e 2021 foi feita por vaquinhas em redes sociais”, disse. “Em 2020, quando cobri os incêndios no Pantanal, meu trabalho teve mais de 17 milhões de visualizações em redes sociais. Isso garantiu fechar uma vaquinha de R$ 50 mil no ano seguinte, para fechar a equipe e fazer o trabalho”.
O jornalista afirma que, quando precisou de apoio jurídico, encontrou suporte na Abraji e nos veículos que o publicaram. Barbosa disse que já tentou ter contratos fixos com veículos, mas que sempre para em processos seletivos.
Os entrevistadores se perguntam como ele se adaptaria à rotina de uma redação, disse.
“Por mais que tenha ganhado prêmio, percebo que por vezes surgem questionamentos como ‘como você vai se sentir na redação, sem toda essa liberdade’”, disse.
Os problemas enfrentados pelos jornalistas no Brasil não são exclusividade do país. De acordo com a Unesco, que fez uma pesquisa com 900 profissionais em 129 países, 70% dos jornalistas cobrindo meio ambiente já sofreram ataques ou ameaças por seu trabalho. A organização registrou 44 assassinatos de jornalistas da área nos últimos 15 anos, que resultaram em apenas cinco condenações.
Diante de tantas dificuldades, a pergunta que resta é por que os profissionais insistem em fazer reportagens de temas ligados a direitos humanos e ambientais.
As respostas mais comuns são um senso de propósito coletivo, com um trabalho que favorece outras pessoas. João Paulo Guimarães cita como exemplo a primeira matéria que fez para o The Intercept Brasil, sobre extração ilegal de seixos no Rio Mojú, no Pará. Três dias após a publicação, houve detenções de pessoas acusadas dos crimes, disse.
“Não é só um trabalho, mas também uma batalha para que os fatos ganhem a luz do dia, chamar a atenção para os problemas”, disse Guimarães.
Leandro Barbosa diz que, mesmo antes de ser jornalista, atuava em organizações sociais. A profissão e o gosto por contar histórias se somaram ao interesse político anterior, como um modo de potencializá-lo.
“Mas não é sempre um mar de rosas. Na terapia às vezes digo que não sei se quero continuar como estou”, afirmou.
Adriana Amâncio cita a repercussão dos textos como um de seus motivadores. Ela relembra uma matéria que escreveu contando a história de uma idosa doente que caminhava 7 por dia para obter água. Após a publicação, leitores se uniram e compraram uma cisterna para a senhora. O propósito de Amâncio, ela diz, é gerar esse tipo de impacto, uma matéria por vez.
“O capitalismo nos diz que o sonho americano é o sonho de todos, ter uma casa e um carro”, afirmou. “Mas o meu sonho latijno-americano é poder fazer jornalismo que faça diferença na vida das pessoas”.