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Agência de notícias independente busca dar visibilidade a personagens e pautas da região amazônica

Quando a missionária norte-americana Dorothy Mae Stang foi assassinada em 2005, a região amazônica e alguns de seus personagens e conflitos estamparam momentaneamente as primeiras páginas dos jornais no país. Antes do crime, o trabalho desenvolvido por Dorothy desde os anos 70 em defesa da floresta e dos povos de Anapu, no sudoeste do Pará, não tinha registro na grande imprensa.

A invisibilidade das pautas sobre a maior floresta tropical do mundo levou as jornalistas Kátia Brasil, Elaíze Farias e Liège Albuquerque a tentarem um caminho fora das grandes redações, onde iniciaram suas carreiras. Juntas, elas fundaram em outubro do ano passado a Amazônia Real, uma agência de notícias independente com a missão de apresentar a realidade dessa região. Liège deixou o projeto logo depois de inaugurado e ele passou a ser editado por Kátia e Elaíze. Ambas conversaram com o Centro Knight para o Jornalismo nas Américas sobre as motivações e os desafios de informar com qualidade sobre uma área tão complexa e pouco conhecida do território brasileiro.

“Na grande mídia, a região amazônica só ganha espaço, e continua assim, quando acontece uma morte de uma liderança que defende a floresta, um grande desastre ambiental, naufrágios e casos de corrupção de verbas públicas. Os editores derrubam as pautas e dão prioridades aos temas das outras regiões do país, matérias são arquivadas e ficam ‘na geladeira’ até serem esquecidas”, contou Kátia.

Um novo jornalismo sobre a Amazônia

A inspiração para a criação da agência, segundo as jornalistas, veio de iniciativas que apostam em novas formas de fazer jornalismo e dos protestos que levaram milhões às ruas em 2013. “Nós nos inspiramos por aquele movimento democrático, fomos também para as ruas”, afirma Elaíze. “O que nos diferencia é a liberdade de escolha das pautas dentro dos eixos que nos propomos abordar e a opção editorial. Apesar de nossa abordagem quebrar a hegemonia dos grandes interesses econômicos, a Amazônia Real é antes de tudo uma agência de jornalismo. Não fazemos ativismo”, acrescentou.

Kátia e Elaíze trabalharam em alguns dos principais veículos de comunicação do país baseadas em Manaus. A crise que gerou demissões em massa em vários deles entre abril e junho de 2013 - ou no jargão jornalístico, os “passaralhos” - contribuiu para a decisão de experimentar fazer jornalismo aprofundado e pautado nas questões da Amazônia de modo independente.

“Nos jornais onde trabalhei já desenvolvia, apesar da dificuldade, uma linha de abordagem que procurava ouvir quem quase não era ouvido em grande parte das matérias, as populações ribeirinhas, indígenas, extrativistas, imigrantes, defensores de direitos humanos, defensores do meio ambiente, grupos sociais invisíveis e estigmatizados. O que eu quis trazer para a Amazônia Real foi, sobretudo, a liberdade, o espaço e o tempo suficientes para produzir reportagens sobre estes personagens e suas histórias”, disse Elaíze.

Há pouco mais de um ano na internet, o site da agência já ultrapassa os 700 mil acessos e se tornou uma referência para quem busca se informar sobre a Amazônia. Uma reportagem produzida apenas um mês depois do lançamento do projeto foi finalista do Concurso Tim Lopes de Jornalismo Investigativo de 2014, um dos mais conceituados do Brasil. A cobertura é dividida em seis editorias - Meio Ambiente, Povos Indígenas, Questão Agrária, Economia & Negócios, Política e Cultura - e o site conta com o apoio de colaboradores e colunistas voluntários que apostaram no projeto.

Obstáculos

Apesar de já não carregarem credenciais de veículos conhecidos, como Folha e O Globo, Kátia e Elaíze dizem não sentir diferença no acesso a fontes que cultivaram ao longo dos anos. A rotina de trabalho na agência é semelhante à que estavam acostumadas nos jornais, exceto pelo tempo e pelos recursos para apuração.

“Trabalhamos de segunda a sexta, apurando matérias, editando textos, conversando com fontes, pesquisandos assuntos. É uma redação normal. Falamos com todo tipo de fontes, da Presidente da República ao sem-terra que está acampado dentro de uma fazenda no sul do Pará ou uma pessoa que está ameaçada de morte pela rede de tráfico de pessoas. Na Amazônia Real, a apuração não tem limites. Uma reportagem pode levar semanas ou meses para ficar pronta, mas ela é veiculada quando abrange todos os lados da notícia. Numa grande redação, o tempo é mais curto. Às vezes queremos apurar mais e não podemos, o repórter tem pouco tempo de buscar um olhar diferente ou investigar mais sobre o tema”, explicou Kátia.

Contudo, reportagens longas e aprofundadas demandam não apenas mais tempo de dedicação do repórter como também mais investimentos. Segundo Elaíze, em uma região como a amazônica, de dimensão continental e sem tantas opções de mobilidade, os custos da produção de qualquer reportagem são altos. “Uma viagem a uma aldeia indígena no norte do Estado do Amazonas, por exemplo, não custaria menos de cinco mil reais”, disse a repórter.

Financiamento

Para manter financeiramente a agência, as jornalistas pensaram inicialmente no modelo tradicional de venda das matérias. Contudo, mudaram de ideia após consultar o professor e diretor do Centro Knight, Rosental Alves. "No mês de julho de 2013 estive no Rio de Janeiro e conversei pessoalmente com o professor Rosental. Ele nos disse para não dar à agência um modelo conservador, de vender matérias. Sugeriu criarmos um site com conteúdo livre para republicações. E deu certo", comemora Kátia. Ela e suas sócias saíram em busca de verba de publicidade e financiamento de empresas, sem aceitar verbas públicas. Apesar das tentativas, durante o primeiro ano do projeto, as editoras arcaram com as despesas de sua elaboração, dos serviços e do pagamento de impostos.

No primeiro semestre deste ano, o trabalho da agência obteve apoio da Fundação Ford, por meio do programa “Promovendo Direitos e Acesso à Mídia”. Aprovado em agosto, o financiamento vai ajudar a cobrir custos administrativos e na elaboração de grandes reportagens durante um ano.

Com a verba, as jornalistas esperam consolidar e ampliar o trabalho que vêm realizando. “Apesar das dificuldades, este é o tipo de jornalismo que queremos e escolhemos fazer. São iniciativas como a nossa que ajudam a quebrar alguns paradigmas do jornalismo. Queremos mostrar que é possível fazer jornalismo fora do padrão tradicional. Enfrentando esses desafios dentro de nossas possibilidades e recursos, muitas vezes atropelando algumas lógicas”, concluiu Elaíze.

Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog Jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.

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