O presidente guatemalteco, Bernardo Arévalo, completou 100 dias no poder em 23 de abril. Embora jornalistas percebam melhorias no tratamento dispensado à imprensa pela presidência em comparação com governos anteriores, os dados mostram que as ameaças, violência e criminalização da profissão – muitas das quais vindas de outros atores do Estado – não cessaram no país.
Durante o primeiro trimestre de 2024, o Observatório de Jornalistas da Guatemala registrou 22 ataques e restrições à imprensa, sendo três deles entre 1º e 14 de janeiro, durante as últimas duas semanas do governo de Alejandro Giammattei. Os outros 19 ataques ocorreram após 14 de janeiro, já durante o mandato de Arévalo.
Embora haja uma pequena melhoria em comparação com o mesmo período do ano anterior, organizações e jornalistas continuam preocupados com a criminalização da profissão na Guatemala.
"Da Presidência da República, há abertura para os jornalistas, os funcionários estão mais diligentes nas entrevistas e solicitações de informação, as restrições para filmagens ou gravações dentro do palácio cessaram e não são publicamente conhecidos casos de restrições à informação ou discrição no convite para reuniões ou atividades do presidente e do vice-presidente, como aconteceu nos últimos oito anos, com Giammattei e Morales", disse a equipe do Observatório de Jornalistas em um comunicado à imprensa.
"No entanto, isso não foi registrado em outras instituições estatais que continuam impondo limitações ao trabalho jornalístico ou criminalizando jornalistas", acrescentaram.
As agressões a jornalistas, segundo o observatório, vêm principalmente da Procuradoria-Geral, do Judiciário e de membros do Congresso. O observatório também afirma que muitos dos ataques a jornalistas são realizados por meio das redes sociais pelos chamados "netcenters" – grupos de pessoas pagas para cumprir um objetivo específico, como desinformar.
Nos primeiros dias de seu mandato, Arévalo afirmou em uma reunião com organizações jornalísticas que seu governo não iria usar ferramentas para perseguir judicialmente a imprensa e que a liberdade de expressão era uma de suas prioridades.
No entanto, o jornalista e proprietário do elPeriódico, José Rubén Zamora, permanece preso mesmo após a sua condenação por lavagem de dinheiro ter sido anulada e várias organizações internacionais apontarem violações em seu caso. Ele enfrenta outras acusações controversas, e tem enfrentado vários adiamentos nas datas das audiências.
Há também o caso de Engelberth Blanco, jornalista que escrevia para La Hora, que aguarda a decisão de um tribunal sobre se será ligado a um processo penal ou se as acusações contra ele serão descartadas.
Para o Observatório de Jornalistas, a Suprema Corte de Justiça e o Judiciário na Guatemala não apenas fazem parte ativa da criminalização de jornalistas, mas também mantêm restrições aos meios de comunicação impedindo-os de cobrir determinadas audiências, "particularmente em processos de criminalização de defensores dos direitos humanos e julgamentos de pessoas ligadas a atos de corrupção".
De acordo com o observatório, há relatos de jornalistas sendo deixados do lado de fora dos tribunais, impedindo-os de realizar seu trabalho de cobertura, e de promotores tirando fotos de jornalistas para depois usá-las em campanhas de difamação ou para emitir ameaças por meio de perfis falsos nas redes sociais.
No evento dos primeiros 100 dias de seu governo, Arévalo criticou o sistema de administração da Justiça em seu país.
"Atualmente, alguns desses atores, como o Ministério Público de [a Procuradora-Geral] Consuelo Porras, usam sua posição para intimidar seus críticos e atacar e tentar enfraquecer, a partir de sua trincheira de impunidade, o projeto que o povo da Guatemala escolheu para seu futuro. Não descansaremos até conseguirmos, legalmente, a destituição dessa ameaça à democracia", disse Arévalo.
Membros do sistema legislativo também têm sido protagonistas de agressões contra jornalistas.
Em 27 de abril, o deputado Oswaldo Rosales Polanco, do Partido Vamos, foi agressivo com dois jornalistas que o gravaram enquanto tentava entrar em uma reunião que Arévalo estava tendo com prefeitos de Quetzaltenango, cidade a oeste da Guatemala.
Os repórteres eram Abel Reyna, da Revista Coyuntura, e Roderico Valdez, de um noticiário televisivo local.
"Ao perceber que Rosales Polanco estava sendo fotografado e gravado... ele partiu para cima de Valdez e o segurou pelo pescoço, torcendo-lhe o braço. Posteriormente, ele foi para cima de Reyna, com quem trocou algumas palavras, arrancou-lhe o celular da mão e tentou tocar em seu rosto", denunciou a Associação de Jornalistas da Guatemala em um comunicado.
A última parte dessa interação pode ser vista em um vídeo publicado nas redes sociais. Nem a Presidência nem representantes do Poder Legislativo se pronunciaram a respeito, segundo informou o Prensa Libre.
Héctor Coloj, coordenador do Observatório dos Jornalistas, disse à LatAm Journalism Review (LJR) que há sinais de que haverá uma boa relação entre a Presidência de Arévalo e a imprensa, mas eles permanecem alertas porque no "governo anterior, infelizmente muitos padrões de ataque ou restrições começaram no Executivo e rapidamente se espalharam para outras frentes governamentais, tanto a nível estadual quanto em governos locais ou municipais. Esses eventos se tornaram normais", disse Coloj.
O Observatório não apenas registrou violência contra o jornalismo proveniente de atores ligados a posições de poder dentro do Estado, mas também de grupos organizados como sindicatos, autoridades de uma comunidade, grupos políticos ou pessoas particulares que consideram a atividade da imprensa como um risco ou obstáculo para seus interesses.
Neste ano, foram relatados pelo menos cinco casos de jornalistas sendo atacados enquanto cobriam manifestações ou eventos noticiosos, de acordo com dados do observatório. Os jornalistas são atacados e acusados de "dividir o país", "traidores", "vendedores da pátria" e pertencentes a "meios de comunicação de esquerda".
Esses ataques também ocorrem por meio das redes sociais, segundo o observatório. Há também um padrão recorrente de limitação ou agressão a jornalistas durante a cobertura de operações policiais, prisões ou notícias de crime.
Por exemplo, José Cotzajay, cinegrafista do veículo Albavisión, disse que em 21 de março foi impedido de cobrir o assassinato de um jovem devido à recusa de um grupo de moradores. A Cotzajay foi pedido que saísse do local e não pôde fazer nenhuma filmagem. O cinegrafista denunciou o ocorrido por meio de uma transmissão em sua conta no TikTok, que já não está mais disponível.
Cotzajay, que cobre incidentes de violência em nível nacional, disse à LJR que esse não foi um incidente isolado.
"Isso já aconteceu várias vezes tanto por parte de grupos de pessoas dos locais [vizinhos da área], quanto por parte de grupos criminosos ou da Polícia Nacional Civil", afirmou.
No entanto, em coberturas envolvendo o executivo, ele acredita que há uma grande diferença neste governo em comparação com o anterior.
Os jornalistas e meios de comunicação da Guatemala lutam para reduzir a constante criminalização e punição a que estão sujeitos há anos. Muitos, inclusive, trabalham a partir do exílio em prol da liberdade de imprensa no país.
O Observatório instou o presidente Arévalo, em comemoração aos seus 100 dias no poder, a "evitar qualquer narrativa contra o trabalho profissional e fiscalizador dos meios de comunicação e jornalistas", disse a equipe do Observatório em comunicado à imprensa.
"Também é importante que, se algum funcionário governamental, de qualquer nível, se envolver em pressões ou atos que ameacem a segurança e o trabalho dos comunicadores, eles emitam as sanções correspondentes para evitar que esses atos se repitam".